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Elio Gaspari
O Congresso só vê o crime do "outro"
De 626 propostas de
arrocho nas leis, só duas destinaram-se a punir
delitos do andar de cima
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A FAXINA INICIADA pela Polícia
Federal nas malfeitorias de um
pedaço do Poder Judiciário é
uma nova oportunidade para que o
andar de cima nacional se dê conta do
tipo de segurança que pretende (e
consegue) impor a Pindorama. Acaba
de ser aprovada na Universidade de
Brasília uma tese de doutorado da
professora Laura Frade intitulada "O
que o Congresso pensa sobre a criminalidade". O trabalho abaliza o comportamento da legislatura que foi de 2003 ao início deste ano. É verdade
que esse período se tornará conhecido
como um das piores da história do
Parlamento. Mesmo assim, em matéria de segurança pública, não precisava ter sido tão desastroso.
Em quatro anos, foram apresentadas 646 propostas relacionadas com o
crime. Delas, 626 destinavam-se a
agravar penas, regimes e restrições.
Só duas relacionavam-se com as
delinqüências da turma do colarinho
branco. Esse mesmo Congresso atravessou seis CPIs e absolveu 12 dos 19
parlamentares incriminados. Baseada
na análise do processo legislativo e
em entrevistas com deputados e assessores, a professora testa a hipótese
de que o Congresso "não tem consciência do conjunto de imagens envolvidas na matéria e legisla para um
transgressor que "tem baixa instrução, é doente, indigno de confiança,
indisciplinado, pouco humano, desocupado, sujo e inferior". Algumas opiniões de parlamentares são óbvias ("o debate é casuístico"), mas pelo menos foi reveladora: "Falta profundidade. Funciona como revanche e nada acontece."
Esse sentimento de revanche indica que a coesão social brasileira está indo
para o brejo. Os legisladores do andar de cima querem leis mais severas para
os crimes do "outro": "O crime é percebido como um descumprimento da
lei, mas que ele ocorre "lá fora".
A conclusão da professora é dura: "A
lei, nessa legislatura, não esteve volta
da à cidadania, e sim à exclusão. Não
rompeu paradigmas. Os fortaleceu.
Não contribuiu para a melhoria da
condição social. Expôs a identificação
dos elaboradores legais com a elite,
(com uma) idéia da criminalidade fortemente ligada à pobreza".
A MÃO DOS BINGOS
Em fevereiro de 2004, a mensagem anual que Nosso Guia enviou ao Congresso prometia o
seguinte:
"A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o
setor e assegurar recursos para
o esporte social".
Quem costurou a versão final
da mensagem foi o secretário da
Presidência, Luiz Dulci. Numa
reunião ocorrida no Planalto,
Dulci assegurou que esse cascalho não passou pela sua mesa.
Enormes eram os poderes da
sorte dos bingos paulistas.
MADAME NATASHA
Preocupada com o avanço da
Polícia Federal sobre o patrimônio do idioma, Madame Natasha
vai procurar o ministro da Justiça, Tarso Genro, para lembrá-lo
de que em Pindorama se fala
português.
Chamar uma operação policial de "Hurricane" é um furacão de macaquice. Se é assim, o
ministro passa a se chamar Tarso Son-in-Law. Parecerá chinês,
mas continuará a ser Genro.
PSDB + PT
A imprevista aliança de tucanos e petistas de São Paulo voltou a negociar em Brasília a instituição do voto de lista.
Essa modalidade eleitoral
confisca o direito dos eleitores
de escolher seus representantes
junto ao Poder Legislativo. A
atribuição é transferida às direções dos partidos políticos, que
organizam a lista segundo suas
preferências. Assim, os comissários José Dirceu, ou seus sucessores, José Genoino e Ricardo Berzoini, teriam peso na armação da lista do PT. No PTB,
essa qualificação iria para o doutor Roberto Jefferson.
A desonestidade da manobra
está no segredo das conversas.
Os pais da idéia relutam em botar a cara na vitrine.
O CORRUPTO SUMIU
O professor Roberto Mangabeira tem dois códigos no seu
DNA. Um é a impaciência. O outro é o respeito pela opinião
alheia, exigido por 37 anos de
magistério em Harvard.
Se ele se relacionar com o Instituto de Pesquisa e Economia
Aplicada, o Ipea, com o DNA de
Harvard, a administração pública sai ganhando.
Se prevalecer o código da egolatria, vai haver confusão, da boa.
No Ipea, é feio um acadêmico sumir com textos que pareceram
oportunos quando foram publicados e, com o tempo, tornam-se
inconvenientes.
No dia 15 de novembro de
2005, Mangabeira publicou na
Folha seu conhecido artigo-manifesto intitulado "Pôr fim ao governo Lula". Pegava pesado:
"Afirmo que o governo Lula é o
mais corrupto de nossa história
nacional. (...) Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente".
O professor mudou de opinião, mas não lhe fica bem o sumiço desse texto na coleção de
quase 300 artigos que mantêm
na internet.
VINGANÇA ALEMÃ
No calvário de Paul Wolfowitz, a Alemanha está tirando a
forra da truculência americana.
Ela é uma discreta defensora de
sua partida da presidência do
Banco Mundial. Em 2000, na sucessão para o lugar de diretor-geral do FMI, Bill Clinton vetou
a candidatura de Caio Koch-Weser, vice-ministro das Finanças
de Bonn, apoiado por toda a Comunidade Européia. Era considerado muito simpático ao Terceiro Mundo. Koch-Weser nasceu em Rolândia, no Paraná, e lá
fez os primeiros estudos. FFHH,
aconselhado pela servidão voluntária da ekipekonômica, negou-lhe apoio.
A LAPA É A LAPA, A BARRA É A BARRA
A prefeitura do Rio está
aporrinhando a Lapa, santuário da renovação urbana do
velho centro carioca.
Sem maiores interferências do poder público, boêmios, garçons, cantores e
biscateiros recuperaram
aquele pedaço da cidade. Bebe-se em paz à sombra dos arcos porque naquelas ruas
ninguém é louco de se meter
com quem não conhece. A
transformação do bairro,
preservado pelo andar de baixo, fez surgir novos restaurantes, casas de espetáculos,
clientela e alegria.
Foi o suficiente para alguém achar que o povo estraga a paisagem. No último fim
de semana, patrulhas higienistas baniram mesas da rua,
churrasquinhos de gato, camelôs, comedores de fogo e
vendedores de cerveja gelada
no isopor. É a patuléia das
ruas, marca do Rio desde os
tempos coloniais.
A Lapa não tem vocação
para Barra. Manuel Bandeira
viveu nove anos na rua Moraes e Valle (aquela lingüeta
encostada na igrejinha dos
carmelitas). Em 1942, no dia
em que se mudou de lá, começou a escrever a "Última Canção do Beco". Vale ouvi-lo:
"(...) Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa-Lapa do Desterro-,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)"
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