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CÂMARA
Ex-motorista acusa deputado de quebrar acerto para dividir recurso destinado a despesas; gravação atesta acordo
Enéas é acusado de embolsar verba de custeio
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma gravação, dois cheques,
uma carta, o carnê de prestações
de um automóvel Blazer e uma
apólice de seguros. Juntos, os documentos mostram como Enéas
Carneiro (Prona-SP), o deputado
mais votado do Brasil, firmou,
com recursos da Câmara Federal,
um contrato de R$ 3.000 -depois reduzido para R$ 2.600-
mensais pelo aluguel de uma Blazer com Levy da Costa Peres, seu
motorista.
O dinheiro saiu da verba destinada pela Câmara para o custeio
de despesas parlamentares. Um
recurso que o deputado utiliza livremente, mediante comprovação dos gastos. A idéia de Enéas e
seu motorista era dividir meio a
meio a quantia.
Peres entregaria ao deputado
um recibo da suposta despesa, como se a tivesse recebido integralmente. Com a sua parte, pagaria
as prestações da Blazer (R$ 1.200
mensais), em 24 parcelas. Segundo o motorista, os recibos foram
emitidos. Mas Enéas atrasou os
repasses que lhe teria prometido
e, devido a desavenças com funcionários de seu gabinete, dispensou o motorista.
Inconformado, Peres, lotado
como secretário parlamentar do
deputado no mês de junho (R$
2.587 de salário), encaminhou
uma carta aos cinco deputados
que compõem a bancada do Prona. Informa que seu antigo chefe
estaria lhe devendo R$ 14.600.
O suposto débito refere-se a aluguéis da Blazer (cobrados integralmente), multas e despesas
pessoais de Enéas, presidente do
Prona, como "fotos tiradas no
plenário" (R$ 28) e até um "jogo
de panelas para a residência" do
deputado em Brasília (R$ 195).
No texto da carta, entre ameaças, Peres afirma possuir "várias
provas escritas e gravadas". A Folha obteve parte das gravações.
Deu-se no aeroporto de Brasília.
Para negociar a dívida, Enéas reuniu-se com Peres. Estava acompanhado da advogada Ivete Maria
Ribeiro. O diálogo foi em julho.
Na conversa, acertaram a liquidação da dívida com dois cheques
de R$ 6.000, do Banco do Brasil.
Nos diálogos gravados há falas
inaudíveis. Os trechos audíveis
deixam claro, porém, que Peres
aceita os termos da negociação.
Como ele só poderia depositar os
cheques dias depois, pediu garantias. E Enéas: "Eu cubro... [com] a
minha palavra de honra".
No início da conversa Peres disse que "dava um presente pra ele
[Enéas] todo mês". Ele retruca:
"Presente, se alguém dá, sou eu,
que eu alugo um carro por 12 dias
pagando R$ 3.000". Enéas reclama de que "o acordo de cavalheiros não era exatamente esse", pois
Peres estava lhe cobrava o valor
integral do aluguel da Blazer.
A gravação tem uma hora. Conforme a análise do perito Ricardo
Molina, realizada a pedido da Folha, a fita é autêntica. "Não há
montagem", atesta Molina.
Sozinha, a gravação sugere, como afirma o próprio Enéas, a
existência do "acordo de cavalheiros" que uniu o deputado ao motorista Peres. Associado a documentos obtidos pela Folha, o conteúdo é robustecido. São cópias
de dois cheques, o contrato de
aluguel do carro e a carta enviada
aos deputados do Prona.
Os cheques, assinados pela advogada Ivete Maria Ribeiro, foram recebidos por Peres.
A Blazer que compõe o contencioso entre Enéas e Costa Peres é
modelo executivo, ano 1997 e foi
financiada em nome da mulher
do motorista, Marli Gomes Peres.
Há um seguro total do veículo em
nome de Enéas, indicando como
"estipulante" a Câmara.
Peres é segundo sargento da Polícia Militar do DF. Disse à Folha
que foi cedido à Câmara a pedido
de Enéas. Negou ter feito ameaças. "Só disse a ele que as injustiças que ele estava fazendo poderiam tirá-lo da Câmara por falta
de decoro." Explicou que "injustiças" seriam não repassar a ele R$
1.500 mensais do aluguel da Blazer pagos pela Câmara.
Além dos acertos sobre o aluguel do automóvel, Enéas e Peres
conversam na gravação sobre a
desavença que teria levado à demissão do motorista. Peres se desentendeu com o chefe de gabinete de Enéas, Aryone Franco.
Enéas, que chegou pela primeira vez à Câmara como o deputado
mais votado do Brasil (1.573.642
votos), não quis dar entrevista.
"Eu quero, tenho o direito de não
falar. Pode ser?" O mesmo fez a
advogada Ivete Ribeiro.
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