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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ INTELLIGENTSIA ÓRFÃ
Palestras sobre o "Silêncio dos Intelectuais", que começam amanhã com Marilena Chaui, põem a crise do PT e de Lula no centro do debate
Ciclo expõe mal-estar e silêncio da academia
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes de entrar, na noite de sexta-feira, na reunião de intelectuais
convocada pelo PT, a filósofa e
professora titular da USP Marilena Chaui disse mais uma vez à imprensa: "Não falo".
O silêncio de Chaui sobre a crise
política pode acabar -ou não-
amanhã, quando a filósofa faz a
palestra "Intelectual engajado, figura em extinção?", que abre o ciclo de debates chamado, a esta altura ironicamente, de "O Silêncio
dos Intelectuais", projeto do Ministério da Cultura organizado
por Adauto Novaes e patrocinado
pela Petrobras.
São eles próprios, mesmo os
historicamente ligados ao PT,
que, sem chegar a ocupar os espaços públicos com tentativas de
compreensão de maior fôlego da
crise, reconhecem haver não só
desconforto, mas, de fato, silêncio: "Há muito aborrecimento entre os intelectuais. Há realmente
um silêncio", diz o geógrafo Aziz
Ab'Saber, que durante a campanha de 2002 fazia parte do grupo
de acadêmicos que se reunia regularmente com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Ab'Saber afirma que a ausência
de manifestações incomoda não
só pela falta de reflexão, mas, mais
simplesmente, pela falta de crítica
e cobrança daqueles que se mantiveram próximos ao presidente.
"O que me causa surpresa é que
os professores universitários, os
intelectuais mais conhecidos na
comunidade, estão silentes. Não
cobram aquilo que lhes foi prometido em muitas ocasiões. Esse
silêncio é uma demonstração de
muita educação com respeito a
Lula mas, ao mesmo tempo, de
muita indignação", diz. "Os que
permanecem fiéis ao governo são
muito poucos. E outros, que querem pensar em alternativas, nunca serão ouvidos."
Para o professor de filosofia da
USP Renato Janine Ribeiro, mais
que silenciosos, os intelectuais de
esquerda estão "constrangidos".
"Eles sentem que têm de rever
uma série de conceitos, vão ver
que toda uma série de valores que
defenderam está em crise, que o
partido ao qual muitos se vincularam -alguns se filiando, como a
Marilena, mas eu não posso falar
por ela, e outros que nunca foram
filiados, como eu- está em crise.
Esses intelectuais têm, de alguma
forma, de dizer o que causou os
problemas. Não sei se eles têm,
necessariamente, de dizer algo...
De qualquer forma, há problemas", diz. "Até ter uma apuração
cabal de tudo, é muito difícil dizer
o que causou a crise."
Ab'Saber não participa do ciclo
de debates, mas Janine, como
Chaui, sim. "O Intelectual e o
Cientista" será o tema do professor de filosofia da USP.
Já o diplomata e cientista político Sérgio Paulo Rouanet falará sobre o tema "A Crise dos Universais", enquanto o sociólogo Francisco de Oliveira, fundador do PT,
rompido com o partido desde
2003, falará sobre intelectuais,
marxismo e política. O jornalista e
colunista da Folha Marcelo Coelho fará a conferência "Contra as
Paixões Políticas".
Diagnóstico
Na noite de sexta, o presidente
do PT, Tarso Genro, se encontrou
com um grupo de intelectuais na
Fundação Perseu Abramo, em
São Paulo, convocados por ele para discutir a crise e o futuro do PT.
Significativamente, a manifestação pública de Tarso, em que se
fez porta-voz dos intelectuais, foi
a mais severa com o próprio partido. O presidente do PT afirmou
que o diagnóstico coletivo era de
que "o partido, principalmente
depois da chegada de Lula ao governo, interditou o debate".
Em sintonia com Tarso, Ab'Saber disse à Folha que "os intelectuais foram marginalizados desde
o início" do governo. O crítico literário Alfredo Bosi, um dos cerca
de 30 intelectuais que atenderam
ao chamado do partido na sexta,
disse, no entanto, que ainda há
"um fio de esperança".
"Foi uma reunião sem violência, mas com extrema severidade
em relação ao partido, ao governo. Se houve uma conclusão -e
me parece ser a posição do presidente [Tarso Genro]-, é de aprofundar essas discussões, essas
reuniões, sempre na esperança de
refundar o partido", disse.
Depois do encontro -do qual
participaram também, entre outros, a crítica literária Walnice
Nogueira Galvão, o economista
Paul Singer e os sociólogos Lúcio
Kowarik, Amélia Cohn e Gabriel
Cohn- Tarso fez uma promessa
pública ao grupo: "Vamos reincorporar a intelectualidade brasileira na reelaboração do nosso
projeto estratégico".
Apesar de "silêncio dos intelectuais" ecoar imediatamente a
atual crise do governo Lula,
Adauto Novaes diz que os debates
começaram a ser pensados há pelo menos um ano.
O tema, afirma, vai além das vicissitudes do Brasil e da política
brasileira. Relaciona-se com uma
crise do pensamento e da identidade do intelectual como protagonista do debate público: "A
questão é superior e anterior à crise. É um fenômeno brasileiro e
mundial. Queremos perguntar
por que os intelectuais saíram de
cena", afirma.
Os motivos do recolhimento
também serão abordados nos debates. A omissão ou a conivência
da intelectualidade de esquerda
diante de atrocidades e genocídios cometidos em nome do comunismo e de utopias coletivistas
ao longo do século 20 é certamente um dos temas centrais do debate. Novaes ainda enumera outros:
"A crise dos valores universais, o
relativismo dominando o cenário
social, cultural e político, onde tudo se equivale".
No caso atual, no entanto, é do
PT que se trata. E, apesar de a intelectualidade ter sido uma das vertentes que constituíram o partido,
a intelligentsia sempre teve uma
face pública preponderante no
partido: a de Marilena Chaui.
Quando se fala em ausência de
discussão hoje é em grande medida do silêncio de Chaui que se trata. Pode acabar amanhã.
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