São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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DOMINGUEIRA
Bancarrota Blues

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

De Antonio Candido a Astrid Fontenelle, da USP à MTV, Chico Buarque de Holanda reuniu em sua estréia no Palace o que a música brasileira é capaz de reunir: sofisticação culta e popular, samba e literatura, alegria e crítica.
Foi uma estréia apoteótica, não deixando dúvida de que será uma temporada memorável.
A volta de Chico faz um enorme bem ao ambiente. É colírio para os ouvidos, limpeza, dissipação de poluentes. É também o reencontro com uma história da música popular, com um de seus pilares, com um de seus melhores registros e -por que não?- um de seus sotaques fundamentais, o do Rio de Janeiro de Tom e tantos outros. É ótimo ouvir samba com som de samba.
Livre da atmosfera de ato público que as envolvia em shows de outros tempos, algumas antigas canções ressurgem revigoradas, como se mais tivessem perdido do que ganhado com as exacerbações da leitura politizada.
"Construção", por exemplo, sempre foi uma obra-prima, com suas proparoxítonas e sua precisa engenharia poética. Mas a releitura apresentada no Palace a coloca em alturas que a memória de quem há anos não a ouvia jamais poderia lembrar.
No capítulo da alusão política, apesar da mais recente "Assentamento", a que melhor se sai é "Bancarrota Blues", do disco "Francisco". Parceria com Edu Lobo, ela reaparece estupendamente irônica neste Brasil FHC. Chico a apresenta sorridente, com uma graça sarcástica, estalando dedos para marcar o ritmo do blues e, ao mesmo tempo, aludir ao gesto que se faz para significar grana.
É preciso rever Chico Buarque cantando para perceber a dimensão da falta, o peso dessa ausência de cinco anos.
Falando em Brasil FHC, não foi Chico Buarque nem Itamar Franco, mas Michel Camdessus, diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, quem disse a um jornal francês, com todas as letras, que a reeleição foi uma das causas da crise do real.
Críticas semelhantes foram feitas por um oponente do FMI, o economista norte-americano Jeffrey Sachs. Não são exatamente esquerdistas burros e fracassomaníacos.
Será que o presidente tem ouvido?


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