São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

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JANIO DE FREITAS

Mais cabeças, mais direitos


Os problemas relativos a refugiados são sempre sérios demais para dependerem da opinião de uma só pessoa

O "IMBRÓGLIO" ítalo-brasileiro criado com o status de refugiado concedido a Cesare Battisti, pelo ministro Tarso Genro, tem ingredientes para todos os gostos -ideológico, jurídico, diplomático, político e, provavelmente o mais grave para os dois países, talvez o futebolístico, em vista de um amistoso das suas seleções. Muito aquém desses ingredientes todos, minha ótica exausta e enviesada se volta para um outro e lhe atribui importância maior, por dizer respeito à nossa sinuosa maneira de ser democracia.
Para quem não acompanha o caso, o italiano Cesare Battisti é condenado à prisão perpétua em seu país, sob acusação de autoria e coautoria em quatro assassinatos. Os fatos são de fins da década de 70, fase de violências políticas na Itália, e são atribuídos a ações da organização Proletários Armados pelo Comunismo, da qual, na época e até não faz muito, não tive notícia alguma. Depois de anos na França, onde se fez escritor, Battisti veio viver em meia clandestinidade no Brasil e requereu a condição de refugiado, equivalente à plena legalidade. Obteve-a do ministro Tarso Genro, da Justiça.
A primeira observação indispensável, vistas as reações na Itália e as críticas intensas ao ministro, é a de que Tarso Genro não contrariou orientação presidencial nem excedeu o seu poder legal. Aí mesmo, porém, está o ingrediente indigesto para a democracia.
Na selva burocrática há um tal Conare, o Comitê Nacional para Refugiados, que opinou por 3 a 2 contra a concessão do refúgio. A Procuradoria Geral da República deu parecer recomendando a recusa ao pedido de refúgio. A concessão, pelo ministro, contrariou e sobrepôs-se aos dois órgãos, sem por isso violentar o permitido. Se é correta em seu sentido ou não é outro assunto.
Há algo de errado, portanto, com a existência, ou com a formação, ou com o alcance das responsabilidades conferidas ao Conare. Para que a representação plural, os trabalhos de apoio, o parecer, se um ministro pode definir a decisão do problema por sua própria cabeça, só ela? Tanto faz se para proclamar "estão certos", os pareceres do Conare e da Procuradoria, ou "estão errados".
Os problemas relativos a refugiados são sempre sérios demais, jogam com destinos humanos e não raro com vida ou morte, para dependerem da opinião - precária como é da natureza das opiniões - de uma só pessoa. Há, nesse absurdo de poder, uma falência do respeito ao humano e da proteção democrática às formas de julgamento mais seguro, ou, melhor, menos inseguros.
O cargo de ministro da Justiça, ocupado com critério em um dia, pode não o ser em outro. Por muitos motivos, inclusive o de sempre envolver aspectos jurídicos, o refúgio e o asilo deveriam ser decididos em cortes do Judiciário. Não porque seus integrantes sejam todos isentos ante todos os aspectos que envolvem muitos refugiados, políticos ou não. Mas o debate público e a votação nos tribunais ficam mais próximos da democracia, quando se trata de destinos humanos.

A falha
Sempre a frustração da segurança. Tão grande esquema policial-militar para quê, se Bush escapou com facilidade?


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