São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Herança das ditaduras


Governar com MPs tem sido uma das mais influentes contribuições para a degradação moral e política

HOUVESSE, como seria esperável de um país que se pretende democrático, participação séria de entidades e cidadãos na defesa pública de suas necessidades e opiniões, começariam logo os atos para não deixar que volte ao dormitório um conjunto de medidas aprovado, em exame preliminar, por uma comissão da Câmara na semana passada. Seria o modo de submeter a orgia de medidas provisórias, inspirada nas ditaduras de direita e de esquerda, e submeter esse recurso de urgência aos rigores que a enquadram na Constituição e nos modos democráticos de governar.
Entre as medidas está um projeto apresentado por Antonio Carlos Magalhães, e já com aprovação do Senado, que soa como um legado em auxílio de sua reputação post-mortem. Acaba com a vigência imediata da medida provisória, condicionando-a à aprovação, dentro de seis dias, da comissão do Senado ou da Câmara que reconheça sua compatibilidade com a Constituição. E, obrigando-a a referir-se a um só assunto, acabaria com os contrabandos que o governo Lula, como o de Fernando Henrique Cardoso, esconde em MPs porque impopulares ou problemáticos.
Há também, em outro dos projetos aceitos, a proposta de encerrar a bagunça autoritária das medidas provisórias com sua limitação a apenas 12 por ano. Apesar de muito discutível, poderia ser útil contra o desregramento de Lula, se os deputados e os senadores não se sentem bastante comprometidos com a Constituição para rejeitar MPs que não atendem ao condicionamento constitucional de motivo com "relevância e urgência".
As medidas provisórias foram aprovadas pela Constituinte para permitir agilidade governamental em casos emergenciais. Fernando Henrique começou por usá-las para a compra de um carro novo destinado ao então vice-presidente Marco Maciel. Agora mesmo, Lula usa medida provisória até para criar nova emissora de TV oficial (se TV Pública de fato, como dizem os governistas, só saberemos bem mais adiante). Entre uma e outra dessas provisórias definitivas, o desrespeito abusado à Constituição e a evidência da mentira contida no alegado apego à democracia. Governar com medidas provisórias tem sido uma das mais influentes contribuições, ontem de Fernando Henrique e hoje de Lula, para a degradação moral e política que aí se vê.
Em boa hora, mesmo que por acaso, está em exibição na TV Câmara a vinheta de Ulysses Guimarães com uma de suas eloquências sentenciais: "Quem desrespeita a Constituição é traidor".

Memória
O ex-ministro da Cultura, ex-embaixador em Portugal e ex-deputado federal José Aparecido de Oliveira, morto anteontem, foi uma vocação extraordinária de articulador político, mas, acima de tudo, foi homem público de correção absoluta.
Com o então deputado federal Paulo de Tarso Santos, o também deputado Zé Aparecido e eu, como jovem e insensato diretor do "Correio da Manhã", estivemos juntos na aventura temerária de desvendar, com a posterior inviabilização, uma operação da CIA e da Embaixada dos Estados Unidos que, sob o codinome IBAD (supostamente Instituto Brasileiro de Ação Democrática), comprou grande número de congressistas brasileiros, com isso influindo na Câmara, no Senado, na administração do país e na agitação de direita e de esquerda.
Consumado o golpe, eu estava fora do "Correio", Paulo de Tarso foi cassado e exilou-se, e Zé Aparecido, também cassado, teve a casa invadida pelo general Carlos Guedes para usurpação de documentos sobre o IBAD, que sumiram como desejavam o general Vernon Walthers, especialista em golpes da CIA, e o embaixador do golpe Lincoln Gordon.


Texto Anterior: Memória: Ação causa atrito entre fiscais e Senado
Próximo Texto: Promotoria de Mônaco avança em processo contra Cacciola
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.