São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2008

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Brecha mantém emendas "rachadinhas" no Orçamento

Governo chegou a comemorar em 2007 o fim dos projetos genéricos de parlamentares

Essas emendas estão na origem do escândalo dos sanguessugas; deputados e senadores podem dividir a verba destinada ao Estado

ADRIANO CEOLIN
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Encaminhado na terça-feira para sanção presidencial, o Orçamento deste ano não pôs fim a uma prática que abre espaço para corrupção e que o governo comemorou ter eliminado em 2007: emendas feitas por bancada de parlamentares, de forma genérica, com características típicas de "rachadinhas".
Segundo levantamento feito pela Folha com auxílio de consultores do Congresso, há pelo menos 43 emendas dessa natureza, com valor de aproximadamente R$ 900 milhões.
Por não especificarem que cidades ou projetos seriam atendidos, as emendas de bancada genéricas permitem que deputados e senadores de um mesmo Estado dividam os recursos de modo a ampliar o atendimento às suas bases eleitorais, sobretudo em ano de eleições municipais.
"São rachadinhas "PO", puras de origem", disse o senador Sérgio Guerra (PE), presidente do PSDB, ao analisar algumas das emendas levantadas pela reportagem.
O escândalo dos sanguessugas (venda de ambulâncias por meio de licitações fraudadas) teve sua origem em emendas de bancada genéricas. Na liberação dos recursos, os congressistas definiam informalmente para quais cidades o dinheiro deveria ser destinado (é quando se dá o "racha"). Em muitos dos casos, os prefeitos já faziam parte do esquema e direcionavam as concorrências em benefício da Planam (principal empresa da quadrilha).
As emendas de bancada genéricas facilitam a corrupção porque, ao contrário das emendas individuais, não deixam expostas as digitais dos parlamentares que as apadrinharam. Numa tentativa de acabar com as "rachadinhas" e evitar casos como o dos sanguessugas, o governo patrocinou a aprovação no Congresso da Resolução n.º 1/2006, que veda a designação genérica de emendas. A resolução só entrou em vigor na elaboração do Orçamento deste ano.
Para o deputado Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo e um dos autores da resolução, as emendas levantadas pela Folha têm características de "rachadinhas". "São genéricas e não deveriam ser acatadas. Essas emendas não são ações estruturantes como determina a resolução", disse.
A resolução deixou uma brecha para a inclusão de "rachadinhas" no Orçamento de forma regular. Determinou que a definição de projetos estruturantes seria estabelecida no parecer preliminar do relator do Orçamento. No parecer do relator, deputado José Pimentel (PT-CE), projetos estruturantes são aqueles que, "além de propiciar benefícios sociais e econômicos duradouros, criam condições para gerar projetos complementares". Segundo os consultores do Orçamento ouvidos pela Folha, nessa definição cabe qualquer projeto, ainda que não defina municípios ou região metropolitana, o que permite a divisão da emenda. Isto é, as "rachadinhas".
Nesses moldes, as bancadas de Goiás (R$ 10 milhões), Minas (R$ 18 milhões), Pernambuco (R$ 15 milhões), Rondônia (R$ 12,671 milhões), Amazonas (R$ 12,267 milhões), Mato Grosso (R$ 12,078 milhões), Pará (R$ 39 milhões), Piauí (R$ 12,669 milhões) e São Paulo (R$ 13,783 milhões) conseguiram emendas para "aquisição de patrulha mecanizada".
"São rachadinhas, sim. Não há como negar", disse o senador Heráclito Fortes (DEM-PI). "Eu pergunto: que patrulha é essa? E para quem é? Tem de estar claro", afirmou.
Ainda assim, muitas das emendas de bancada aprovadas no Orçamento não encontram respaldo nem mesmo no parecer preliminar. Ou seja, contrariam a resolução. Das 43 emendas genéricas levantadas pela reportagem, 14 (R$ 230,7 milhões) ferem a legislação.
A bancada da Bahia emplacou, por exemplo, uma emenda de R$ 10 milhões para "projetos de desenvolvimento sustentável", sem discriminar município, região metropolitana ou projeto específico.
Em defesa do Orçamento aprovado, o deputado José Pimentel disse que as emendas coletivas "foram devidamente analisadas e aprovadas pelo Comitê de Admissibilidade, cujo relatório foi apreciado e aprovado por unanimidade pela CMO [Comissão Mista do Orçamento]".
Coordenador da bancada de São Paulo na comissão do Orçamento, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) negou que as emendas de bancada genéricas para o Estado sejam "rachadinhas". Contudo, deu a seguinte declaração: "São uma pulverização [dos recursos] que nós fizemos e entregamos para os ministérios e os governos estaduais executarem".


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