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QUAL REPRESENTAÇÃO?
Com muitos itens sem chance de aprovação, projeto pode afrouxar ainda mais as regras político-eleitorais
Congresso prepara anti-reforma política
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O projeto de lei 2.679 é chamado
de reforma política por deputados e senadores. Na prática, todos
os envolvidos no debate sabem
que poucos itens do projeto serão
aprovados. O que é dado como
mais viável são trechos que apenas tornam ainda mais frouxas as
regras político-eleitorais no país.
Essa anti-reforma política tem
como itens mais próximos da
aprovação a redução da chamada
cláusula de barreira e o fim da verticalização -regra que exige coerência nas alianças fechadas para
as eleições para presidente da República e nos Estados.
No caso da cláusula de barreira,
trata-se da lista de exigências que
cada sigla tem de cumprir para ter
amplo acesso à propaganda na
TV e rádio, receber dinheiro do
fundo partidário e conseguir
montar uma estrutura de liderança dentro do Congresso.
A lei atual, 9.096 (de 1995), estabelece que a cláusula de barreira
entrará em vigor de maneira integral a partir da disputa eleitoral de
2006. Os legisladores deram um
longo período para que os partidos tivessem condições de se
adaptar.
Cláusula de barreira
Depois de 2006, os partidos terão de obter 5% dos votos para
deputado federal em todo o país.
Além disso, terão de conquistar
2% dos votos para deputado em
pelo menos nove unidades da Federação.
Considerada a votação de 2002,
só sete partidos obtiveram essa
marca da cláusula de barreira: PT,
PSDB, PFL, PMDB, PP, PSB e
PDT. Depois da eleição, PL e PTB
incorporaram siglas nanicas e
atingiram os requisitos da lei. Se
repetirem o feito em 2006, nos
quatro anos seguintes essas agremiações terão três benefícios
principais:
1) TV e rádio - um programa semestral com duração de 20 minutos, em horário nobre, em rede
nacional e programas de mesma
duração nos 26 Estados e no Distrito Federal. Também terão direito a 40 minutos de propagandas, em rede nacional e em cada
um dos Estados e no DF, divididas em inserções de 30 segundos
ou um minuto;
2) Fundo partidário - dividir
99% do dinheiro (neste ano, o Orçamento prevê R$ 112,7 milhões)
de acordo com a votação que cada
sigla obteve para deputado federal;
3) Congresso - poderão ter estrutura de liderança (com salas e
dezenas de cargos) na Câmara
dos Deputados. Só os partidos
que têm líder podem pedir a palavra a qualquer tempo em sessões
do Congresso. Também só essas
siglas têm representantes eleitos
para presidir as comissões de trabalho.
Os partidos que não atingirem a
cláusula de barreira em 2006 ficarão com apenas um programa de
dois minutos por semestre em rede nacional, 1% do fundo partidário e sem estrutura para funcionamento parlamentar.
Esses partidos nanicos não ficarão proibidos de ter deputados.
Mas seus congressistas vão trabalhar quase como se fossem avulsos, pois suas siglas não terão direito à burocracia oferecida hoje a
várias agremiações médias por liberalidade da Mesa Diretora da
Câmara.
A reforma política em curso
-em debate na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara- reduz drasticamente a exigência da cláusula de barreira. Em
vez de 5%, passa ser apenas necessário obter 2% dos votos para deputado federal em todo o país.
Além disso, cada partido terá de
eleger pelo menos um deputado
em cinco unidades da Federação.
Em 2002, 11 dos 27 partidos conseguiram essa façanha.
Em 2006, partidos pequenos
emergentes como PPS, PC do B,
Prona e PV podem passar do limite da cláusula que está sendo
proposta. Nesse caso, em anos
não eleitorais, apareceriam na TV
e no rádio o mesmo tempo que siglas grandes como PT e PSDB.
Verticalização
A mudança mais certa até o momento foi deixada de fora da reforma política para ter um trâmite
mais rápido. Trata-se do fim da
verticalização, a norma que obriga os partidos a terem alianças
coerentes nas eleições para presidente da República e nos Estados.
