São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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Marcelo Coelho

Herança maldita

SERIA MUITO bom se uma campanha política servisse para discutir melhor as propostas dos candidatos, mas todo mundo sabe que as coisas não funcionam assim, pelo menos no Brasil.
Neste segundo turno, a campanha permitiu, entretanto, que se avaliasse algo mais abstrato, menos quantificável a respeito dos dois candidatos. Trata-se de sua capacidade de gerar fatos políticos, de "jogar com as brancas", como se diz no xadrez; de impor sua própria agenda à discussão.
Nesse aspecto, o insucesso de Alckmin não poderia ser mais constrangedor. O tucano saiu do primeiro turno com um capital político dos mais consideráveis, fundado na relativa surpresa de sua ascensão na última hora; a cada nova pesquisa, entretanto, esse capital se esvai, e já há quem se pergunte se sua votação não terminará até diminuindo, se comparada aos resultados de 1º de outubro.
Como sempre, os analistas se encarregam de explicar aquilo que não previam. A atitude mais agressiva de Alckmin no primeiro debate, que parecia atender a uma necessidade urgente da campanha, agora é vista como um erro estratégico.
Voltar atrás, como fez Alckmin no segundo debate, mais ameno e "técnico", não necessariamente corrige o erro anterior; pode até piorar a situação, uma vez que acentua a imagem de pouca espontaneidade que, como se sabe, persegue o candidato.
Dois rótulos, entretanto, têm sido decisivos para prejudicar Alckmin no eleitorado de classe média, que no primeiro turno votou em Heloísa Helena ou em Cristovam Buarque: o de "privatista" e o de "Opus Dei".
Nos dois casos, o mundo real e o mundo da disputa política estão em certo descompasso, embora tenham pontos em comum.
Quaisquer que sejam as convicções religiosas de Alckmin, o fato é que ele já se mostrou a favor da pesquisa com embriões humanos e da união civil entre homossexuais.
Idéias que, ao que consta, não estão entre as preferidas da Opus Dei. Verdade que Alckmin condena o aborto, mas nesse assunto Lula não se arrisca a ter opinião divergente.
Quando se fala em "Opus Dei" ou em "privatismo", o que se quer dizer é outra coisa. Evita-se um termo simples, atualmente em desuso: Alckmin é de direita, e uma parcela considerável de seus eleitores também é.
Neste como em outros assuntos, falta moral ao PT para dar nomes aos bois, e para se contrapor como força de "esquerda" a esta altura. Mas se a idéia de "privatismo" também colou, há um outro fator a considerar, acima de preferências ideológicas.
O rótulo funcionou para associar a candidatura Alckmin ao impopularíssimo governo Fernando Henrique Cardoso. O debate eleitoral tornou-se, em boa medida, um julgamento dos anos FHC; Alckmin poderia ser muito melhor candidato do que é, mas do ponto de vista eleitoral paga um preço altíssimo por essa "herança maldita" .


MARCELO COELHO é colunista da Folha

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