São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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DOMINGUEIRA
Mano a mano

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Se a fase mais empolgante do alcoolismo é aquela na qual a vítima ainda não se tornou alcoólatra, o período mais inebriante do autoritarismo é aquele em que o poder ascendente pode apresentar-se como encarnação do reformismo e portador do futuro.
Foi assim no fascismo e no comunismo soviético, movimentos que mobilizaram massas e obtiveram apoio de intelectuais, artistas e cientistas.
Na América do Sul, também foi esse o caso do populismo autoritário, no Brasil representado pela mitológica figura de Getúlio Vargas, ainda hoje cultuada por certa intelligentsia nacionalista.
Não foi, porém, o que se passou com as ditaduras reativas aos movimentos de esquerda implantadas no Cone Sul, essencialmente repressivas, com pouca ou nenhuma capacidade de mobilização popular.
Convocadas para bloquear os "inimigos internos", perpetuaram-se como cães de guarda da periferia ocidental, até que vergassem sobre o próprio peso, num quadro de declínio econômico e entropia institucional.
Hoje, com a ruína do socialismo, o desarme da Guerra Fria e a crescente internacionalização capitalista, os países mais destacados do continente passam por um novo surto político-econômico. Tentam combinar sua pouca vivência democrática com a igualmente escassa experiência liberal na economia.
Carlos Menem na Argentina e Fernando Henrique Cardoso no Brasil são as duas figuras de proa desse cenário, governantes dos dois países que realmente pesam na região.
Caminham ambos de forma semelhante: impossibilitados, ao contrário do colega Fujimori, de simplesmente encetar um golpe contra as resistências à implementação do projeto liberal, vão arquitetando artifícios digeríveis pela precariedade da instituição democrática de seus países com vistas a um exercício duradouro e imperial do poder.
Menem e FHC conseguiram arrancar de seus Congressos o direito à reeleição. O argentino, já no segundo mandato, ensaia agora uma tentativa de rereeleição.
Enquanto isso, no Brasil circula um projeto que permitiria o Congresso aprovar reformas constitucionais com maioria simples...
Apenas para especular, é de se perguntar até que ponto um eventual êxito da manobra de Menem influenciaria o líder brasileiro, hoje em posição confortável para permanecer mais 4 anos no Planalto.
Muito provavelmente as reações no Brasil seriam tremendas, o que por si só é um estímulo à dissuasão.
Escaramuças inesperadas e acontecimentos imprevisíveis povoam, contudo, a história desse continente, ainda longe de um patamar seguro de estabilidade democrática e econômica.



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