A regra foi adotada em 2002 por
causa de um entendimento da lei
feito pelo então presidente do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral),
Nelson Jobim. Segundo o que ficou decidido, se o partido "A" se
coligar ao partido "B" para a eleição de presidente da República,
essas duas siglas não podem fazer
alianças diferentes nos Estados
-ou se juntam ou ficam separadas.
A medida impediu a prática
mais comum na política partidária brasileira, que vem a ser diversidade de alianças entre todos os
partidos, dependendo apenas das
conveniências locais.
Quase todos os partidos são a
favor da derrubada da verticalização. Uma alteração na lei está para
ser votada na Câmara.
Coligação proporcional
Se a cláusula de barreira for
mesmo flexibilizada, deve ser
proibida a coligação para cargos
proporcionais -quando um partido se coliga para eleger deputados federais, por exemplo.
Esse artifício é utilizado pelas siglas nanicas, que nunca conseguem atingir o chamado quociente eleitoral.
O quociente eleitoral é calculado assim: divide-se o número de
votos válidos pela quantidade de
vagas. Se um partido tiver votação
menor que o quociente, não terá
direito à vaga.
Dessa forma, um partido pequeno com um candidato bem
votado muitas vezes fica sem uma
cadeira na Câmara. Coligado a
uma sigla maior, acaba entrando
no Congresso.
O presidente da Câmara dos
Deputados, João Paulo Cunha
(PT-SP), defende a redução da
cláusula de barreira porque "o
fim das coligações proporcionais
terá o efeito de limitar o número
de partidos".
Fidelidade
Não há consenso a respeito de
fidelidade partidária, financiamento público de campanha nem
sobre o sistema de listas fechadas
para a eleição de deputados.
No caso da fidelidade partidária, o sistema proposto começou a
tomar corpo há alguns anos e seria por meio da filiação: um político precisaria estar filiado ao partido um ano antes da eleição e só
poderia sair depois de quatro
anos no mandato. Se sair antes do
prazo, ficaria inelegível.
Aos poucos, a proposta foi ficando mais branda. Primeiro, a
exigência de ficar filiado ao partido durante o mandato caiu para
três anos. Agora, está em dois
anos. Se passar assim, seria quase
inócua: quando terminarem os
primeiros 24 meses de mandato,
dezenas de deputados acabarão
trocando de sigla.
De janeiro de 2003 até hoje, a
Câmara dos Deputados já registrou 164 movimentações de seus
integrantes, de um partido para o
outro. Vários já passaram por
mais de uma sigla.
Quem resume o sentimento da
Câmara a respeito da quase natimorta proposta de fidelidade partidária é o deputado João Caldas
(PL-AL): "Você conhece alguém
que fabrica uma chibata para apanhar com ela?".
Financiamento público
O financiamento público é um
caso raro em que os deputados
têm receio do efeito que a medida
teria na sociedade. São todos a favor, mas acham que seria difícil
de explicar.
"Vão malhar muito a gente. Os
que não têm o que comer não vão
entender", diz o presidente nacional do PL, deputado Valdemar
Costa Neto (SP).
A proposta em discussão é para
a criação de um fundo com R$ 7
para cada eleitor a ser dividido
proporcionalmente entre os partidos -de acordo com a votação
que tiveram para a Câmara. A julgar pelo eleitorado atual, o fundo
teria R$ 847 milhões.
Poucos sabem, mas já existe financiamento público de campanha no Brasil. Além do fundo partidário (R$ 112,7 milhões neste
ano), a propaganda eleitoral custa
cerca de R$ 300 milhões para o
governo federal -o valor se refere a impostos não pagos por emissoras de rádio e de TV.
As TVs e as rádios podem abater do cálculo do seu Imposto de
Renda parte do que perdem de lucros por transmitirem a propaganda partidária. Nos Estados
Unidos, o maior custo das campanhas é o da compra dos horários
de TV. No Brasil, os políticos recebem esse tempo "de graça".
A votação em listas fechadas
também afasta os partidos de um
consenso. Muitos acreditam que
não é possível adotar tal medida
antes de garantir mecanismos de
democracia interna nas agremiações políticas.
A proposta da reforma política é
para que cada partido faça convenções e decida quais são seus
candidatos a deputado, formando
assim uma lista. O eleitor só votaria no partido. Conforme o número de votos recebidos, entrariam
os primeiros da lista.
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