São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/O EX-TESOUREIRO

Ex-tesoureiro promete "explicar com clareza" esquema de Marcos Valério, mas não fala nada sobre os pagamentos a parlamentares

Delúbio se nega a falar nome de sacadores

DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares falou por horas à CPI dos Correios, mas nada explicou sobre a destinação dos recursos de caixa dois, que ele insistentemente classificou de "recursos não-contabilizados".
Delúbio assumiu a responsabilidade pelas transações financeiras não declaradas, ou seja, pelo dinheiro que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza emprestou dos bancos para repassar ao PT.
Ele também isentou o governo, sobretudo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro José Dirceu, de qualquer envolvimento com irregularidades, e negou a existência do "mensalão". Protegido por uma liminar que lhe garantiu o direito de não responder a questões que pudessem lhe auto-incriminar, Delúbio iniciou seu depoimento afirmando aos parlamentares que iria "explicar com clareza" todo o esquema dos empréstimos realizados pelas empresas do publicitário Marcos Valério de Souza em benefício do PT e de partidos aliados.
Porém, o que se ouviu foi uma repetição de negativas e falta de explicação, que irritaram os deputados e senadores. O ex-tesoureiro também se irritava com a insistência nas mesmas perguntas. "Posso ter errado e saberei assumir com honra e dignidade um ato que fiz. Estou disposto a assumir." Em outra ocasião, declarou que "meu partido, se achar que eu estou mentindo, vai me expulsar. Eu sei disso". Anteontem, a Executiva do PT decidiu não desligá-lo da legenda.
Em várias ocasiões, o ex-tesoureiro procurou envolver parlamentares na prática de caixa dois para as eleições, em ameaças veladas, o que só serviu para provocar a ira dos membros da CPI. "O senhor tem de esclarecer quem pegou dinheiro porque senão irá pairar uma dúvida sobre todos e inocentes poderão ser imolados", pediu o relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR).
Mas nada demoveu Delúbio. Toda vez que questionado a respeito, repetia: "Já falei sobre isso ao relator e não tenho nada mais a acrescentar." A resposta que havia dado a Serraglio é que as investigações e a quebra dos sigilos das empresas de Valério mostrarão quem recebeu dinheiro.
Enquanto parlamentares da oposição revezaram-se para acusar Delúbio de "mentiroso", os petistas passaram por uma situação de saia-justa. Os senadores Ideli Salvatti (SC) e Roberto Saturnino (RJ) procuraram se desassociar da prática de caixa dois, . "Não sou nenhum santo. Já andei transitando pelo Conselho de Ética, mas nunca fiz caixa dois. Todo mundo faz é uma ova!", disse Saturnino, que o chamou de "crucificado sorridente".
A deputada Denise Frossard (PPS-RJ) irritou-se com as respostas de Delúbio e perguntou: "O senhor conhece uma prisão brasileira?". Ele preferiu não responder. Afirmou que não é rico, que seu patrimônio declarado é de R$ 163 mil e que sua renda familiar líquida mensal é de aproximadamente R$ 13 mil e que comprou neste ano um carro da marca Toyota Corolla no valor de R$ 71 mil. "Meu patrimônio é até vergonhoso pelas minhas atividades", disse.

"MENSALÃO" -"O PT não paga mesada a parlamentares de nenhum partido, o PT não compra votos para votar nos projetos de interesse do governo", disse Delúbio. Ele afirmou que o relacionamento com o PTB do deputado Roberto Jefferson, que denunciou a suposta existência do "mensalão", era "sadia". "As informações do deputado não procedem e, no momento certo, vamos trabalhar a informação correta."
CAIXA DOIS - O ex-tesoureiro disse que foi procurado por candidatos de seu partido e da base aliada que teriam ficado com dívidas de campanha. Recusou-se a citar os nomes dos envolvidos, alegando que poderia "esquecer alguém e seria injusto", mas esclareceu que os recursos "não-contabilizados" normalmente eram para campanhas majoritárias. Disse que não avisou ninguém da direção do PT. "Vou apresentar o problema à atual Executiva, que vai decidir o que fazer."
EMPRÉSTIMOS - Para quitar as dívidas de campanha "não-contabilizadas", procurou o publicitário Marcos Valério. "Ele se ofereceu e eu concordei." Afirmou que os empréstimos não foram registrados, mas feitos "na base da confiança". Segundo o ex-tesoureiro, ele recorreu a empréstimos de terceiros porque não havia como buscar transações próprias uma vez que as dívidas não estavam declaradas oficialmente.
PT - Delúbio eximiu a executiva do partido da responsabilidade de manter um caixa dois para as campanhas. "Fui eu quem fiz; eu assumo." Ele não explicou, porém, como iria pagar os empréstimos com Valério, calculados em R$ 90 milhões por ele mesmo, uma vez que, segundo Delúbio, não havia contabilização do valor. "Estou diante de um grande problema e preciso resolvê-lo o mais rápido possível", disse, arrancando risos dos parlamentares.
SACADORES - O ex-tesoureiro recusou-se a fornecer os nomes das pessoas que teriam se beneficiado do esquema do caixa dois. "As investigações irão esclarecer os fatos", repetiu. Mesmo quando confrontado com a lista de assessores e parlamentares que retiraram dinheiro das contas de Valério no banco Rural, Delúbio limitou-se a dizer que conhecia apenas três pessoas, mas não disse se participavam do esquema.
ALIADOS - Por várias vezes, o ex-tesoureiro fez questão de afirmar que foi procurado por membros de partidos da base aliada para resolver problemas de recursos de campanha, mas não citou nomes. Sobre o acordo com o PTB, que, segundo Roberto Jefferson (RJ), previa o repasse de R$ 20 milhões, R$ 4 milhões dos quais teriam sido pagos em dinheiro por Marcos Valério, Delúbio assentiu que o PT teve uma "participação" nas campanhas do PTB no ano passado, "mas não da maneira como Jefferson falou".
GOVERNO - Questionado por parlamentares sobre sua proximidade com o governo, participando, inclusive, da viagem oficial que o presidente Lula fez à África, em 2003, Delúbio negou qualquer ingerência. Sobre a viagem, disse que representou o PT. Também participou de viagens nacionais, mas disse que não discutia assuntos financeiros com o presidente.
MARCOS VALÉRIO - Disse que conheceu o publicitário em meados de 2002, apresentado pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). "Ele me foi apresentado como um pessoa correta e digna, que em 1998 tinha ajudado nas campanhas de Aécio Neves para deputado e de Eduardo Azeredo para o governo daquele Estado." O ex-tesoureiro confirmou que se encontrou com o publicitário, na segunda-feira da semana passada, em Belo Horizonte, mas negou que tenha ido combinar a versão apresentada na Procuradoria Geral da República. "Fui tranqüilizá-lo, dizendo que ia procurar a nova direção para honrar essa dívida."
GOLPE - Delúbio repetiu a tese de que há uma tentativa de desestabilizar o governo Lula, mas não quis dizer de onde ela viria. Para comprovar sua teoria, ele deu como exemplo que até aquele momento só tinha respondido duas perguntas relacionadas aos Correios, que é o foco das investigações da CPI. "O governo está sofrendo um ataque violento para desestabilizá-lo." (CHICO DE GOIS, LEILA SUWWAN E FERNANDA KRAKOVICS)

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