São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª

FERNANDO PIMENTEL

"Se eleita, Dilma não ficará refém do PT"

Coordenador da pré-campanha da ministra diz que ela não precisará pagar os mesmos pedágios que Lula ao partido O EX-PREFEITO de Belo Horizonte Fernando Pimentel (PT-MG) é hoje o representante mais autêntico do que o presidente Lula chama de "a turma da Dilma". Coordenador político da pré-campanha de Dilma Rousseff à Presidência, ao lado de Antonio Palocci, ele é amigo da ministra há mais de quatro décadas. Para ele, Dilma tem chances concretas de penetrar nas mentes da "nova classe média", criada com a inclusão social promovida no governo Lula.

FERNANDO DE BARROS E SILVA
MALU DELGADO

ENVIADOS ESPECIAIS A BRASÍLIA

Se Dilma vencer, terá uma gestão pragmática e não à esquerda, afirma Pimentel. Sua vinculação recente ao PT, diz ele, lhe deixará mais livre que Lula: "Ela tem muito mais autonomia para ouvir o partido, respeitá-lo, mas, se for o caso, não pagar os pedágios que o presidente Lula pagou e paga. A tese de que ela vai ficar refém não subsiste à realidade". Nesta entrevista, ele afirma, ainda, que é prematuro definir o atual fenômeno social sob Lula como lulismo.

 

FOLHA - O PT incorporou às diretrizes do programa de governo para Dilma Rousseff bandeiras da esquerda. Se eleita, ele teria perfil à esquerda ou de centro, como Lula?
FERNANDO PIMENTEL
- A tônica de um governo Dilma vai ser uma continuidade do governo Lula, até porque ela é personagem fundamental deste governo. O grande salto do governo foi depois de 2005, após a crise do mensalão, quando ela assumiu [a Casa Civil]. Ela foi a pessoa que liderou a reconstrução interna do governo, com a chegada do PMDB aos ministérios. Como é a âncora do governo Lula, o que se deve esperar é a continuidade desta linha pragmática. Nem à direita, nem à esquerda. É fazer o que é necessário para o Brasil dar certo.

FOLHA - Dilma tem um perfil ideológico mais definido que Lula. O PT vê em Dilma a possibilidade de recuperar bandeiras históricas, com menos concessões?
PIMENTEL
- Não vejo por que haveria tal inflexão.

FOLHA - Houve inflexão de Lula à esquerda no 2º mandato?
PIMENTEL
- Podemos dividir o nosso governo em dois momentos: o que precede a crise política do chamado mensalão e o momento posterior. Naquele primeiro nós tínhamos definição clara do que deveria ser feito sob o ponto de vista das políticas macroeconômicas. Palocci foi fundamental para garantir a estabilidade. O José Dirceu, na Casa Civil, também cumpriu papel fundamental. Havia uma forte aposta, quando Lula foi eleito, de que nós não íamos dar conta de governar o Brasil. Diziam que a gente não teria governabilidade. Tivemos. Gosto de ressaltar isso porque o Dirceu foi muito castigado neste processo, estigmatizado, como se fosse uma pessoa nociva. E não foi. Ele foi uma pessoa importantíssima na montagem inicial do governo e na sustentação até o momento fatídico da crise. Lula teve uma enorme sabedoria quando convocou Dilma para assumir o lugar de Dirceu. E logo em seguida, o Palocci sai. Convivi muito de perto [com o governo] neste período. Foi um momento de muita solidão. O Palácio do Planalto estava esvaziado, virou um lugar meio maldito. Neste momento dramático, quando a Dilma chega, o presidente está começando a fazer sua opção. Claro que ela estava sendo colocada à prova. Passou no teste.

FOLHA - Palocci e Dirceu estariam num governo Dilma?
PIMENTEL
- Quem tem que decidir é a própria Dilma. Ela tem relações pessoais e fraternas com os dois. As situações são diferentes. O Zé está sendo processado ainda. Dificilmente teria uma função pública. São personagens políticos de primeira grandeza. Não vejo como prescindir dessas pessoas. O Palocci não tem mais nenhum processo.

FOLHA - E a sua presença num governo da Dilma?
PIMENTEL
- Eu não posso falar em causa própria. Estou ajudando a Dilma, que é minha amiga de 40 anos, e sempre estarei disponível para ajudá-la. A escolha da equipe é de quem ocupar o posto de presidente.

FOLHA - Isso desemboca na questão de Minas.
PIMENTEL
- O presidente Lula disse que nós [ele e Patrus Ananias] estamos numa enrascada em Minas. No fundo, não tem essa coisa tão áspera. Tivemos uma disputa muito acirrada pelo diretório estadual do PT. Passou. Sou amigo do Patrus. O PT vai ter que decidir qual é a tática em Minas Gerais, se vamos ter candidato próprio ou se vamos nos aliar ao PMDB. Hoje todo mundo trabalha com a ideia de palanque unificado. Vou fazer o que for melhor para o projeto coletivo, que é eleger a Dilma. Neste momento, meu sentimento é Zeca Pagodinho: deixa a vida me levar.

