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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ENTREVISTA
Para o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, oposição agora quer "sangrar" presidente; ele prevê um "racha" no PT
"Oposição perdeu a hora do golpe branco"
É uma retórica de jagunço sangrar o governo, sangrar o presidente da República
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Não vejo denominador comum [no PT]. Estou vendo um racha de cabo a rabo: na política partidária
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Bel Pedrosa - 12.abr.2002/Folha Imagem
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Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político do Iuperj |
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
A oposição deixou passar "a hora do golpe branco". PSDB e PFL
refizeram os cálculos e avaliam,
agora, que é melhor "sangrar o
governo, sangrar o presidente da
República" do que partir para
uma tentativa de impedimento de
Luiz Inácio Lula da Silva.
A opinião é do cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos, professor do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro). Em meados de junho,
ainda no começo da crise, Santos
provocou polêmica ao afirmar,
em sua coluna no jornal "Valor
Econômico", que, a julgar pelo
comportamento de tucanos e pefelistas, o "novo lacerdismo" havia "se mudado para São Paulo": a
oposição preparava um "golpe
branco" contra o governo.
Agora, diz o professor, a situação mudou. "Já passou a hora do
golpe branco, sim. E isso cria um
problema complicado, porque,
agora, se houver motivos jurídicos e políticos razoáveis que comprovem a participação ou conivência do presidente nesses episódios, ele tem de sair. E aí, quem
não quer mais isso é a oposição."
Para ele, na arena nacional, o PFL
não passa de um "partido laranja"
do PSDB.
Quanto ao PT, Santos vê o partido caminhar para um racha. O
professor não enxerga possibilidade de um "denominador comum" no confronto entre a ala
esquerda, crítica do governo, e a
ala que apóia o governo, mas que
tem integrantes no centro do escândalo do "mensalão".
O autor de "A Democracia e seu
Futuro no Brasil" (2001) avalia essa desmontagem do PT como um
retrocesso político brasileiro, que
pode dar mais espaço a discursos
"populistas demagógicos": "Se isso vier a acontecer, será o grande
ilícito que a antiga cúpula dirigente do PT terá praticado".
Santos ainda criticou o oportunismo de uma reforma política
neste momento, atacou o que
classificou de "omissão" de intelectuais e questionou o papel da
imprensa.
A seguir, trechos da entrevista
concedida à Folha, por telefone,
na última quinta-feira.
Folha - O sr. disse enxergar movimentação para um "golpe branco"
da oposição. A estratégia ainda está em curso?
Wanderley Guilherme dos Santos
- Fico espantado com a dúvida
das pessoas sobre esse assunto,
quando ele passou a ser um tópico banal. Basta ver que o que passou a ser discutido todos os dias
no começo da crise eram os cálculos da oposição para saber se,
quando e como promoveriam o
impedimento do presidente.
Quem falou em impedimento
foi o ex-presidente Fernando
Henrique. Ora, um pedido de impedimento com base no que havia... O que havia era a descoberta
de uma transação corrupta dentro dos Correios, mais nada.
A representação tendo em vista
o impedimento aparece inteiramente descolada de qualquer argumento em relação aos motivos
comprovados que justifiquem o
pedido de impedimento. Aparece, isto sim, como discussão em
torno da oportunidade.
Ou seja, a discussão não é se há
motivos para o impedimento,
mas se, considerando o sucessor,
o impedimento deve ser promovido. O que é isso? Estão discutindo de forma precipitada o afastamento do presidente. Se é precipitado, significa que não tem base. E
isso se chama golpe.
Folha - Mas parece que a oportunidade para pedir o impedimento
já apareceu e a oposição não levou
isso adiante...
Santos - Já apareceu, sim. A colocação é muito interessante, porque golpe branco ou você dá em
48 horas ou, então, não dá mais.
O que ficou claro é que houve a
tentativa imediata de tirar o presidente nos primeiros dias da crise.
Depois, com o passar dos tempos
é que perceberam o que significaria tirar Lula, com todas as conseqüências políticas.
Já passou a hora do golpe branco, sim. E isso cria um problema
complicado, porque, agora, se
houver e se aparecerem motivos
jurídicos e políticos razoáveis que
comprovem a participação ou conivência do presidente da República em todos esses episódios, ele
tem de sair. E aí quem não quer
mais isso é a oposição.
