São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2008

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Lei não barra apuração de torturas, diz ONU

Repressão cometida pela ditadura militar não deve ser anistiada por ser crime contra a humanidade e imprescritível, diz Nowak

Especialista é responsável pelo relatório das Nações Unidas que trata dos abusos cometidos contra detentos na prisão de Guantánamo

Salvatore Di Nolfi - 11.mar.08/Associated
Manfred Nowak durante coletiva na sede da ONU em Genebra

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Nenhuma lei de anistia deveria impedir a investigação de crimes como a tortura. A opinião é de Manfred Nowak, relator das Nações Unidas para Tortura, para quem a obrigação moral de levar os responsáveis por tais delitos à Justiça sobrepõe-se a qualquer legislação.
Nowak foi além: para ele, ações de repressão cometidas pela ditadura militar, como tortura, desaparecimentos e execuções extrajudiciais são "crimes contra a humanidade", portanto imprescritíveis.
"Quando falamos na tortura sistemática praticada no regime militar do Brasil a partir da década de 60, é claro que ela pode ser considerada um crime contra a humanidade", disse o jurista austríaco.
Um dos principais especialistas da ONU em direitos humanos, Nowak é um dos autores do relatório da organização sobre abusos cometidos na prisão americana de Guantánamo, entre outros trabalhos.
Nowak não se opôs a entrar na controvérsia surgida no governo brasileiro sobre o tema, depois que a Advocacia Geral da União divulgou um parecer em que considerou os crimes cometidos na ditadura perdoados pela Lei de Anistia, de 1979.
"Leis de anistia não deveriam ser usadas para evitar investigações sobre tortura", disse Nowak. Segundo ele, embora a Convenção contra a Tortura da ONU (da qual o Brasil é signatário) não mencione possíveis limitações impostas por leis nacionais, "existe uma obrigação" de investigar e levar os responsáveis à Justiça.
"Mesmo não sendo explícito, essa é a interpretação", disse o relator. Ele reconhece as dificuldades políticas de reabrir feridas do passado, sobretudo depois que os esforços de reconciliação se transformaram em legislação. Mas observou que em países como Chile, Argentina e Uruguai, que aprovaram suas próprias leis de perdão, "ficou claro que nenhuma anistia deveria ser aplicada aos crimes mais sérios, como a tortura".
"A questão é até onde essa lei [de anistia] deve ser aplicada", disse o austríaco. Ele elogiou as ações feitas no Brasil desde o fim da ditadura para reconhecer os crimes cometidos no regime militar e indenizar suas vítimas. Mas acha que há uma lacuna em relação à tortura.
"O Brasil tornou-se um modelo para outros países ao reconhecer os crimes e aprovar no Congresso o pagamento de compensações a famílias de desaparecidos", disse Nowak. "Nesse ponto o Brasil fez muito, mas não sobre tortura."

Guantánamo
Ao falar que está confiante de que o novo governo americano fechará a prisão de Guantánamo até o fim de 2009, Nowak disse que tem mantido contato com vários governos, sobretudo da Europa, para convencê-los a receber detentos que correm riscos de retaliações se voltarem a seus países de origem.
Na América do Sul, contudo, a receptividade até agora foi pequena, segundo ele. "Acho que os países da região preferem continuar longe do conflito." Em 2007, o Brasil acolheu cerca de cem refugiados palestinos que viviam no Iraque.


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