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OS CANDIDATOS
Na sua terceira tentativa de conquistar a Presidência, cardiologista defende Estado forte e intervencionista
Campeão da rejeição, Enéas prega moralidade
LUIZ ANTONIO RYFF
da Sucursal do Rio
O cardiologista Enéas Carneiro,
59, cultiva a mística do primeiro
lugar. Gosta de repetir que foi o
melhor aluno em todas as séries
do primário ao ginásio ou que passou em primeiro na Faculdade
Fluminense de Medicina.
Mas, em política, o único primeiro lugar que o presidente do
Partido de Reedificação da Ordem
Nacional (Prona) conquistou até
agora é o de rejeição.
Segundo a última pesquisa Datafolha, realizada em 8 e 9 de julho,
37% dos eleitores não votariam
nele de jeito nenhum para a Presidência. Para cada eleitor seu, há
nove que não votariam nele em hipótese alguma.
A rejeição a seu nome aumentou
quase 30% em relação à última
eleição, em 1994, em sua segunda
tentativa de chegar à Presidência.
Na primeira, em 89, ainda desconhecido, amargou o sétimo lugar, mas tornou famoso o bordão
"Meu nome é Enéas", que encerrava seus 15 segundos no programa eleitoral. Na segunda, deixou
para trás pesos-pesados da política, como Leonel Brizola (PDT) e
Orestes Quércia (PMDB), chegando em terceiro lugar.
Hoje, consegue arrebanhar apenas 4% das intenções de voto. Não
que isso o incomode. Para ele, as
pesquisas são manipuladas.
Levantamento do Datafolha revela que Enéas é visto como alguém inteligente e brilhante.
"Não é um atributo pelo qual eu
tenha mérito nenhum. Foi Deus
quem me deu. É como beleza física. Ninguém tem mérito por ser
bonito", afirma ele, que tem na
leitura seu maior prazer.
Contabiliza "milhares" de livros
lidos e "dezenas de milhares" de
trabalhos científicos em áreas que
vão de estruturalismo, geopolítica
e macroeconomia à lógica, epistemologia e cibernética, passando
por filosofia, paleantropologia e
astrofísica. E medicina, claro.
Os eleitores o classificam como
um político folclórico e cômico.
"Acho perfeitamente normal e
compreensível", diz ele, afirmando que isso acontece toda vez que
surge alguém contrário a um sistema estabelecido.
Para Mauro Francisco Paulino,
gerente de pesquisa de opinião do
Datafolha, "quem vota no Enéas
não faz uma opção de voto, mas
uma opção de protesto".
Seus eleitores estão concentrados na faixa definida pela pesquisa
como "deslocados": de escolaridade alta, mas que não entraram
bem no mercado de trabalho
-têm renda baixa e são mais críticos em relação ao governo. Para
alguns deles, Enéas seguiria um
estilo à la Jânio Quadros -aparenta autoridade, preocupações
morais e usa palavras brilhantes.
E qual a razão de sua taxa de rejeição ter crescido tanto? Entre os
motivos apontados pelos eleitores
está a idéia defendida por Enéas de
fabricar a bomba atômica.
"Por que vamos continuar nos
comportando como meninos no
cenário internacional?", pergunta
Enéas, que vê a bomba como símbolo da maturidade da nação. "A
bomba não é para jogar em ninguém", ressalva. Para ele, com a
arma o país seria mais respeitado.
O respeito à ordem é um dos alicerces de seu pensamento. Enéas
passou oito anos no Exército e admite a sintonia de pensamento
com o espírito da corporação. É
uma chave para a compreensão de
sua figura. "Encontrei no Exército aquilo de que gosto: ordem, respeito, hierarquia e disciplina."
Ele não gosta de ser rotulado de
fascista. Como o líder da extrema-direita francesa, Jean-Marie
Le Pen -com quem costuma ser
comparado à revelia-, Enéas prefere se definir como nacionalista.
Ele admira políticos centralizadores e com excesso de autoridade. Na última vez em que votou
para a Presidência, antes de se
candidatar, ajudou a eleger Jânio
Quadros em 1960 -e se arrependeu. E cita Getúlio Vargas como
"um símbolo da defesa do direito
nacional".
Outra história é demonstrativa
de seu espírito. Quando foi convidado a apitar uma simples pelada,
há algumas décadas, fez questão
de estudar as regras de futebol
"para não fazer feio".
