São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ INTELLIGENTSIA ÓRFÃ

Palestras sobre o "Silêncio dos Intelectuais", que começam amanhã com Marilena Chaui, põem a crise do PT e de Lula no centro do debate

Ciclo expõe mal-estar e silêncio da academia

DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de entrar, na noite de sexta-feira, na reunião de intelectuais convocada pelo PT, a filósofa e professora titular da USP Marilena Chaui disse mais uma vez à imprensa: "Não falo".
O silêncio de Chaui sobre a crise política pode acabar -ou não- amanhã, quando a filósofa faz a palestra "Intelectual engajado, figura em extinção?", que abre o ciclo de debates chamado, a esta altura ironicamente, de "O Silêncio dos Intelectuais", projeto do Ministério da Cultura organizado por Adauto Novaes e patrocinado pela Petrobras.
São eles próprios, mesmo os historicamente ligados ao PT, que, sem chegar a ocupar os espaços públicos com tentativas de compreensão de maior fôlego da crise, reconhecem haver não só desconforto, mas, de fato, silêncio: "Há muito aborrecimento entre os intelectuais. Há realmente um silêncio", diz o geógrafo Aziz Ab'Saber, que durante a campanha de 2002 fazia parte do grupo de acadêmicos que se reunia regularmente com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Ab'Saber afirma que a ausência de manifestações incomoda não só pela falta de reflexão, mas, mais simplesmente, pela falta de crítica e cobrança daqueles que se mantiveram próximos ao presidente.
"O que me causa surpresa é que os professores universitários, os intelectuais mais conhecidos na comunidade, estão silentes. Não cobram aquilo que lhes foi prometido em muitas ocasiões. Esse silêncio é uma demonstração de muita educação com respeito a Lula mas, ao mesmo tempo, de muita indignação", diz. "Os que permanecem fiéis ao governo são muito poucos. E outros, que querem pensar em alternativas, nunca serão ouvidos."
Para o professor de filosofia da USP Renato Janine Ribeiro, mais que silenciosos, os intelectuais de esquerda estão "constrangidos". "Eles sentem que têm de rever uma série de conceitos, vão ver que toda uma série de valores que defenderam está em crise, que o partido ao qual muitos se vincularam -alguns se filiando, como a Marilena, mas eu não posso falar por ela, e outros que nunca foram filiados, como eu- está em crise. Esses intelectuais têm, de alguma forma, de dizer o que causou os problemas. Não sei se eles têm, necessariamente, de dizer algo... De qualquer forma, há problemas", diz. "Até ter uma apuração cabal de tudo, é muito difícil dizer o que causou a crise."
Ab'Saber não participa do ciclo de debates, mas Janine, como Chaui, sim. "O Intelectual e o Cientista" será o tema do professor de filosofia da USP.
Já o diplomata e cientista político Sérgio Paulo Rouanet falará sobre o tema "A Crise dos Universais", enquanto o sociólogo Francisco de Oliveira, fundador do PT, rompido com o partido desde 2003, falará sobre intelectuais, marxismo e política. O jornalista e colunista da Folha Marcelo Coelho fará a conferência "Contra as Paixões Políticas".

Diagnóstico
Na noite de sexta, o presidente do PT, Tarso Genro, se encontrou com um grupo de intelectuais na Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, convocados por ele para discutir a crise e o futuro do PT.
Significativamente, a manifestação pública de Tarso, em que se fez porta-voz dos intelectuais, foi a mais severa com o próprio partido. O presidente do PT afirmou que o diagnóstico coletivo era de que "o partido, principalmente depois da chegada de Lula ao governo, interditou o debate".
Em sintonia com Tarso, Ab'Saber disse à Folha que "os intelectuais foram marginalizados desde o início" do governo. O crítico literário Alfredo Bosi, um dos cerca de 30 intelectuais que atenderam ao chamado do partido na sexta, disse, no entanto, que ainda há "um fio de esperança".
"Foi uma reunião sem violência, mas com extrema severidade em relação ao partido, ao governo. Se houve uma conclusão -e me parece ser a posição do presidente [Tarso Genro]-, é de aprofundar essas discussões, essas reuniões, sempre na esperança de refundar o partido", disse.
Depois do encontro -do qual participaram também, entre outros, a crítica literária Walnice Nogueira Galvão, o economista Paul Singer e os sociólogos Lúcio Kowarik, Amélia Cohn e Gabriel Cohn- Tarso fez uma promessa pública ao grupo: "Vamos reincorporar a intelectualidade brasileira na reelaboração do nosso projeto estratégico".
Apesar de "silêncio dos intelectuais" ecoar imediatamente a atual crise do governo Lula, Adauto Novaes diz que os debates começaram a ser pensados há pelo menos um ano.
O tema, afirma, vai além das vicissitudes do Brasil e da política brasileira. Relaciona-se com uma crise do pensamento e da identidade do intelectual como protagonista do debate público: "A questão é superior e anterior à crise. É um fenômeno brasileiro e mundial. Queremos perguntar por que os intelectuais saíram de cena", afirma.
Os motivos do recolhimento também serão abordados nos debates. A omissão ou a conivência da intelectualidade de esquerda diante de atrocidades e genocídios cometidos em nome do comunismo e de utopias coletivistas ao longo do século 20 é certamente um dos temas centrais do debate. Novaes ainda enumera outros: "A crise dos valores universais, o relativismo dominando o cenário social, cultural e político, onde tudo se equivale".
No caso atual, no entanto, é do PT que se trata. E, apesar de a intelectualidade ter sido uma das vertentes que constituíram o partido, a intelligentsia sempre teve uma face pública preponderante no partido: a de Marilena Chaui. Quando se fala em ausência de discussão hoje é em grande medida do silêncio de Chaui que se trata. Pode acabar amanhã.


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