São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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Traficante vende bem à igreja

da enviada especial a Tabatinga (AM)

A Diocese do Alto Solimões, comandada pelo bispo Alcimar Caldas Magalhães, comprou e transformou em centro de treinamento profissional a serraria que pertencia ao traficante Vicente Wilson Rivera Ramos, o ""Vicentico", um dos líderes da Organização Rivera, que está preso por tráfico de cocaína em Manaus.
A compra foi negociada com o traficante na prisão. Filho de mãe católica e criado em Letícia (cidade interligada com Tabatinga), o traficante frequentava a igreja. Durante a construção da catedral de Tabatinga, participou das quermesses organizadas pelo bispo para levantar fundos e doou cem sacos de cimento para a obra.
A diocese pagou R$ 150 mil pela serraria, que estava fechada em razão da prisão do traficante. Vicentico montou a serraria na margem do rio Acuruí, afluente do Solimões, com o propósito de ocultar cocaína dentro de toras de madeira para exportação.
O esquema foi descoberto pela Polícia Federal em 89, quando interceptou o navio Amazon Sky, com 4 t de cocaína pura escondida no interior das toras. A madeira havia sido preparada na serraria e os funcionários fugiram.
Hoje, serraria é administrada por freis capuchinhos do convento de Amaturá (município do Alto Solimões) e forma mão-de-obra. A madeira é vendida apenas no comércio local.
O bispo Alcimar Magalhães conta que visitou Vicentico na penitenciária em Manaus. Ele diz que o narcotráfico é encarado na região como uma atividade normal, um meio de vida. ""Os valores estão seriamente minados pela fome, pela ausência de projeção de futuro e de esperança", diz.
Dom Alcimar Magalhães atribui a situação na área à falta de alternativas econômicas. Ele diz que a opção oferecida para a Amazônia para substituir a extração da borracha foi a Zona Franca de Manaus, o que, em sua avaliação, só trouxe problemas.
""Quem via um palmo adiante do nariz migrou para a capital, e o interior ficou ainda mais empobrecido", acrescenta. Ele diz que a proibição de extração de madeira na área (por se tratar de reserva indígena) deixa a população sem alternativa de ocupação.
O bispo considera que a extração deveria ser admitida nesse caso: ""A necessidade está acima da lei. Quando uma população não tem condição de cumprir a lei, ela está dispensada da lei." (EL)




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