São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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Nomes históricos do PT dizem que Lula reduziu o partido

Para desertores, PT vive a reboque do presidente; apoiador diz que crise mostra vivacidade do partido

ANA FLOR
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Fundadores ou apoiadores do PT no início dos anos 80 ouvidos ontem pela Folha avaliam que o episódio de anteontem no Senado -quando a bancada partidária, por orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajudou a arquivar denúncias contra José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética- reforçam a noção de que o presidente "reduziu" o PT. Alguns do entrevistados, após desacordos com a direção do PT ou com Lula, deixaram a sigla entre os anos 80 e 90. O filósofo da USP Wolfgang Leo Maar, que segue apoiando Lula, foi a voz dissonante, ao dizer que o PT "incomoda".

AIRTON SOARES , advogado e ex-deputado federal, deixou a liderança e a sigla em 1984 por querer votar no Colégio Eleitoral em favor de Tancredo Neves (do qual Sarney era vice), contra a candidatura de Paulo Maluf: "O partido não precisava ter chegado a esse ponto em nome da governabilidade. Mas o equívoco não está aí. Está em existir um governo de coalizão sem um programa. O que existe é um emaranhado de partidos que, à custa não se sabe do quê, decide apoiar projetos do governo. (...) Hoje o partido se confunde com o exercício da Presidência pelo Lula. A popularidade e o prestígio de Lula fazem com que ele seja maior que o partido e, sendo maior que o partido, as confusões se estabelecem".

FRANCISCO DE OLIVEIRA , sociólogo e fundador do PT: "A relação da crise atual com as anteriores é a mesma: o Lula tornou-se maior que o partido e o partido vive a reboque do presidente. Impõe o estilo autoritário que é próprio do Lula e foi escondido devido ao fato de que era um prestigioso líder sindical em oposição à ditadura. Lula é muito autoritário, arrasou o PT, fez do partido trampolim para suas alianças políticas espúrias. [A tese da governabilidade] é um velho argumento conservador. Todos no Brasil que preferem manter o status quo usam o argumento da governabilidade".

CESAR BENJAMIN , editor da editora "Contraponto" e ex-candidato a vice-presidente em 2006 pelo PSOL, do qual já se desfiliou, saiu do PT em 1995: "O fato mais significativo da política brasileira no último período foi a absorção do PT pelo establishment político. (...) O que nós percebemos nesses últimos anos é que o PT e o Lula não lutavam para mudar o Brasil, lutavam para entrar no condomínio de poder. (...) Os militares fecharam o Congresso fisicamente. Lula fechou o Congresso de outra maneira, de um lado, inundando o Congresso com medidas provisórias que trancam a pauta e, de outro lado, generalizando o fisiologismo de uma forma que o Congresso deixou de existir como tal. (...) Minha maior crítica ao presidente Lula não é nem à política econômica, mas é seu papel profundamente deseducativo e desmobilizador. É equívoco dizer que Lula é obrigado a fazer concessões. Quando ele entrega o sistema elétrico a Sarney -hoje uma capitania de Sarney-, ele não se sente fazendo concessão, ele se sente fazendo política".

PAULO DE TARSO VENCESLAU , economista e fundador do PT, deixou-o em 1998 após fazer denúncias sobre irregularidades na contratação da empresa CPEM, que envolveu o compadre de Lula, Roberto Teixeira: "O grande conflito no PT vai se dar no momento em que Lula perder a caneta. (...) Quem serão os sucessores de Lula? Se é que isso existe, pois o Lula não admite nenhuma sombra. [Em 2011] o mundo petista vai acordar e o Lula não terá o poder que tem hoje. E se entrar alguém no PT querendo fazer algum acerto histórico nos seus valores, nos princípios, pelos quais foi criado, aí o Lula perderá o espaço dele. Já tem um monte de militantes do MST chamando Lula de "traidor'".

MARIA RITA KEHL , psicanalista e simpatizante do partido: "Eu brincava, em 2006, que o Lula devia ser candidato à reeleição, mas pelo PMDB. Eu votaria nele, mas o campo ficaria mais claro. Hoje o PT está destruído, não tem nem candidato próprio em São Paulo, cidade em que surgiu, e o Lula é um presidente pelo PMDB".

WOLFGANG LEO MAAR , filósofo, professor da USP ligado ao PT: "Para além da discussão da governabilidade ou das candidaturas, o que está ficando claro é que o alvo é o PT como tal. Porque há uma crise que é da política brasileira institucionalizada e o PT representa ainda até hoje -e é por isso que ele incomoda- um projeto de participação popular que não foi alcançado por nenhum outro partido. Por isso, sempre que a oportunidade surge, o PT é discutido tendo em vista seu potencial "enfraquecimento". Que exista uma crise na realização efetiva do projeto do PT, na relação entre representantes e representados, nas formas da participação popular, não é necessariamente ruim; muito ao contrário, pode ser demonstração de vivacidade criativa".

 

A Folha também procurou a filósofa Olgária Matos, o crítico literário Roberto Schwarz, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e as ex-deputadas Bete Mendes e Irma Passoni, que preferiram não se manifestar.


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