FOLHA - Os problemas no PT começaram a partir de sua aliança com Aécio Neves (PSDB)?
PIMENTEL
- Há um entendimento um pouco equivocado disso. A questão de fundo não é essa, da aliança com o PSDB. É a concepção de partido e de estratégia política. Os adversários em Minas dizem que maculei o partido porque fiz filiações em massa. E o outro lado defende militância de raiz. O PT do pós-Lula tem de ser o partido das grandes massas brasileiras, da nova classe média, que é o canal da política. Não pode ser a política no sentido de 30 anos atrás, quando fundamos o PT. O mundo mudou. Eu não tenho que exigir que o sujeito tenha lido Marx e Lênin para ser militante do PT.

FOLHA - André Singer, em seu artigo recente sobre as raízes sociais e ideológicas do lulismo, coloca que houve em 2006 um descolamento entre a base histórica do PT e a base que elegeu Lula. Como essa massa, que não é petista, vai se comportar?
PIMENTEL
- Vai votar na Dilma. Acho o artigo do Singer extremamente bem posto, mas prematuro. Não sei se tem lulismo. Nós temos um líder excepcional, que é o presidente Lula. Nunca houve outro como ele na história do Brasil. Mas, daí a dizer, como forçam nossos adversários, que há um subperonismo, é demais. É diferente. O Peronismo eu sei o que é, está lá, há os subprodutos. Aqui não temos tempo histórico para fazer essa análise ainda. Caracterizarmos que tem o lulismo de um lado e o petismo de outro é meio precipitado. Há um fenômeno novo mesmo, que é a emergência de um novo segmento social. É esse cidadão, que estava na linha de pobreza, e agora é uma classe média baixa. Se interessa pela política com um olhar diferente, mais cidadão. Essa gente não é massa de manobra, que vai para onde o líder for.

FOLHA - O sr. também descartaria uma certa vinculação de Lula com o getulismo?
PIMENTEL
- Sem dúvida. Getúlio nunca teve um partido. Era um líder fantástico, mas foi um ditador. Não tinha nenhuma inserção autêntica como tem Lula. Lula tem um senhor partido. A Dilma valoriza muito isso.

FOLHA - Lula se referiu ao congresso do PT como uma verdadeira "feira ideológica". Ele é hábil ao administrar as diferentes correntes do partido, mas isso não ocorre com Dilma. Como ela vai lidar com o PT, que não conhece bem, e qual será sua autoridade política numa coalizão?
PIMENTEL
- Às vezes a mídia tem uma tese pronta, de que a Dilma vai ficar refém. É o contrário. O PT é que vai ficar refém dela. Ela tem uma autonomia muito maior em relação ao partido do que Lula tem. Lula é o partido. Ele construiu o PT. Ele não tem como se autonomizar, digamos assim. Ela tem muito mais autonomia para ouvir o partido, respeitá-lo, mas, se for o caso, não pagar os pedágios que Lula pagou e paga. A tese de que ela vai ficar refém não subsiste à realidade. O PMDB e os outros partidos não são um problema de Dilma. Podemos dizer que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ficou refém do PFL. Lula, refém do PMDB. É uma visão um pouco pobre. A realidade política é muito complexa. Nós não podemos prescindir de um partido como o PMDB. Nem nós nem nenhum governo.

FOLHA - O ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE) vê uma "frouxidão moral" nesta aliança.
PIMENTEL
- Tenho muito respeito por Ciro, mas essa é uma crítica fácil. Como é que nós vamos fazer a construção política necessária para dar governabilidade a qualquer governo ao largo deste roçado de escândalos [termo usado por Ciro]? Porque o roçado de escândalos significa um terço do Parlamento. Na condição de franco atirador, tudo bem. Se quer ser presidente da República, terá que governar com isso. O ideal é que Ciro não seja candidato à Presidência. A realidade vai se encarregar disso.

FOLHA - Qual a sua opinião sobre a candidatura da ex-ministra Marina Silva (PV)?
PIMENTEL
- Acho uma candidatura emblemática. Vejo companheiros fazendo uma crítica pesada a ela, de que é oportunista. Não é. Ela tem uma história de vida que a qualifica. Ela exerce um pouco um apostolado nesta área. Temos que respeitar.

FOLHA - Num eventual segundo turno ela estaria ao lado da Dilma?
PIMENTEL
- Com certeza. Não vejo hipótese de a Marina estar num palanque do PSDB. Isso não existe. Ela pode discordar, fazer críticas, mas ela é nossa companheira.


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