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Marcelo Coelho
Herança maldita
SERIA MUITO bom se
uma campanha política servisse para discutir melhor as propostas dos
candidatos, mas todo mundo sabe que as coisas não
funcionam assim, pelo menos no Brasil.
Neste segundo turno, a
campanha permitiu, entretanto, que se avaliasse algo
mais abstrato, menos quantificável a respeito dos dois
candidatos. Trata-se de sua
capacidade de gerar fatos
políticos, de "jogar com as
brancas", como se diz no
xadrez; de impor sua própria agenda à discussão.
Nesse aspecto, o insucesso de Alckmin não poderia
ser mais constrangedor. O
tucano saiu do primeiro
turno com um capital político dos mais consideráveis,
fundado na relativa surpresa de sua ascensão na última hora; a cada nova pesquisa, entretanto, esse capital se esvai, e já há quem se
pergunte se sua votação
não terminará até diminuindo, se comparada aos
resultados de 1º de outubro.
Como sempre, os analistas se encarregam de explicar aquilo que não previam.
A atitude mais agressiva de
Alckmin no primeiro debate, que parecia atender a
uma necessidade urgente
da campanha, agora é vista
como um erro estratégico.
Voltar atrás, como fez Alckmin no segundo debate,
mais ameno e "técnico",
não necessariamente corrige o erro anterior; pode até
piorar a situação, uma vez
que acentua a imagem de
pouca espontaneidade que,
como se sabe, persegue o
candidato.
Dois rótulos, entretanto,
têm sido decisivos para
prejudicar Alckmin no eleitorado de classe média,
que no primeiro turno votou em Heloísa Helena ou
em Cristovam Buarque:
o de "privatista" e o de
"Opus Dei".
Nos dois casos, o mundo
real e o mundo da disputa
política estão em certo descompasso, embora tenham
pontos em comum.
Quaisquer que sejam as
convicções religiosas de
Alckmin, o fato é que ele já
se mostrou a favor da pesquisa com embriões humanos e da união civil entre
homossexuais.
Idéias que, ao que consta,
não estão entre as preferidas da Opus Dei. Verdade
que Alckmin condena o
aborto, mas nesse assunto
Lula não se arrisca a ter opinião divergente.
Quando se fala em "Opus
Dei" ou em "privatismo", o
que se quer dizer é outra
coisa. Evita-se um termo
simples, atualmente em desuso: Alckmin é de direita, e
uma parcela considerável
de seus eleitores também é.
Neste como em outros
assuntos, falta moral ao PT
para dar nomes aos bois, e
para se contrapor como força de "esquerda" a esta altura. Mas se a idéia de "privatismo" também colou, há
um outro fator a considerar, acima de preferências
ideológicas.
O rótulo funcionou para
associar a candidatura
Alckmin ao impopularíssimo governo Fernando
Henrique Cardoso. O debate eleitoral tornou-se, em
boa medida, um julgamento dos anos FHC; Alckmin
poderia ser muito melhor
candidato do que é, mas do
ponto de vista eleitoral paga um preço altíssimo por
essa "herança maldita" .
MARCELO COELHO é colunista da Folha
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