São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

Jornalistas que estiveram presos com Herzog no DOI-Codi, em São Paulo, questionam autenticidade de imagens

Amigos divergem sobre veracidade de fotos

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

FREDERICO VASCONCELOS
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Jornalistas presos com Vladimir Herzog em 1975 divergem sobre a autenticidade das fotos que o retratariam antes de morrer na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo.
"Tenho muitas dúvidas sobre a autenticidade dessas fotos", diz o jornalista Rodolfo Konder. Na época da prisão, Konder era editor da revista "Visão". "Se as fotos são dele, e acho que não são, não foram tiradas lá dentro", afirma.
Para George Duque Estrada, também preso no DOI-Codi, contudo, as fotos são de Herzog. "Acredito que ele possa ter sido fotografado quando estava para colocar a roupa dos presos", disse.
Os jornalistas Paulo Markun e Anthony de Christo questionam a possibilidade de fotos daquele tipo serem tiradas no DOI-Codi, embora, para Christo, duas das fotos publicadas parecerem "muito próximas do Vlado".
Markun diz haver "interrogações" sobre as fotos, mas afirma confiar no reconhecimento feito pela viúva de Herzog, Clarice, que disse ter identificado o ex-marido em uma das fotos publicadas.
"Não tiravam fotos de presos no DOI-Codi", declara Konder, o que não faria sentido numa organização clandestina do governo.

Estrado na foto
Christo diz que ninguém foi fotografado nu. "A gente só foi fotografada para identificação". Ele não se recorda de ter visto no DOI-Codi o estrado de cama no qual Herzog aparece sentado, na foto. "Não me lembro de nada parecido. Nem na sala de interrogatório nem na cela", diz.
Konder também chama a atenção para o fato de o rosto de Herzog não estar visível nas fotos. "Ali, eu não vi o Vlado [como ele era chamado pelos amigos]."
Markun diz que o personagem das fotos se parece com Herzog, mas acha as fotos "estranhas" -incluindo o fato de ele aparecer nu e com relógio. "Mas tem uma que é incompreensível: aquela que tem uma mulher ao lado dele. Jamais poderia acontecer uma cena daquela no DOI-Codi."
Christo também desconfia dessa foto. "Aquele não me parece o Vlado", diz. "Ele tinha uma testa bem calva. Naquela foto, aparece um tufo que ele não tinha."
O jornalista lembra que Herzog tinha bastante pelos. Esse detalhe não aparece com nitidez nas fotos publicadas. "Sinto dificuldade em testemunhar a partir da impressão de uma foto em jornal, depois de tantos anos", diz.
Para ele, a publicação dessas fotos "é uma coisa inaudita". "É importante descobrir a origem dessas fotos. É um processo penoso, sobretudo se forem verdadeiras. Mas, por mais doloroso que seja, tudo tem que ser investigado. Certamente, tem mais coisa por trás", declarou.
Duque Estrada diz não ter dúvida de que o homem nu das fotos é Herzog, mas estranha que tais imagens apareçam agora. "Parece que se quer criar um conflito entre os militares e o poder atual. Há um jogo que não está claro para mim", afirma o jornalista.
As fotos publicadas pelo "Correio Brasiliense" não estavam no processo em que o juiz Márcio Moraes responsabilizou a União, em 1978, pela prisão ilegal e morte de Herzog. Na época, Moraes mandou instaurar inquérito policial militar para apurar a responsabilidade pela prática de tortura no DOI-Codi. O juiz desconhece o desfecho dessa investigação.


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