Para o eleitor, os dois escândalos
em que Enéas -ou seu partido-
se envolveu nos últimos quatro
anos contam menos do que a idéia
da bomba atômica.
Às vésperas da eleição de 1994,
foi descoberto que ele pagava a um
médico para fazer seus plantões
no Hospital da Lagoa, no Rio. Assim, ele contava tempo para se
aposentar. Ele reconhece que não
havia "respaldo na lei", mas diz
que a prática "é rotina em tudo
quanto é lugar". "Os diretores
(dos hospitais) sabem disso. É
apenas uma coisa que não está
prevista", afirma.
Mesmo assim, Enéas pediu demissão dos hospitais em que trabalhava. Hoje, ele sobrevive com
aulas particulares sobre eletrocardiograma em São Paulo (às sextas)
e Rio (terças) e com os proventos
de sua editora. Ele tem cerca de
250 alunos em cada cidade em
seus dois cursos semestrais.
Sua editora é parte do outro escândalo. No ano passado, a Folha
noticiou que os candidatos a deputado estadual pelo Prona deviam pagar uma taxa de R$ 7.000.
Eles eram obrigados a comprar
700 exemplares da cartilha do Prona publicada pela editora Enéas
Ferreira Carneiro Ltda. Segundo
Enéas, o dinheiro serve para financiar o partido e seus deslocamentos pelo país. Ele lamenta apenas que o então presidente do Prona em São Paulo, Milton Melfi, tenha intermediado um ágio na
compra da vaga de candidato.
O caso não teria tanta relevância
se não se tratasse do partido de
Enéas. O Prona em si não tem
qualquer expressividade. Em seus
nove anos de existência ainda não
conseguiu ter mais de um deputado federal durante uma legislatura. Não tem governador, prefeito
ou senador. Deputado estadual?
Tem apenas um, o ex-pipoqueiro
Blandino Amaral, no Rio.
Hoje, o deputado federal do Prona é o pastor Paulo De Velasco, secretário mundial da Igreja Universal do Reino de Deus. Católico
"por formação", Enéas jura não
ter nenhum vínculo com a Igreja
Universal e que seu relacionamento com o bispo Edir Macedo se resume a dois contatos telefônicos.
Enéas continua defendendo um
Estado forte e intervencionista.
Lembra que, em 89, escreveu que
defenderia o Brasil da "ventania
neoliberal". Hoje, reconhece que a
ventania virou furacão. Globalização, para ele, é quase um palavrão.
"É um eufemismo para disfarçar
uma coisa chamada pirataria, um
processo de rapinagem."
Ele prega o "rompimento" com
o sistema financeiro internacional. "Vamos pular fora do barco."
Isso pode significar, diz, o calote
da dívida. Desde que seja verificada "uma tentativa de fazer com
que sejamos eternos devedores".
Enéas pretende desvalorizar o real
e trocar a moeda de nome. E privatização? "É uma doação", afirma
Enéas, que promete anular todas.
Ele também prega uma cruzada
moral. É contra o aborto ("arrepia-nos") e diz que vai tirar todas
as crianças das ruas em, no máximo, seis meses. "Se não conseguirmos cumprir o compromisso,
nós renunciaremos todos."
Homossexualismo? "Há colegas
que defendem. Poucos, mas há.
Bem poucos, graças a Deus", diz o
cardiologista, casado e pai de três
filhas. "É um desvio da normalidade. O tubo retal é um depósito
de fezes. Não é um órgão sexual."
Antes da entrevista, Enéas coloca o relógio em cima da mesa para
não perder a hora. Lamenta não
ter mais tempo para nada -isso
inclui música e cinema.
No primeiro caso, diz que,
"quando novo, ouvia os clássicos" e que admira "esse senhor"
Chico Buarque de "A Banda"
-coincidentemente a mesma
música citada pelo ex-presidente
João Baptista Figueiredo. E revela
já ter ouvido, ou visto, o É o Tchan
de Carla Perez. "É um ritmo tão
bonito."
No cinema, reconhece que ainda
não viu "Titanic". "Sendo obrigado a saber o que está acontecendo na Malásia...", se desculpa.
Se a política não lhe tomasse o
tempo, talvez tentasse realizar um
sonho: ter um programa educativo de TV. "Seria uma beleza."
Provavelmente, assim, poderia falar bem mais do que um minuto.
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