Folha - Por quê?
Santos - Há duas formas de esterilizar um governo. Uma é o impedimento. A outra é a que a oposição vem usando,
impedindo o governo de governar. Isso vem sendo chamado pelo
nome "gentil" de
sangrar o governo. É uma retórica
de jagunço, sangrar o governo,
sangrar o presidente da República.
Folha - O sr. vê
uma "conspiração das elites" contra Lula?
Santos - No século 20, a linguagem educada esteve e está até hoje
muito influenciada pelo marxismo e pela psicanálise. Assim,
quando se fala em elite, imediatamente, as pessoas educadas pensam em elite econômica, que é a
forma primária ou o marxismo
primário ou vulgar. Pensam em
elite econômica e ficam sem saber
como explicar se, afinal de contas,
as elites econômicas estão favoráveis ao governo. E não sabem sair
desse círculo de giz.
Esses comentaristas, por causa
disso, ficam extremamente incapacitados de perceber algo que está acontecendo e que é raro ver
dessa maneira, que é a luta pelo
poder nua e crua. Trata-se de disputa por poder. Quem não enxerga isso perde a oportunidade de
ver essa disputa, as estratégias que
são utilizadas, as manobras.
Folha - E que papel joga o PFL
nessa crise?
Santos - Uma outra coisa que,
para mim, ficou revelada, foi que,
no plano do poder nacional, o
PFL é um partido
laranja do PSDB.
O PFL é um partido autônomo nos
planos estaduais,
mas no plano nacional não tem
projeto autônomo e é liderado
pelo PSDB.
Folha - O sr. concorda com a opinião segundo a
qual o nosso sistema político, com o presidencialismo de coalizão, seria o responsável
pela crise?
Santos - Não concordo. A responsável pela crise é uma luta de
poder. E só. O que houve foi a utilização de um bolsão de corrupção como arma para atacar o governo. Fosse qual fosse o sistema
político. Até porque o parlamentarismo existente no mundo democrático é de coalizão.
Folha - O que o sr. pensa sobre as
propostas de reforma política?
Santos - Em um momento como
esse, surgem predadores de todo
tipo. Não sei se alguma delas vai
ter sucesso, mas eu não posso tomar isso como uma discussão fora do contexto em que é apresentada. No contexto atual, são predadores. Se é solução para alguma
coisa? Não é. O que está em pauta
é o esquema de corrupção que
tem de ser investigado com a extensão dele.
Folha - Qual prejuízo que uma reforma agora pode trazer?
Santos - Uma das conseqüências
ruins é o reforço da tradição bacharelesca brasileira de elaborar
leis draconianas
na suposição de
que, se você torná-las mais duras,
conseguiria impedir os crimes políticos. Por exemplo, querer proibir
chaveirinho é de
um ridículo atroz.
O que fica implícito nisso é simplesmente o potencial de enriquecimento de um outro grupo
de predadores da vida político-social brasileira, que é a corporação dos advogados. O resultado
dessa legislação perfeccionista é
que se pagam advogados a peso
de ouro para ensinar como fraudar e a quilos de ouro para fazer a
defesa de quem é pego fraudando.
Folha - Como o sr. avalia o comportamento da imprensa na crise?
Santos - O que está em jogo é o
seguinte: como é que o sr. Roberto Jefferson conseguiu obter a
projeção que obteve e levar durante muito tempo a CPI dos Correios pelo "narizinho"? Por que
ele conseguiu isso? Porque ele estava falando a verdade? Não. Porque interessava ao PSDB e ao PFL.
Só por isso. Achar que é porque
ele estava falando uma coisa que
chocava... Se fosse só isso, não dava. Se não desse no "Jornal Nacional", não acontecia tudo isso. E,
para dar no "Jornal Nacional",
tem que interessar ao PSDB e ao
PFL. Por exemplo, não foi suficiente o editorial da Folha [no
episódio da compra de votos para
a provação da emenda da reeleição de FHC, em 1997] para criar
um escândalo.
Folha - E por que foi diferente no
caso de Jefferson?
Santos - Porque é do interesse
das Organizações Globo. Isso é
um outro tema. Quando digo imprensa, eu quero me referir implicitamente às Organizações Globo,
que são um problema dentro do
processo político brasileiro.
