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ENTREVISTA DA 2ª
"Lei da Mordaça" só serve aos criminosos, diz procurador
Alan Marques/Folha Imagem
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O procurador da República Luiz Francisco fernandes de Souza, durante entrevista em Brasília |
ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília
Autor de ações judiciais movidas contra a cúpula do governo, o
procurador da República Luiz
Francisco Fernandes de Souza está convencido de que o Planalto
quer proteger criminosos e esconder as falcatruas do serviço
público com a "Lei da Mordaça".
"Investigações sigilosas só servem aos criminosos", avalia Souza, principal responsável pela prisão do ex-deputado Hildebrando
Pascoal, após ser cassado em setembro passado, a pedido da CPI
do Narcotráfico. "Porque o que
faz mover a sociedade, queira ou
não queira, é a imprensa."
Sua opinião é baseada no esforço da liderança do governo na Câmara para aprovar, na última terça, o projeto de lei 2.961, com mudanças na lei que trata de abuso
de autoridade. O texto proíbe
membros do Ministério Público,
juízes e delegados de darem informações à imprensa sobre inquéritos e processos em andamento. O
Senado ainda analisará o projeto.
Segundo Souza, a divulgação
das acusações contra Hildebrando permitiram a descoberta de
testemunhas e a prisão de 44 pessoas acusadas de ligações com
narcotráfico e assassinatos.
Souza só vê uma alternativa para justificar o interesse na aprovação da "Lei da Mordaça": "É porque há muita coisa errada nesse
governo". No entanto, ele defende punições caso alguma autoridade tenha agido com má-fé.
Ele também fez críticas ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que não foi localizado ontem para comentar as
declarações. A seguir, principais
trechos da entrevista de Souza,
concedida na última sexta-feira.
Folha - A quem interessa o
projeto apelidado de "Lei da
Mordaça"?
Luiz Francisco Fernandes de
Souza - A publicidade nas investigações só faz bem às pessoas de
bem e só faz mal às pessoas do
mal envolvidas em falcatruas.
Não estou falando de coisas privadas. Estou falando das coisas do
Estado. O Estado tem de ser transparente ou tem de ser uma caixa-preta? Essa lei pretende colocar
sob um manto de trevas as investigações sobre as falcatruas das
grandes autoridades. Quer dizer,
a informação que pode prejudicar
os corruptos é escondida. Investigações sigilosas só servem aos criminosos. Algumas diligências
têm de ser secretas, mas o andamento das investigações tem de
ser público.
A Constituição estabelece que
nenhuma lei poderá restringir a
liberdade da imprensa e a livre
manifestação do pensamento. Se
isso passar, a bola vai ficar toda
com os jornalistas. Até que eles
calem vocês. Porque também tem
o projeto de Lei de Imprensa. No
artigo 11, é estabelecido que o jornalista e o meio de comunicação
serão responsabilizados criminalmente se publicarem informação
obtida de investigação pública.
Folha - O sr. apontaria outros
pontos negativos no projeto?
Souza - Outro problema grave é
que esse projeto cala-boca estabelece o prazo de seis meses para a
conclusão de investigações sobre
desvio de recursos públicos. Tem
investigação que não se faz em
seis meses porque alguns documentos dependem do governo ou
do Tribunal de Contas da União,
que leva quatro, cinco anos para
decidir. Agora, uma coisa eu gostaria de deixar claro: se o governo
está tão apavorado assim com os
procuradores e com o que a gente
tem a falar, a ponto de fazer uma
lei fascista, é porque tem muita
coisa errada nesse governo.
Folha - O discurso dos defensores do projeto é que ele protegerá a imagem das pessoas.
Souza - É a volta da censura
prévia. Autoridade que fala a verdade não deve ser punida porque
o que ela fala interessa à sociedade. O certo seria fazer o inverso.
Seria dar à imprensa o direito legal de obter explicação de delegados, procuradores e juízes. Deveriam ser punidas as autoridades
que não dão informações.
Folha - E os direitos do inocente que é difamado?
Souza - Acho correto que, se algum procurador ou delegado
mentir ou cometer erros levianos,
ele deve ser duramente punido.
Mas a análise para efeito de punição tem de ser posterior à declaração. O procurador deve fazer declarações sobre determinada investigação com base nos documentos que obteve. Se os documentos contêm erros, o erro do
procurador não é mentira porque
não é consciente. O que não se pode é punir de forma irrestrita.
Folha - O sr. não acha que,
quando o Ministério Público
anuncia à imprensa que vai denunciar alguém, essa pessoa
não está imediatamente execrada junto à opinião pública?
Souza - Não. Em primeiro lugar, os processos são públicos, os
procedimentos administrativos
são públicos, o princípio da publicidade dos atos do governo está
assegurado na Constituição.
