São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PT X PT

Petista histórico, pré-candidato ao governo do Rio diz que partido escolheu modelo Santo André e isso levou à corrupção

Palmeira critica "tecnocratização" do PT

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Ícone da esquerda do PT, Vladimir Palmeira, 60, pré-candidato ao governo do Rio, defende a renúncia imediata de todos os deputados petistas que receberam recursos das empresas de Marcos Valério e a proibição de que eles usem a legenda para se reeleger.
Ele fez análise sobre os erros do PT, "que se transformou num partido como os outros", e diz que a tecnocratização imposta por São Paulo se sobrepôs a modelos democráticos de administração, como o de Porto Alegre. Para ele, o caso de Santo André foi emblemático. "Aquele era o modelo de tecnocratização que foi imposto à maioria de nossas prefeituras. Deu no que deu."
Palmeira foi vítima da atuação do Campo Majoritário no PT quando, em 1998, por imposição da direção nacional, teve que desistir de sua candidatura ao governo do Estado para que Benedita da Silva fosse vice de Anthony Garotinho, então no PDT.
Leia trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - O senhor está voltando ativamente ao PT no momento em que o partido passa pela maior crise de sua história. Não é uma hora ingrata?
Vladimir Palmeira
- É verdade, mas nada para a gente foi fácil. Quando meu nome foi lançado, não havia crise. Me procuraram porque o campo majoritário não tinha alternativas aqui no Rio de Janeiro e eles mesmo sentiam necessidade de uma candidatura de militância. Tínhamos uma estratégia de campanha traçada para o Rio com o cenário de que a oposição iria derrotar o Garotinho lembrando casos de corrupção. Dois meses depois disso, no entanto, o Garotinho escrevia artigos denunciando corrupção.
O problema foi que o PT vem perdendo sua característica democrática e sua base popular. Foi se transformando num partido igual aos outros, composto só de prefeitos, deputados e vereadores.

Folha - Quando ficou claro que o PT estava mudando?
Palmeira
- Na década de 90, ficou claro que a grande divisão do partido não era entre tendências. Era a divisão entre uma concepção democrática e outra tecnocrática. Porto Alegre foi símbolo de uma prefeitura com essa visão democrática, enquanto Santo André era o modelo da tecnocrática. Foi em Santo André que se traduziu esse afastamento do partido das bases, que se deu menos importância à fiscalização e abandonou-se a questão do orçamento participativo, das eleições diretas para diretores de escolas ou hospitais.
Sempre defendi o modelo Porto Alegre, mas acho que a maioria das nossas prefeituras seguiu o modelo de Santo André. Quando você se afasta da massa, passa a ser um partido de parlamentares e funcionários. Esse foi um modelo de centralização do partido imposto a partir de São Paulo.

Folha - Por José Dirceu?
Palmeira
- Não dá para dizer que foi uma pessoa apenas. Essa foi a política também do Lula, que foi presidente do partido. Mas isso não se faz sozinho, mas com um imenso coletivo. Deu no que deu. A prefeitura modelo de Santo André acabou envolvida, no mínimo, em corrupção.

Folha - O que o partido deve fazer para sair da crise?
Palmeira
- Ou o partido faz esse movimento concreto de refundação, além das declarações do [presidente do PT] Tarso Genro, ou será sangrado e perderá a legitimidade. O problema é que a base do partido está cansada de palavras e o PT desde o início da crise tentou impedir a apuração. Só há refundação do partido se ele punir quem já tem provas materiais de corrupção. Se não punir logo, vai ficar ultrapassado pelos acontecimentos. Pode sobreviver como sigla, mas não como partido que disputa a hegemonia do país.

Folha - Contra quem já há provas concretas?
Palmeira
- Contra o Delúbio [Soares] e o Sílvio [Pereira], por exemplo, há provas concretas. Acho que há também contra quem recebeu dinheiro. Já há comprovação de caixa dois e isso é ilegal. Nossos deputados deveriam renunciar imediatamente sem direito a se candidatar no próximo ano.

Folha - O impeachment de Lula é inevitável?
Palmeira
- É uma possibilidade, mas se deve exigir da oposição que se atenha a provas. Há um processo em apuração e é ainda muito partidarizado pedir o impeachment hoje porque não há provas contra o presidente.

Folha - Mas não é de se supor que ele sabia de tudo, já que esse grupo que está sendo acusado agora sempre foi o dele?
Palmeira
- Não se pode fazer um impeachment por suposição. Se formos pensar assim, diríamos que é lógico que a maior parte do Congresso usa caixa dois, mas eu não posso cassar a maioria do Congresso sem que sejam apresentadas provas.


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