São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 1998

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ELIO GASPARI

O samba da Viúva

Vai a R$ 5 bilhões o ervanário das dividas dos governos estaduais que os empreiteiros querem rolar para a bolsa da Viúva. Eles estão numa corrida contra o tempo. Se conseguirem dobrar o ministro Pedro Malan até 31 de março, levam o dinheiro. Se até lá a Viúva não dançar, caduca o Carnaval. Os empreiteiros têm o direito de cobrar esse dinheiro dos governadores que lhes compraram as obras e não as pagaram. São dividas estaduais e devem ser pagas pelos Estados. A Viúva federal não tem porque absorvê-las. Com R$ 5 bilhões, Malan pode fazer o seguinte:
1) suspender o corte de R$ 300 milhões da merenda escolar;
2) dobrar os gastos do Ministério da Saúde com vacinações;
3) decuplicar os recursos do programa do leite, que em 1997 atendeu 1,4 milhão de crianças e gestantes;
4) aumentar em 50% os salários em todas as instituições de ensino superior do país, por um ano;
5) depois de tudo isso, ainda sobra R$ 1 bilhão, que poderia vir a ser o núcleo da Fundação Gustavo Franco, destinada a amparar desempregados.

O IBGE estava certo

O doutor José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, deve desculpas ao IBGE. Em maio do ano passado, o instituto informou que o crescimento do PIB deveria ficar um pouco abaixo de 3%.
Como Mendonça de Barros apostava em outro número, lembrou que, no ano anterior, alguém no IBGE fizera uma previsão baixista e depois veio a revê-la.
O doutor informou:
- Isso me deixa incomodado. (...) Não sei que número vai dar, mas suponhamos que seja algo entre 3,5% e 4%. Acho que vai dar em torno disso, por causa da mudança de composição. Isso não é uma previsão.
Pois agora saiu o número certo. É 2,9%. O IBGE tinha razão.
Em três anos de tucanato, o PIB cresceu à média de 3,4%, um fio de cabelo acima da marca mundial e um terço abaixo da média dos países em desenvolvimento.
Entre 1979 e 1988, época que hoje se denomina de "passado", o Brasil cresceu a 3,2% ao ano. De 1989 até hoje, quando se vive o futuro, o crescimento ficou em 1,6% ao ano. Isso mal paga a expansão demográfica.
Se a economia crescer 2% neste ano, o Primeiro Reinado terminará com um crescimento médio de 3% , uma das piores marcas do Período Republicano.

Faca esperta

A coragem dos ministros para cortar gastos de pessoal é diretamente proporcional à distância dos órgãos que mutilam.
O companheiro José Israel Vargas (Ciência e Tecnologia) fechou 1997 gastando 37% a mais na folha da administração direta, mas cortou 2,5% do Conselho Nacional de Pesquisas.
O companheiro Francisco Weffort (Cultura) aumentou a folha da administração direta em 5%, mas cortou a da Casa de Rui Barbosa em 1%.
O professor Paulo Renato Souza gastou 6,2% a mais na administração direta e 77% a menos na Fundação de Assistência ao Estudante, aquela que cuida da merenda escolar.

