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São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 2003

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CASO CC-5

Alberto Youssef teria ajudado a fazer transferências de dinheiro para contas bancárias operadas por "fantasmas"

Doleiro pode estar ligado a fraude no Paraná

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma fraude de R$ 84,6 milhões contra uma estatal paranaense e o governo do Estado do Paraná apresenta indícios de participação do doleiro Alberto Youssef, o mesmo que tem o nome citado nos casos de evasão de divisas por meio de contas CC-5 (de não-residentes no país).
Youssef aparece em uma fita de vídeo gravada pelo circuito interno de uma agência do Banco do Brasil em Curitiba, em 6 e 13 de dezembro do ano passado. Naquelas datas, ele acompanhou dois pagamentos de R$ 13,2 milhões da empresa Copel (Companhia Paranaense de Energia).
Outro pagamento no mesmo valor foi efetuado da mesma forma em 20 de dezembro. Total: R$ 39,6 milhões.
É a primeira vez que aparece uma prova documental da atuação de Youssef, com ele ajudando a fazer uma transferência de dinheiro para contas bancárias operadas por "fantasmas".
Segundo uma investigação do Ministério Público do Estado do Paraná e da Procuradoria Geral do Estado, o valor pago pela Copel referia-se à compra de um crédito de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). É comum esse tipo de operação: uma empresa que tem direito a pagar menos impostos vende esse benefício a outras firmas. O problema é que os créditos comprados pela Copel não eram regulares.

Empresa falida
A compra foi de uma empresa falida do setor agropecuário, a Olvepar (Óleos e Vegetais Paraná S/ A). Foi uma operação intrincada, possivelmente destinada a dificultar a sua identificação.
"A ausência do governador na administração do Estado causou um processo de predação, como foi esse caso da Copel", diz o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB). À época da fraude registrada na Copel, o governador era Jaime Lerner (PFL).
Requião recebeu os dados da operação do deputado estadual paranaense Tadeu Veneri (PT). "Entreguei tudo para o Ministério Público investigar", afirma o governador.

Pagamento com ICMS
O caso se deu assim:
1) Rodosafra - essa empresa de transportes do Paraná tinha um crédito R$ 15 milhões para receber da Olvepar. Em dificuldades, a Olvepar ofereceu pagamento na forma de créditos de ICMS que tinha junto ao governo do Paraná.
2) Créditos irregulares - ocorre que os créditos de ICMS da Olvepar não foram reconhecidos como regulares pelo Tribunal de Justiça do Paraná em 2000. Mesmo assim, a empresa deu em abril de 2002 uma procuração para a Rodosafra buscar para si os créditos da Olvepar.
3) Falência - em agosto de 2002 foi decretada a falência da Olvepar. Não consta na documentação da massa falida a existência de créditos de ICMS.
4) Governo autoriza - em 28 de novembro de 2002, a menos de dois meses do final do governo de Jaime Lerner, a Rodosafra protocola na Secretaria da Fazenda do Paraná um pedido de reconhecimento dos créditos de ICMS da Olvepar no valor total de R$ 67 milhões.
Embora o regulamento do ICMS paranaense determine que esse tipo de processo seja analisado pela Coordenadoria da Receita Estadual, o então secretário da Fazenda, Ingo Henrique Hubert, pede apenas pareceres ao Tribunal de Contas do Estado e à Secretaria de Governo. As respostas nos dois casos são favoráveis.

Sinal verde
Apesar de um processo de reconhecimento de crédito de ICMS demorar, em média, 90 dias após rigorosa auditoria de documentos, Hubert deu o sinal verde para a operação em apenas nove dias, em 6 de dezembro de 2002;
5) Irregularidade - a investigação em curso descobriu que o Tribunal de Contas do Paraná deu apenas um parecer genérico, com base em amostragem dos documentos, afirmando não ter qualificação para a análise requerida. As notas fiscais da Olvepar não foram vistoriadas para verificação da existência dos créditos de ICMS -que aliás já tinham sido considerado inválidos pelo TJ do Paraná dois anos antes.
6) Dupla função - além de ser secretário da Fazenda, Ingo Henrique Hubert era também diretor-presidente da Copel. Nessas duas funções, decretou que os créditos de ICMS da Olvepar eram legais e, em seguida, autorizou a Copel a comprar R$ 45 milhões. Por esses créditos, a Copel teria um "desconto" pagaria R$ 39,6 milhões.

Prejuízo
7) Valor total da fraude - segundo as investigações em curso, o valor total do prejuízo foi de R$ 84,6 milhões. Trata-se da soma dos R$ 39,6 milhões desembolsados pela Copel (pela compra de créditos de ICMS) e mais R$ 45 milhões referentes a ICMS que não foi pago pela Olvepar ao Estado do Paraná;
8) Fora de horário - no dia 6 de dezembro de 2002, o advogado Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini compareceu à agência 1.622 do Banco do Brasil, em Curitiba depois das 18h30. Ao seu lado aparece Alberto Youssef, conforme imagens da fita de vídeo do circuito interno da agência bancária. Aparece também na fita um diretor da Copel.
Pieruccini se apresentou como representante da Olvepar, mas não tinha, na ocasião, documento que provasse isso. Recebeu nesse dia, mesmo assim, a primeira parcela do pagamento no valor de R$ 13,2 milhões.
Procurado pela Folha ontem, Pieruccini disse: "Não tenho nada a declarar".

Empresas fantasmas
Ao receber o dinheiro, Youssef e Pieruccini depositam os valores em quatro contas de uma agência do Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Essas contas, de acordo com o que foi apurado até agora, pertencem a empresas fantasmas e hoje não têm mais saldo.
Parte dos R$ 39,6 milhões também foi para a Rodosafra, a empresa que era credora da Olvepar. O representante da Rodosafra, Luiz Sérgio da Silva, recebeu R$ 13,5 milhões.


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