São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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JANIO DE FREITAS

A tática de Lula

Já se conhece a tática eleitoral escolhida por Lula: é simples na execução, direta no rumo ao objetivo e eficaz no resultado. E, qualidade muito conveniente nas atuais circunstâncias, tem custo zero para o PT e para Lula. Seu único problema: contraria várias leis. Como foi inaugurada oficialmente na sexta-feira, desde então lançou Lula na ilegalidade. Não só por atos proibidos, mas também por confissão.
A premissa de eleições consideradas democráticas é que os candidatos e partidos as disputem na medida de suas próprias possibilidades e condições, sujeitas às limitações legais. Presume-se que essa seja a preliminar da igualdade de oportunidades eleitorais. Daí que o uso de qualquer recurso oficial, direto ou indireto, cria um desequilíbrio que constitui transgressão à lei eleitoral. Não só. Atos que implicam gasto de dinheiro ou outro recurso público ferem também a legislação contra a improbidade.
As duas legislações foram transgredidas na sexta-feira, por atos e palavras, em uma região vizinha do Rio, com o nome sugestivo de Queimados. Entre inúmeras outras, Lula disse ali esta frase: "De vez em quando vocês vão ver pessoas dizendo que este ato de Queimados é campanha eleitoral". "Vocês", na frase, eram de cinco a quinze pessoas, conforme as estimativas menos ou mais interessadas, reunidas pelo PT e pelo PL do prefeito Rogério do Salão. Bandeiras, faixas, cartazes, os refrãos cantados deram o sentido do encontro de um palanque lotado e do povaréu à sua volta.
A pretexto de um convênio financeiro para construção de um hospital, há 15 anos abandonada no início, houve em Queimados um comício declaradamente eleitoral. O dinheiro liberado é de apenas R$ 1,5 milhão, não sendo o restante mais do que um projeto de gasto nem aprovado ainda pelo Congresso. Não havia, portanto, o que ser de fato celebrado.
De volta à frase do discurso exaltadíssimo de Lula, para dar-lhe o complemento que a explicou: "De vez em quando vocês vão ver pessoas dizendo que este ato de Queimados é campanha eleitoral. Se eu não fizesse, era campanha para eles. Se eu faço, eles dizem que é para mim. Entre fazer para eles e para mim, prefiro fazer para nós aqui".
A primeira pessoa a dizer que ali se fazia ato de campanha eleitoral foi, pois, o próprio Lula. "Se eu não fizesse" já é afirmação de que faz, o que Lula quis ver ainda mais explícito: "se eu faço", que não é "se eu fizesse", mas reconhecimento ativo e presente continuado. E conclui com a identificação de que o ato que ele preferiu "fazer para nós aqui" era de "campanha eleitoral". Lula, no entanto, viajou para Queimados na condição de presidente e, segundo a agenda oficial, para um ato de presidente e servido pelo aparato presidencial.
Queimados fica na Baixada Fluminense, o que dispensa de mencionar suas características econômicas e sociais. Apesar disso, o custo do comício custou-lhe, pelo cálculo de Rogério do Salão, o equivalente a 5% do que estaria liberado pelo governo federal para o projeto da obra incerta. O que saiu dos cofres federais não foi calculado, nem se espera que seja: vôo do AeroLula e seus confortos, custos preparatórios com equipe avançada, acompanhantes, salários e vencimentos, sem falar em um dia remunerado pelo governo mas sem trabalho da comitiva para o serviço público.
Na véspera, Lula desmentira as notícias de que decidiria em fevereiro, no máximo em março, se seria candidato ou não. Jantava com senadores do PMDB, ocasião em que lhes disse: "Até junho vou inaugurar, lançar, divulgar, fazer tudo o que tenho direito porque sou presidente até o fim do ano". E deu junho, limite de sua inscrição eleitoral, como o mês da decisão.
O que começou no jantar com os governistas do PMDB e se completou em Queimados, foi a explicitação da tática de Lula: sob o argumento de que é presidente, usar a máquina e outros recursos do Estado para fazer campanha durante seis meses, pelo Brasil todo, e ao final confrontar os ganhos eleitorais dessa campanha e as condições de seus competidores a 90 dias das urnas.
A tática é inteligente e desde o início insinua seus efeitos. Se a evidente ilegalidade em que lança o seu beneficiário trará, ou não, alguma das decorrências a que ilegalidades estão sujeitas, são outros muitos quinhentos. O poder é o Poder e o Brasil é o Brasil.


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