Os EUA iam invadir o Nordeste

Depois de meio século de suspeitas e indicações superficiais, chegou-se finalmente a um documento que permite a afirmação: em 1942, os Estados Unidos estavam prontos para invadir o Nordeste, caso o ditador Getúlio Vargas não lhes entregasse as bases aéreas de Natal e Recife, essenciais para que os aviões americanos cruzassem o Atlântico.
No dia 12 de janeiro de 1942, pouco mais de um mês depois do ataque japonês a Pearl Harbor, todos os chanceleres americanos estavam reunidos no Rio de Janeiro. A reunião fora pedida pelo presidente Franklin Roosevelt e se destinava a obter o rompimento de relações diplomáticas da América Latina com o Eixo Roma-Berlim-Tóquio. Doze países já tinham feito isso, mas faltavam os Três Grandes -Brasil, Argentina e Chile. Dos três, só o Brasil tinha importância estratégica, por causa das bases aéreas. Vargas tinha namorado os alemães. Seu ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, comemorara a queda de Paris, e o chefe do Estado Maior do Exército, general Goes Monteiro, passara os últimos anos com a certeza da vitória nazista na cabeça e a Grã Cruz da Águia Alemã no uniforme. Vinham pedindo armas ao governo americano, mas não eram atendidos.
Os americanos temiam três coisas: um ataque alemão na costa brasileira, um golpe filonazista na Argentina e uma insurreição das comunidades alemãs e italianas do Sul do Brasil. Em 1940, para conjurar essa hipótese, o Exército americano, autorizado por Roosevelt, concebeu um plano audacioso. Chamava-se "Pote de Ouro" e previa a ocupação de toda a costa brasileira, de Belém ao Rio de Janeiro. Mobilizaria 100 mil soldados, mas foi superado.
No final de 1941, enquanto o adido militar americano contava a amigos brasileiros que os Estados Unidos tomariam as bases do Nordeste "por bem ou por mal", concluiu-se em Washington um novo plano, prevendo a ocupação dos campos de pouso de Belém, Natal, Recife e Salvador. Numa de suas versões, denominada "Arco-Íris 5º", mobilizaria 60 mil homens. Noutra, a "Lilac", o serviço poderia ser feito com 15 mil na vanguarda.
Antes mesmo do ataque japonês a Pearl Harbor, as pressões para que Vargas entregasse as bases eram tão grandes que ele registrava em seu diário: "Não é uma colaboração. É uma violência".
Por via das dúvidas, duas semanas depois da entrada dos Estados Unidos na guerra, 150 fuzileiros navais americanos desembarcaram pacificamente nas bases de Belém, Natal e Recife.Todos esses fatos e documentos são conhecidos. Faltava o elo hierárquico, capaz de demonstrar que o material conhecido não era uma simples associações de conjecturas e planos de contingência habituais em tempo de guerra. Os americanos estavam realmente dispostos a atacar. O elo apareceu.
Trata-se de um telegrama do subsecretário de Estado Sumner Welles, ao presidente Roosevelt, datado de 12 de janeiro de 1942. Ele chefiava a delegação americana na Conferencia do Rio, e nela estava o chefe do Estado-Maior americano, general George Marshall. Getúlio continuava remanchando e Welles transmitiu ao presidente dos Estados Unidos a opinião do general:
- Marshall diz que não é seguro dar ao Brasil armas que poderão ser usadas contra nós, mas uma revolução (pró-Eixo) no Brasil pode ter repercussões fatais. (...) Se nós acharmos necessário entrar a força no Nordeste brasileiro, o esforço pode vir a ser maior do que estamos supondo. O general queria que Roosevelt o autorizasse a oferecer armas a Getúlio. Ele autorizou, e uma semana depois Welles esteve com o ditador, garantiu-lhe o fornecimento e obteve a promessa do rompimento com o Eixo, feita sem qualquer entusiasmo. Dutra viria a se queixar de que os americanos não lhe deram exatamente as armas que pediu. Além disso, em abril de 1942, o general Eisenhower, assistente de Marshall, ordenou atualizações ao plano de operações no Nordeste.
Vargas cedeu e um ano depois encontrou-se com Franklin Roosevelt na base aérea de Natal, onde os americanos comandavam as pistas por onde passava o esforço de americano para a África.
*
O recado do general Marshall a Roosevelt foi revelado pelo filho de Welles, Benjamin, que acaba de publicar-lhe a biografia. Chama-se "Sumner Welles FDR's Global Strategist" ("Sumner Welles - O Estrategista Global de Franklin Roosevelt"). O episódio brasileiro ocupa três páginas. Para os sobreviventes da época em que viveu esse grande diplomata, morto em 1961, aos 69 anos, há no livro outra surpresa. Aristocrático e elegante, Welles era um americano de anúncio de roupas. Diplomata competente e grande amigo de Roosevelt, era a aposta certa para ocupar o cargo de secretário de Estado. Em 1943, inesperadamente, demitiu-se do cargo e da vida pública. Agora, o filho revelou a causa da desgraça. Sumner Welles era homossexual e estava sendo vigiado pelo FBI desde 1940, quando assediara um garçom do trem presidencial. Seus inimigos chantagearam Roosevelt e ganharam a parada.

A Petrocaos já não é a mesma

Não é muito, mas alguma coisa já mudou na Petrobrás. Em abril de 1997, o doutor Joel Rennó resolveu encomendar a construção de duas plataformas semi-submersíveis à empresa Maritima. Elas se chamarão Ametista 2 e 3. Deveriam ficar prontas em 18 meses e serviriam para furar o leito da plataforma da Bacia de Campos até uma profundidade de 1.200 metros. Enquanto fizessem esse serviço, a Petrobrás pagaria cerca de US$ 95 mil por dia. Outras empresas interessadas na encomenda acharam que o prazo estava curto e pediram que fosse ampliado. Nada feito. Uma auditoria feita há alguns meses revelou que as obras das Ametistas, baseadas no Canadá, estão atrasadas. No mundo petrocaótico do doutor Rennó, questões desse tipo acabam sendo aplainadas com mudanças nos contratos.
Não deu outra. Em janeiro, a diretoria da empresa reuniu-se e foi convidada a decidir a reformulação da encomenda. As Ametistas perfurariam até 1.500 metros e, em operação, seriam alugadas por US$ 120 mil ao dia. Como não poderia deixar de ser, os prazos seriam alterados. Esse tipo de coisa acontece com frequência na Petrocaos. Abre-se uma concorrência a um preço e a um prazo e, depois de conversas exclusivas com a empresa vencedora, chega-se a outro preço, noutro prazo.
Desta vez o negócio emperrou. Dois dos seis diretores ficaram contra a proposta e ela saiu da pauta. Poderia ter sido mandada ao arquivo, mas também não se pode querer tudo.

