|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Herança das ditaduras
Governar com MPs tem sido uma das mais influentes contribuições para a degradação moral e política
|
HOUVESSE, como seria esperável de um país que se pretende democrático, participação séria de entidades e cidadãos na defesa pública de suas necessidades e opiniões, começariam logo os
atos para não deixar que volte ao
dormitório um conjunto de medidas
aprovado, em exame preliminar, por
uma comissão da Câmara na semana passada. Seria o modo de submeter a orgia de medidas provisórias,
inspirada nas ditaduras de direita e
de esquerda, e submeter esse recurso de urgência aos rigores que a enquadram na Constituição e nos modos democráticos de governar.
Entre as medidas está um projeto
apresentado por Antonio Carlos
Magalhães, e já com aprovação do
Senado, que soa como um legado em
auxílio de sua reputação post-mortem. Acaba com a vigência imediata
da medida provisória, condicionando-a à aprovação, dentro de
seis dias, da comissão do
Senado ou da Câmara que
reconheça sua compatibilidade com a Constituição.
E, obrigando-a a referir-se
a um só assunto, acabaria
com os contrabandos que o
governo Lula, como o de
Fernando Henrique Cardoso, esconde em MPs porque impopulares ou problemáticos.
Há também, em outro
dos projetos aceitos, a proposta de encerrar a bagunça autoritária das medidas
provisórias com sua limitação a apenas 12 por ano.
Apesar de muito discutível,
poderia ser útil contra o
desregramento de Lula, se
os deputados e os senadores não se
sentem bastante comprometidos
com a Constituição para rejeitar
MPs que não atendem ao condicionamento constitucional de motivo
com "relevância e urgência".
As medidas provisórias foram
aprovadas pela Constituinte para
permitir agilidade governamental
em casos emergenciais. Fernando
Henrique começou por usá-las para
a compra de um carro novo destinado ao então vice-presidente Marco
Maciel. Agora mesmo, Lula usa medida provisória até para criar nova
emissora de TV oficial (se TV Pública de fato, como dizem os governistas, só saberemos bem mais adiante). Entre uma e outra dessas provisórias definitivas, o desrespeito abusado à Constituição e a evidência da mentira contida no alegado apego à
democracia. Governar com medidas
provisórias tem sido uma das mais
influentes contribuições, ontem de
Fernando Henrique e hoje de Lula,
para a degradação moral e política
que aí se vê.
Em boa hora, mesmo que por acaso, está em exibição na TV Câmara a
vinheta de Ulysses Guimarães com
uma de suas eloquências sentenciais: "Quem desrespeita a Constituição é traidor".
Memória
O ex-ministro da Cultura, ex-embaixador em Portugal e ex-deputado federal José Aparecido de Oliveira, morto anteontem, foi uma
vocação extraordinária de articulador político, mas, acima de tudo, foi
homem público de correção absoluta.
Com o então deputado federal
Paulo de Tarso Santos, o também
deputado Zé Aparecido e eu, como
jovem e insensato diretor do "Correio da Manhã", estivemos juntos
na aventura temerária de desvendar, com a posterior inviabilização,
uma operação da CIA e da Embaixada dos Estados Unidos que, sob o
codinome IBAD (supostamente
Instituto Brasileiro de Ação Democrática), comprou grande número
de congressistas brasileiros, com
isso influindo na Câmara, no Senado, na administração do país e na
agitação de direita e de esquerda.
Consumado o golpe, eu estava fora do "Correio", Paulo de Tarso foi
cassado e exilou-se, e Zé Aparecido,
também cassado, teve a casa invadida pelo general Carlos Guedes
para usurpação de documentos sobre o IBAD, que sumiram como desejavam o general Vernon Walthers, especialista em golpes da
CIA, e o embaixador do golpe Lincoln Gordon.
Texto Anterior: Memória: Ação causa atrito entre fiscais e Senado Próximo Texto: Promotoria de Mônaco avança em processo contra Cacciola Índice
|