São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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entrevista

"Não sou aloprado", diz ex-integrante de campanha petista

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-chefe do núcleo de inteligência da campanha nacional do PT, Jorge Lorenzetti, 56, afirma que nunca foi o "churrasqueiro de Lula" nem é um "aloprado". Dois anos depois do dossiegate, diz ter mágoa da imprensa e de parte do PT e decepção com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não com o governo de Lula, que eu aprovo, mas pelo uso da palavra aloprado. Eu não sou um aloprado." No relatório final, a Polícia Federal descreveu Lorenzetti como o "centralizador" da negociação do material contra o PSDB. "Eu nunca participei nem autorizei a compra de dossiê." Leia trechos da entrevista concedida por telefone.

 

FOLHA - Que avaliação o senhor faz do dossiegate?
JORGE LORENZETTI
- Foi uma situação de muita injustiça contra mim. Pela divulgação feita à época, era como se eu tivesse participado de uma falsificação de documentos, da montagem de um dossiê. Depois que a PF apreendeu o material e o periciou, constatou que não houve nada disso, ou seja, o que nós tínhamos era verdadeiro.

FOLHA - Qual foi a participação do senhor nesse caso?
LORENZETTI
- Durante a eleição, meu papel era analisar todo material que chegasse ao partido, proteger a campanha. Um dia, o comitê eleitoral fez contato comigo dizendo que um homem, chamado Valdebran [Padilha], dizia ter documentos que comprometiam a campanha de José Serra [hoje governador de São Paulo, do PSDB]. Eu pedi, então, ao Expedito [Veloso] que procurasse o Valdebran por meio do telefone que ele havia deixado no comitê. Depois desse primeiro contato, Expedito foi para Cuiabá com Gedimar [Passos]. De lá, eles trouxeram a informação de que o conteúdo era verdadeiro. Trouxeram uma listagem de documentos, com números de cheques e o relato dos vídeos. Não fomos nós que fizemos o dossiê, o material nos foi oferecido. E não vejo problema em revelar fatos verdadeiros contra adversários.

FOLHA - O que houve depois?
LORENZETTI
- Houve muitas reuniões entre Expedito, Gedimar, Valdebran e os Vedoin. Eu nunca participei desses encontros, nunca falei com o Valdebran nem com os Vedoin. Soube que eles pediram dinheiro em troca do material. No começo R$ 20 milhões, depois, R$ 10 milhões. Nunca concordei com o pagamento, aliás, ninguém concordou.

FOLHA - Quem pagou então?
LORENZETTI
- Não teve pagamento. Teve esse dinheiro apreendido, mas isso foi uma surpresa. Não existia a possibilidade de negociação.

FOLHA - Até hoje não se sabe a origem do R$ 1,7 milhão. O senhor sabe?
LORENZETTI
- Não, não sei. A minha participação era apenas análise de material.

FOLHA - O senhor nunca teve a curiosidade de saber a origem?
LORENZETTI
- Não. Eu me desfiliei e não tive mais contato com ninguém. Olha, se fosse hoje, eu não teria participado disso.

FOLHA - O que mudou para o senhor?
LORENZETTI
- Foram os dois piores anos da minha vida. Minha família e eu sofremos muito. Só conseguimos suportar graças à solidariedade de amigos. Perdi a função de diretor num banco. Minha mulher era quem sustentava a casa. Agora estou reconstruindo a minha vida. Montei uma lanchonete no Balneário Camboriú (SC) e quero voltar a lecionar na faculdade de enfermagem.

FOLHA - No início da entrevista, o senhor falou em injustiça...
LORENZETTI
- Em nenhum momento eu fui respeitado pela imprensa. Nunca fui churrasqueiro do presidente Lula, muito menos o churrasqueiro oficial. Isso foi usado de forma pejorativa para me desqualificar. Teve ainda o uso da palavra aloprado. Quando o presidente Lula disse isso, ele estava na tensão do momento eleitoral. Mas a imprensa passou a usar a palavra de forma caricata, desrespeitosa. Outra coisa que me incomoda é a tentativa de vincular o episódio à corrupção. Sempre vivi de renda fixa. Todas essas acusações destroem a vida de qualquer sujeito. Eu me desfiliei do partido. Ficou uma mágoa com uma parte do PT, que se apressou a me julgar e esqueceu que eu tenho uma história dentro do partido.

FOLHA - Esse sentimento inclui o presidente Lula?
LORENZETTI
- Não. Eu não acho que ele me considere um aloprado, mas a declaração foi ruim. O que tenho é decepção por ele, veja bem, não vá dizer que a decepção é com o governo dele, que não é, acho que as coisas melhoraram muito. A decepção é porque ele nos chamou de aloprados. Eu não sou um aloprado. Nunca mais falei com Lula, mas espero que um dia a gente possa se encontrar.


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