Uma grande idéia em sério perigo

A comissão de autoridades que planeja os eventos relacionados com as comemorações dos 500 anos da chegada dos europeus ao Brasil está com a idéia de botar uma grande escola na avenida.
Pretende reeditar os 378 volumes da Coleção Brasiliana, uma biblioteca publicada pela Companhia Editora Nacional e dedicada exclusivamente a assuntos brasileiros. Viveu seu período de esplendor nos anos 40 e 50, definhou e, hoje, a coleção completa é uma raridade. Num dos lances mais pitorescos do regime militar, o general Golbery do Couto e Silva estimulou a reedição de algumas dezenas de títulos. Incluiu alguns que julgava essenciais ao público e outros que faltavam à sua biblioteca particular.
A idéia da reedição está ameaçada por uma sugestão que pode transformar a escola de samba num bloco de travessa. Estuda-se a publicação das 378 obras não em papel, mas em CD-ROM. Sai muito mais barato, mas não serve para nada.
Se houver um só membro da comissão capaz de dizer que já leu um livro inteiro num terminal de computador a proposta passa de asnática a apenas excêntrica. O livro de papel é um equipamento tecnologicamente mais avançado que o computador. Não precisa de energia, a Light não consegue apagá-lo, pode ser levado para a praia e, se cair no chão, continua intacto. A leitura de um livro diante de um terminal é o equivalente elétrico de um castigo medieval: estudar sem mudar de posição.
Se os CDs forem impressos com as imagens fotográficas das páginas da Brasiliana, nem para pesquisa servirão, pois nesse tipo de reprodução é impossível varrer uma obra em busca de palavras específicas.
Se os textos dos 378 volumes forem recuperados, os CDs terão uma remota utilidade, ajudando pesquisadores abnegados. Ainda assim, o que se ganhará em economia não compensará a oportunidade desperdiçada da reedição em papel.
Uma nova Brasiliana, em papel, talvez valha menos do que o custo diário da publicidade autoglorificante que o governo torra.

ENTREVISTA

Ivan Paulo
(60 anos, maestro, arranjador dos discos com os enredos das escolas de samba do Rio, de 1981 a 1993, e de São Paulo, de 1987 até hoje.)
Do ponto de vista musical, vem aí um grande desfile?
Há três bons sambas. O do Salgueiro, o da Mangueira e o da Viradouro. Na média, dificilmente a avenida terá um grande Carnaval. A qualidade dos sambas vinha bem, mas começou a cair há uns quatro ou cinco anos. Ficou repetitivo, um parecendo demais com o outro. Isso está se refletindo na própria venda dos discos, que caiu bastante. Mas, ao mesmo tempo, estão vindo sopros novos. O samba da Mangueira é de paulistas. O do Salgueiro é de um amazonense, o Paulo Onça. Ele colocou batidas de índios dentro do seu samba, numa mistura só. Ninguém tinha feito isso antes. No arranjo musical, para o disco, entraram danças de boi e flautas indígenas. São novas influências que poderão quebrar a repetição.

Como é que se pode melhorar a qualidade dos sambas?
Se eu soubesse, ficaria feliz. Os mestres das baterias, encarregados de levar a escola com um samba de raiz, no batuque, estão se esforçando. Eles vêm recorrendo com muita beleza a novos tipos de paradinhas. São aqueles suspiros que a bateria dá, os chamados ornamentos musicais. Mas também não se pode querer que essas produções musicais façam milagres. A bateria e o puxador do samba tem que carregar mais de mil pessoas e manter o ritmo, tudo isso com a força do braço e da voz. É uma coisa tão difícil que não tem similar no mundo. A história do samba é assim. Quando ele parece parado, acontece uma coisa nova. Vem o Salgueiro com a Chica da Silva, o Império Serrano com Baticumbum e a coisa areja.

Afora os atores, celebridades e madrinhas de bateria, quais são as figuras para as quais o senhor chama a atenção do público nos desfiles deste Carnaval?
Há uma grande geração de puxadores de samba e eu acho que eles são pouco apreciados. Vale a pena acompanhar por alguns minutos o Preto Jóia, da Imperatriz, o Nego, da Grande Rio, o Dominguinhos, da Viradouro, e o Carlinhos, de Pilares. São artistas de muito talento e só podem ser ouvidos nos seus grandes momentos, nas condições especialíssimas do desfile. Artista com pouca roupa no alto de uma alegoria você pode ver em outras ocasiões, mas esses puxadores, só hoje e amanhã.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS

Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre os desconectados do vernáculo. Decidiu conceder uma de suas bolsas de estudo à professora Maria Beatriz Gomes da Silva, presidente da Comissão Estadual do Governo do Rio Grande do Sul para elaboração do Projeto de Informática na Educação. No relatório que essa comissão produziu, Natasha encontrou o seguinte adereço:
- O ambiente informatizado oportuniza a possibilidade de ruptura de estruturas estáticas. Toda experiência de aprendizagem pode ser simulada, mas a simulação, que é uma expressão simbólica, no ambiente digital passa a ser também "real", passível de experiência sensorial.
Madame acreditaniza que quiseram dizerinizar o seguinte:
- O computador é um instrumento pedagógico versátil.



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