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A FANTASIA DESFEITA
Ex-presidente do BNDES disse à Folha que ele e Furtado, que apoiou sua indicação ao cargo, sempre sonharam com a civilização brasileira
Lessa mobiliza atenções em velório na ABL
TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
SERGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO
Intelectuais, autoridades e políticos estiveram ontem à noite no
velório de Celso Furtado, na sede
da ABL (Academia Brasileira de
Letras), que se tornou também
um ato de solidariedade a Carlos
Lessa, demitido na última quinta-feira da presidência do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Depois de Rosa Freire D'Aguiar, viúva de Furtado, ele foi o mais cumprimentado no local.
Durante a tarde, em entrevista à
Folha, Lessa disse ter pressentido
a morte de Furtado. "Você sabe
que hoje eu acordei chorando? Isso nunca aconteceu. Depois, minha pressão começou a subir
[chegou a 16 por 10]. Parece que
estava sentindo", contou Lessa,
68, ao lamentar a morte do amigo
de 42 anos, que apoiou sua indicação para o BNDES.
Com olhos marejados e voz embargada, Lessa afirmou que sua ligação com Furtado é "uma ligação de brasileiro". "Você pode
imaginar o que esse troço [a morte de Furtado] significa pra
mim?", perguntou.
"Nós sonhamos sempre com a
civilização brasileira. A coisa mais
importante é que ele era um homem inteiramente voltado para
fazer do Brasil uma nação justa. O
fato de ser o economista de maior
repercussão brasileiro no mundo,
ter sido professor em todos os lugares, ter ajudado a construir teorias novas, tudo isso é acessório. O
que é fundamental é que Celso
Furtado amava este país."
Lessa criticou a atual geração de
economistas que, segundo ele, é
"fascinada pela economia de mercado, por carreiras puramente financeiras". "Celso sempre acreditou que o povo brasileiro seria capaz de fazer disto uma nação digna e civilizada. Lutou com todas
as armas e foi exilado por isso. Ele
sabia da importância do povo
brasileiro, tanto que foi o primeiro economista a dizer que sem
cultura não há identidade."
O ex-presidente do BNDES
confirmou ainda que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva telefonou para Furtado na quinta-feira,
para explicar sua demissão.
Lessa chegou ao velório às 18h,
acompanhado da mulher e de um
enfermeiro. De muletas por causa
de um problema no joelho, foi
abraçado longamente pela viúva
de Furtado, que chorou. Familiares do economista morto colocaram uma cadeira próxima do caixão para que ele se sentasse. A
partir daí, começou a receber manifestações de solidariedade.
O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, levou o ex-presidente do BNDES para o jardim
contíguo ao Salão dos Poetas Românticos, onde ocorria o velório.
Os dois conversaram por quase
meia hora. Lessa gesticulava muito e algumas vezes se exaltava.
Questionado, Mercadante disse
que a demissão de Lessa não teve
relação com o agravamento do estado de saúde de Furtado:
"Estava conversando com a Rosa [viúva de Furtado]. Ela não vê
nenhuma relação entre a saída do
Lessa e a morte do Celso. Ele já estava com deficiência de saúde há
algum tempo. Além disso, era um
homem vivido politicamente,
muito experiente. Foi ministro de
Estado, atravessou tantos experiências e sabe como é a vida pública. Furtado nunca deixou de
acreditar no projeto que o presidente Lula representa e demonstrou isso até o final da sua vida."
Também conversaram com
Lessa a economista Maria da
Conceição Tavares, a prefeita de
São Paulo, Marta Suplicy (PT), e o
marido, Luis Favre, os ministros
Gilberto Gil (Cultura) e Jaques
Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), o
economista e ex-ministro Luiz
Carlos Bresser-Pereira, o senador
Saturnino Braga (PT-RJ) e o vice-presidente demissionário do
BNDES, Darc Costa.
O prefeito eleito de São Paulo,
José Serra, foi um dos últimos a
chegar, quase às 21h. A viúva de
Furtado também chorou ao cumprimentá-lo. Ele e Marta Suplicy
se cumprimentaram com um aceno de cabeça e mais tarde, com
um aperto de mão.
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