Folha - Isso traz resultado?
Souza - O ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-92)
não cairia se as investigações não
tivessem tido publicidade. Nenhuma grande investigação anda
se não tem publicidade.
Folha - O sr. acha que o ex-deputado Hildebrando Pascoal seria cassado e preso se já estivesse em vigor essa lei?
Souza - Jamais. Porque o que
faz mover a sociedade, queira ou
não queira, é a imprensa. É a base
fundamental de todas as informações que um cidadão tem. Então,
não se pode limitar o acesso da
imprensa.
Folha - Se a "Lei da Mordaça"
estivesse em vigor, a CPI do Narcotráfico não teria nenhum efeito prático?
Souza - A CPI do Narcotráfico
andou bem justamente quando
ela teve a colaboração da polícia,
do Ministério Público e dos juízes
bons. A Lei de Entorpecentes
proíbe a divulgação de investigações sobre o narcotráfico. A CPI
quebrou isso. A investigação da
CPI está sendo tão eficaz e tão
contundente porque ela tornou
pública uma discussão que até então era secreta. E novas testemunhas apareceram depois que o caso virou comoção nacional.
Folha - Em que pé estão as
ações contra autoridades, inclusive o procurador-geral da República e ministros, que usaram
aviões da FAB em viagens de lazer a Fernando de Noronha?
Souza - Em breve, vão sair as
primeiras sentenças. Vão sair se a
"Lei da Mordaça" não for aprovada. Do contrário, todos esses processos irão para o Supremo Tribunal Federal. Aí tudo vai ser analisado pelo procurador-geral da
República (Geraldo Brindeiro).
Folha - O sr. acha que o Ministério Público Federal está bem
representado com a manutenção de Geraldo Brindeiro como
procurador-geral da República?
Souza - Não. O dr. Brindeiro é
omisso. Não de forma indiscriminada. Ele quase não entra com nenhuma ação contra as leis do Palácio do Planalto.
Não tem posições mais fortes
principalmente em relação à
questão dos direitos humanos.
Não tem compromisso grande
com essa área. Não teve posicionamento no caso dos massacre de
Corumbiara (RO) e outros. O
procurador-geral da República
deveria acompanhar esses casos.
Se ele tivesse esse compromisso,
encontraria tempo na sua agenda,
não para cerimônias de entrega
de medalhas, mas para ir aonde
tem trabalho escravo, aonde tem
hansenianos e aidéticos sem tratamento. Aí ele procuraria se engajar e fazer da agenda dele um
compromisso com a parte mais
sofrida da sociedade. É para ela
que serve o Ministério Público.
O dr. Brindeiro tem uma coisa
boa: se ele não incomoda o governo, ele também não incomoda os
procuradores. Ele jamais tentou
cercear o nosso trabalho.
Folha - O Ministério Público
Federal obteve várias liminares
contra a privatização da Telebrás e da Companhia Vale do
Rio Doce, mas todas acabaram
cassadas. Isso foi uma derrota?
Souza - Em 1992, o governo
criou a lei 8.437 por causa das liminares que eram concedidas pela juíza federal Selene Almeida. É
a "Lei Selene". A partir daí os presidentes dos Tribunais Regionais
Federais passaram a ter o poder
de cassar as liminares dos juízes
de primeira instância.
Isso acontece porque os presidentes dos TRFs são indicados
pelo governo e dependem dele
para nova promoção para o STF
ou para o STJ (Superior Tribunal
de Justiça). A cada minuto o governo luta para cercear o poder de
liminar dos juízes, pois ele sabe
que vive cometendo heresias, falcatruas, além de atropelar o ordenamento jurídico.
Folha - Os procuradores podem ser acusados de buscar
projeção quando divulgam suas
investigações para se elegerem?
Souza - É tão raro isso... Se algum fez um bom trabalho e se elegeu, não vejo mal nenhum. Outra
coisa: procurador não quer notoriedade coisíssima nenhuma. Se a
imprensa quer publicar alguma
coisa, que publique. A gente não é
dono de jornal, não pede, não implora, não faz questão que tenha o
nome da gente nas reportagens.
A gente é um pinguinho e fica
com as prateleiras cheias de procedimentos, cheias de papéis e
tem de ficar longas horas trabalhando, enquanto procuradores
boas-vidas, que não têm interesse
social, recusam-se sistematicamente a falar com a imprensa.
Não querem saber, desprezam a
imprensa, ainda debocham, dizendo que a imprensa não serve
para nada e que divulga tudo errado. Agora esses só trabalham
quatro horas por dia e no final
ainda vão para o escritório clandestino de um amigo, de um irmão etc. Ficam exercendo advocacia para ganhar R$ 10 mil, R$ 12
mil a mais.
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