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ELIO GASPARI
Em Santiago, Lula ficará mal na foto
Dia 11 de fevereiro "nosso
guia" estará em Santiago
para a posse de Michelle Bachelet.
Terá Evo Morales, presidente da
Bolívia, no mesmo palanque.
Nesse trio, Lula simbolizará a
apropriação, pelo andar de cima
de Pindorama, dos recursos que
o Estado morde no de baixo.
Personificará a compulsão do
usufruto. Para seu constrangimento pessoal, terá ao lado dois
governantes que dão exemplos na
direção oposta.
Pelo seguinte: o companheiro
recebe mensalmente um salário
de R$ 8,5 mil. Até aí, tudo bem,
quem trabalha de graça é relógio.
Lula acumula esse dinheiro com
R$ 3,9 mil mensais de pensão
como vítima da ditadura. (Em
1980, o governo cassou seu mandato sindical e manteve-o preso
por 31 dias.)
A nova presidente do Chile é filha de um general morto na prisão em março de 1974. Ela e a
mãe estiveram nos cárceres de Pi
nochet por cerca de um mês, foram torturadas e gramaram seis
anos de exílio na Austrália e na
Alemanha. Michelle Bachelet renunciou à indenização oferecida
pelo Estado chileno.
Até bem pouco tempo, Evo Morales morava num quarto alugado. Anunciou que devolverá ao
erário cerca da metade do salário
presidencial de 30 mil bolivianos
(R$ 8.600). Determinou aos ministros que façam o mesmo.
Lula arrecada quase quatro vezes a média de R$ 1.000 dos 13 milhões de trabalhadores aposentados pelo INSS. Em valores reais,
"nosso pensionista" já recebeu
mais de R$ 700 mil.
As viúvas dos três auditores fiscais do Ministério do Trabalho
assassinados em Unaí, em 2004,
receberão indenizações de R$ 200
mil cada uma. Além disso, ganharam uma pensão mensal de
R$ 400. Se cada uma delas viver
mais cem anos, ainda assim não
chegará ao valor que Lula já recebeu. Seus maridos morreram a
serviço da República reprimindo
o trabalho escravo,
Se o companheiro tivesse sido
vítima da ditadura chilena (4.000
mortos e desaparecidos, 45 mil
torturados) teria direito ao benefício de uma lei genérica: um único cheque de três milhões de pesos
(R$ 13,5 mil), uma pensão mensal
equivalente a R$ 517 e estamos
conversados. São necessários
mais de cinco pensões chilenas
para remunerar o bem-aventurado sindicalista brasileiro.
No Brasil do PT-Federal, o
exemplo pedido por Evo Morales
a seus ministros não prosperaria.
Os doutores não mexeram na tradição tucana. Quando podem, os
"altos companheiros" turbinam
seus salários em conselhos de empresas estatais onde têm assento.
Em novembro passado, o repórter Fábio Zanini mostrou que essas boquinhas haviam rendido
pelo menos R$ 743 mil para seis
afortunados. O melhor pedaço do
pernil foi para o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando
Furlan, que recebeu R$ 182,3 mil
como conselheiro de dois cenáculos do velho e bom BNDES. O
doutor é um poderoso empresário, grande acionista do frigorífico Sadia.
Lula não inovou. Apenas preservou iniqüidades que lhe convinham. A sorte lhe faltou quando
viu-se no mesmo pedaço de mundo onde estão os exemplos de Michelle Bachelet e Evo Morales.
O mundo encantado da enganação tucana
Dois grão-tucanos deram, na
quinta-feira da semana passada,
uma preciosa contribuição à
campanha eleitoral deste ano: expuseram publicamente a opção
pelo embuste. Nos dois casos, tratou-se de enganar a patuléia maquiando ruínas da rede de saúde,
fazendo de conta que aparelho
travado funciona e que o inexistente existe. (Em 1998, o tucanato
manteve-se no Palácio do Planalto fingindo que a crise cambial
era coisa de pessimistas do PT.
FFHH reelegeu-se em outubro, e o
Brasil quebrou em janeiro.)
José Serra, prefeito de São Paulo
e candidato a presidente da República, resolveu medir sua pressão arterial durante uma visita
ao posto de saúde de Cidade Tiradentes, localidade habitada por
150 mil cidadãos de baixa renda.
Acompanhado por jornalistas e
fotógrafos, sentou-se diante de
um daqueles aparelhos com bolinha de mercúrio. Veio o primeiro
e, pffff. Trouxeram outro, dessa
vez pilotado pela secretária de
Saúde, Maria Cristina Cury.
"Finge que funciona", disse-lhe
o prefeito.
Pfff.
"12 por oito", anunciou a secretária.
O prefeito e a doutora estavam
num posto de saúde destinado a
atender famílias de trabalhadores, dois aparelhos de medir pressão não funcionaram e, em vez de
o céu desabar, privilegiou-se uma
sessão de fotografias, simulando-se um tudo-bem. Não ocorreu ao
prefeito dizer que só sairia dali
quando alguém conseguisse trazer um medidor de pressão capaz
de medir pressão. (Os aparelhos
não funcionavam porque eram
novos e continuavam lacrados.
Continuavam lacrados porque
não eram coisa do mundo da saúde pública de Cidade Tiradentes.)
No Rio de Janeiro, o tucanão
Ronaldo Cezar Coelho, secretário
municipal de Saúde, acompanhou o ministro Saraiva Felipe
numa visita ao Hospital Souza
Aguiar, o maior pronto-socorro
da cidade. Tudo uma beleza.
O ministro esteve num bonito
auditório, perfeitamente refrigerado, no agradável padrão dos
20C. Tudo mentira. O ar
dos doutores era falso, soprado
por dez máquinas alugadas por
quatro horas. Dezenas de metros
adiante, na sala de espera do
setor de emergência, a refrigeração deficiente levava algumas
pessoas a refrescarem-se com
panos úmidos.
O secretário Ronaldo Cezar
Coelho informou que o aluguel
da frescura foi decisão sua. Disse
assim: "Não faz sentido receber o
ministro da Saúde aqui e não ter
ar condicionado. (...) Isso é implicância de quinta categoria e não
tem nada a ver com saúde. É uma
bobagem. (...) Não sei quanto custou e não vou discutir preço de
aluguel de ar-condicionado".
Se o secretário achava que não
fazia sentido receber o ministro
sem ar refrigerado, deveria recebê-lo em casa ou no seu gabinete.
O que não faz sentido é associar a
temperatura de um prédio público à presença de maganos. (Idéia:
ministros e secretários com aparelhos portáteis, como os dos astronautas.) A cobrança não deriva de implicância nem de bobagem. Deriva da falsificação deliberada da realidade. A resposta
de Ronaldo Cezar Coelho reflete a
arrogância do andar de cima, onde as pessoas habituam-se a
achar que existe um Brasil onde
não faz calor. Se faz, como fazia
na emergência do Souza Aguiar,
o problema é do brasileiro, que
sempre vai para o país errado.
Felizmente, no dia 1º de outubro, as turmas de Cidade Tiradentes e da emergência do Souza
Aguiar vão batucar as maquininhas das seções eleitorais.
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