O "Jornal Nacional" tem a emoção da opinião pública brasileira
sob controle. Durante o mês passado, as ansiedades, expectativas
e angústias eram geradas pela
dramaturgia do "Jornal Nacional". Ele tem controle sobre a
temperatura da emoção. Isso não
é algo que deva ser considerado
normal em uma democracia.
O que acontece é que, em países
como o Brasil, a imprensa é um
ator político relevantíssimo. Sua
moeda é justamente ter poder sobre a emoção da opinião pública.
Para que serve esse poder? Para
obter conformidade de governo.
Folha - E o comportamento dos
intelectuais? Eles devem participar
do debate na imprensa?
Santos - O papel dos intelectuais
é oferecer suas análises. Mas o espetáculo que eles deram agora, os
poucos que se manifestaram, a
convite, para dizer que não havia
golpe, foi triste. A
análise deles é primária, são incompetentes. A maioria dos intelectuais que se manifestaram foi de
uma pobreza
franciscana.
Não sabem o
que está acontecendo e ficam dizendo bobagens.
Se você prestar
atenção, os intelectuais que falam
sobre política só têm opinião do
senso comum.
Só que eles manifestam o senso
comum com uma linguagem e
uma pomposidade que parece
que eles estão ensinando alguma
coisa que valha a pena.
Eles não estão tendo nenhuma
influência nesse momento. Não
estão tendo nenhum papel. Estão
omissos. O que dizem não tem a
menor repercussão. Não tem nenhum impacto.
Folha - Qual a avaliação que o sr.
faz do momento que vive o PT?
Santos - A origem dos problemas atuais foi essa, segundo o
diagnóstico do próprio PT. Seu
funcionamento interno foi maculado e só porque foi maculado é
que aconteceram as coisas que até
agora aconteceram.
Portanto, e isso é importante, os
ilícitos que ocorreram não resultaram do funcionamento normal
do PT, mas, justamente, de uma
violação das normas legais de
funcionamento interno. Pelo que
tem aparecido nos jornais, há
duas linhas principais de concepção que o PT pode seguir.
Uma entende que o que ocorreu
foi uma violação do modo normal
de o partido operar. Esse é o diagnóstico da nova direção. Por todas as declarações que tenho lido,
sobretudo do Tarso, ele considera
que a "regeneração" do partido
depende de uma ascensão de tendências bem à esquerda do que vinha sendo a direção. Por quê?
Porque elas teriam uma opinião
apropriada do partido em relação
ao governo, ou seja, se contrapondo a algumas políticas.
Discordo. Neste momento, a visão de Tarso escapole para uma
avaliação que vai ajudar a inviabilizar o PT como partido, pelo menos integrado como até agora.
Do outro lado, aqueles que acho
que têm a perspectiva correta do
partido em relação ao governo,
que é de apoio, são as pessoas, pelo menos as que tem aparecido,
que são apontadas como responsáveis pelos desvios de administração. E vejo que, se se preservar
esses que violaram a democracia
interna, também se levará a impasses de difícil superação.
Folha - O partido caminha para
um racha?
Santos - Acho que sim. Temo
que sim. É com isso que eu estou
preocupado, porque eu acho que
os dois campos principais que se
defrontam agora criam linhas de
clivagem. Não vejo denominador
comum. Estou vendo um racha
de cabo a rabo: na política em sentido partidário, na política mais
ampla, na política econômica...
Folha- Qual a conseqüência de
uma eventual desagregação?
Santos - Estou preocupado com
o PT como instituição. Por conseqüência, com o PT como uma força capaz de incorporar camadas
muito amplas da população na vida política. É um partido com capacidade de agregar setores mais
pobres da sociedade, que não estariam ligados à política, e que foram incorporados por uma adesão pelo menos simpática ao PT.
Essa participação ampliada é
importante para a democracia. Isso pode abrir campo para populismos demagógicos, na ausência
de um partido mais disciplinado e
mais ideologizado.
Folha - E isso seria um certo retrocesso no amadurecimento político
brasileiro?
Santos - Sem dúvida nenhuma.
Se isso vier a acontecer, será o
grande ilícito que a [antiga] cúpula dirigente do PT terá praticado.
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