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ELIO GASPARI
Lembrai-vos de 1954
O tucanato teve mais
um surto de demofobia.
Seu líder no Senado, Arthur Virgílio, sugeriu que o aumento do
salário mínimo para R$ 350 está
entre "meia dúzia de atos demagógicos" destinados a ajudar
Lula a transpor o primeiro turno da eleição do ano que vem.
Aumentar o salário mínimo em
cerca de 20% não é demagogia.
Demagogia é votar um aumento para R$ 384, como fez em
agosto um pedaço da bancada
liderada por Virgílio. É demagogia no sentido mais puro da
palavra porque os 30 senadores
que votaram a medida sabiam
que ela seria derrubada na Câmara ou vetada por Lula.
Beneficiada pelo irracionalismo da retórica do "nosso guia",
a oposição quer encurralar o
país. Procede como se precisasse
de juros altos e estagnação econômica. Se Lula segura os gastos, o tucanato acusa o governo
de frear o crescimento. Se a ministra Dilma Rousseff diz que a
idéia de um vago ajuste fiscal de
longo prazo é "rudimentar", o
campo banqueiro do PSDB ataca-a como se ela planejasse o
fim do mundo. Se Lula derruba
o salário mínimo de R$ 384, a
oposição o acusa de não cumprir o prometido. ("Nosso guia"
prometeu dobrá-lo.)
Se o companheiro vai na direção dos R$ 350, é um irresponsável que torrará R$ 4,6 bilhões.
Admitindo-se que alivie o confisco do Imposto de Renda sobre
os salários do andar de baixo
elevando em 10% o teto da isenção dos trabalhadores, gastam-se mais R$ 1,3 bilhão. Juntando-se as duas despesas, chega-se a
cerca de R$ 6 bilhões. É muito
dinheiro, mas nunca é demais
lembrar que os encargos da dívida interna e externa custam
ao país cerca de R$ 120 bilhões
anuais. Ao contrário do que
acontece com o rentismo dos juros, cada centavo gasto com o
salário mínimo retorna ao mercado da produção nacional. Esse dinheiro compra comida e
vestuário. O que sobra serve para a construção de um puxado
ou de uma laje. Estima-se que
um aumento de 10% no salário
mínimo reduz a pobreza nacional em 4%. Quando a Viúva esvazia a bolsa pagando os juros
dos doutores Henrique Meirel-
les e Afonso Beviláqua, esse fato
é apresentado como uma fatalidade histórica. Quando se fala
em melhorar a vida do trabalhador, é demagogia.
O PSDB tem dois candidatos a
presidente da República (José
Serra e Geraldo Alckmin) que
ainda não conseguiram cumprir a promessa de campanha
de integrar os bilhetes de ônibus,
trens e metrô de São Paulo. Tudo indica que, se o fizerem, cobrarão uma tarifa burra mais
elevada do que o carnê dos trabalhadores de Nova York. No
Rio de Janeiro, onde está o terceiro candidato oposicionista, a
situação dos transportes públicos é ainda pior.
A oposição que acusa Lula de
demagogia teme que iniciativas
sociais e a melhoria da renda do
andar de baixo permitam a reeleição do companheiro. Vai embutida nesse raciocínio a idéia
de que a patuléia é composta
por uma massa incapaz de discernir o alcance de seu voto. Se
ele for reeleito, reeleito estará.
As teorias conspirativas do PT
são pouco mais que fantasias.
Mesmo assim, é verdade que a
política brasileira convive com
uma militância demófoba.
Quando lhe convém, ela investe
contra as conseqüências da elevação do salário mínimo, erguendo a bandeira da moralidade, contra "o clima de negociatas, desfalques e malversação
de verbas que vem, nos últimos
tempos, envolvendo o país". Essas palavras, que poderiam ter
saído de um discurso de "nosso
guia" na sua encarnação oposicionista, foram tiradas de um
documento bem mais antigo: o
Manifesto dos Coronéis, de fevereiro de 1954. Seis meses depois,
Getúlio Vargas se matou.
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