São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2001

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Pré-candidato à Presidência, prefeito de Belém diz que moderados empurram partido para repetir De la Rúa

Ala esquerda acusa Lula de domesticar PT

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Candidato dos setores radicais do PT à Presidência da República, o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, 44, acusa Luiz Inácio Lula da Silva de liderar um processo de domesticação do partido. Segundo ele, a tentativa da cúpula moderada de tornar o PT "palatável" ao empresariado pode acabar por desfigurá-lo.
As críticas fogem da praxe do PT, em que os militantes divergem em todos os níveis, mas costumam poupar a figura de Lula.
A candidatura de Rodrigues, que disputará com Lula e o senador Eduardo Suplicy (SP), visa "marcar posição". Mesmo apoiado por facções como Articulação de Esquerda, Fórum Socialista, Força Socialista e Refazendo, ele dificilmente superará os 15% na prévia, em março. Mas poderá influir na agenda do PT em 2002.
Em entrevista concedida na quarta-feira, ele diz recear que o PT "light" repita o fiasco de Fernando de la Rúa na Argentina.

Folha - Por que lançar uma candidatura para "marcar posição"?
Edmilson Rodrigues -
O que tem provocado essa convergência de vários segmentos da esquerda para minha candidatura é a atitude cada vez mais domesticadora da Articulação [ala moderada". Defendemos o projeto de um PT classista, de massas, comprometido com o socialismo e não com um projeto de social-democratização e domesticação.
Vamos fazer a crítica da situação que está aí, mostrar que temos amplas possibilidade de revertê-la e fazer com que os companheiros da Articulação recoloquem o tema da ruptura com o FMI, do socialismo e da convocação de uma Constituinte. Vamos mostrar que é impossível haver transformações no país sem mudar a agenda neoliberal e tocar na questão da dívida externa.

Folha - O sr. acha mesmo que pode ganhar de Lula na prévia?
Rodrigues -
O Lula não se inscreveu ainda. A Articulação tem trabalhado com uma orientação equivocada, que é a do Duda Mendonça, de transformar a política em matemática aplicada, estatística, baseada na opinião de pesquisas. A impressão que a gente tem é que o Lula sairá candidato só se tiver a certeza absoluta da vitória, pelas pesquisas. Mas isso não existe em política. E, se ele não sair, o partido vai ter pouco tempo para trabalhar outro nome. Não creio que seja uma tarefa fácil, mas política não é matemática. Eu nunca descartaria a hipótese de vencermos as prévias.

Folha - Lula está envolvido nesse processo de domesticação do PT?
Rodrigues -
O Lula está perfeitamente afinado com a domesticação do PT. E não é de forma ingênua. O Lula é um importante quadro intelectual. As posições dele relativas ao ataque de Bush não têm apoio da tradição partidária.
Quando ele defende a idéia de que os EUA possam responder com bombardeios, usando o princípio da autodefesa, está legitimando um terrorismo de Estado. Nenhuma prova até hoje é convincente de que o Afeganistão, enquanto Estado, patrocinou os atos. Matam inocentes, envolvem o mundo numa guerra, colocam vidas em risco. Foi assim quando Granada foi invadida, quando os EUA apoiaram ditaduras militares. É assim quando se endurece com Cuba. As posições do Lula são uma tentativa de passar uma imagem de partido palatável ao capital, ao empresariado.

Folha - Lançar uma pré-candidatura de esquerda quando o PT tem uma chance real de conquistar a Presidência não é dividir o partido?
Rodrigues -
O que está em jogo é a possibilidade ou não de mudanças reais. A linha da "palatabilidade" do PT, que é a do próprio Lula, é equivocada. Em 94, ele tinha 40% nas pesquisas, mas, ao tentar transformar o Lula num estadista, o PT fez esse patamar se transformar em um fiasco em que sequer chegamos ao segundo turno.
Ao tentar não criar imagem de partido radical, nós perdemos. Não conseguimos ter a confiabilidade do capital e perdemos a possibilidade de ter o povo conosco.

Folha - Mas não seria melhor o PT estar unido em torno do Lula, preparando-se para o PFL ou o PSDB?
Rodrigues -
Você falou no PFL. É o próprio Instituto Cidadania [ONG de Lula" que limpa a imagem do PFL quando convida um ACM para falar de combate à pobreza. Ou quando o José Dirceu [presidente do partido" procura o PL. Ou quando o Zeca do PT [governador de MS" convida o PFL para participar do governo. Não é possível fazer de conta que isso não está existindo. Seria uma falsa unidade.
Estamos querendo recuperar os três pilares fundadores do PT. Um é o compromisso com a construção de uma sociedade socialista. Outro é a defesa da classe trabalhadora. O terceiro é resgatar a democracia interna. Quando fazemos uma defesa do direito de o Suplicy se candidatar a presidente, queremos dizer que somos contra a violência que o tem vitimado. A candidatura é necessária não para dividir, mas para resgatar o PT. Porque repetir aqui situações como a da Argentina seria vergonhoso.

Folha - O sr. está dizendo que o PT "light" pode ser um fiasco como o de Fernando de La Rúa?
Rodrigues -
Veja alguns casos. O [Vitor" Buaiz [ex-governador do ES", ao negar o partido, criou problemas seríssimos ao PT. Há um debate sobre o governo de Mato Grosso do Sul, os riscos enormes que o PT corre de se desgastar caso o Zeca mantenha esse desrespeito ao programa do partido.

Folha - Faz sentido falar hoje em eliminação do capitalismo?
Rodrigues -
Quando defendemos o socialismo, queremos um modo social de produção alternativo ao capitalismo, mas que não vai deixar de ter produção de mercadoria ou trabalho assalariado. O socialismo não prevê o fim de toda forma de propriedade privada. Não vamos estatizar carrinhos de cachorro-quente.

Folha - Mas isso não é exatamente o que os moderados defendem?
Rodrigues -
Não. O outro campo é socialista só na aparência. Eles defendem uma tese que é a velha social-democracia. Acho que você pode ter em algumas áreas a coletivização da produção agrícola, setores industriais onde se dê a produção coletiva, em que o Estado tenha de assumir a propriedade dos meios de produção.





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