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Todos os homens da Presidente Vargas
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
Sebastião, Valmir, José, Neílton, Severino e Walace não são
os homens do presidente Lula.
A origem humilde, a linhagem
nordestina, os erros do português ruim, o papelão que vira
colchão, a tigela de alumínio
com sobras de comida, o cobertor quadriculado, a tez suja e o
odor das ruas distanciam esses
homens do presidente de origem humilde, nordestino e com
escolaridade mínima. Sebastião, Valmir, José,
Neílton, Severino,
Walace e ao menos
outros 117 sem-teto
são os homens da
Presidente Vargas.
A avenida acolheu
os resistentes à ditadura na Passeata dos
Cem Mil em 1968,
gente que foi pedir
Diretas-Já em 1984,
jovens que lutaram
pelo "Fora Collor"
em 1992 e petistas
que festejaram Lula.
Há uma gente diferente agora. Na
quarta passada, perto das 23h, a Presidente Vargas abrigava -em dois quarteirões- pelo menos 125 pessoas
em suas calçadas. O mensalão
dos aliados de Lula, o caixa dois
petista, os dólares na cueca, a
greve de fome de Garotinho, os
ataques do PCC, pouco escapa
dessa gente que dorme na rua.
A fonte das informações são
jornais velhos que catam no lixo, televisores de bares e restaurantes e conversas que trocam com
porteiros, guardas
noturnos e camelôs. "Todo poder
corrompe. Votei no
Lula. Dizemos: "Se
eu estivesse lá, não
faria o que ele fez".
Faria, sim. O que
ele está fazendo é o
que 80% dos brasileiros fariam. Sou
contra, mas admito
que poderia fazer",
afirma Neílton Rodrigues, 40, há cinco meses vivendo
na avenida. Quando votou em Lula
estava empregado.
Com segundo
grau completo, nascido em Pirapora (MG), a 774 km do Rio,
Rodrigues trabalhava como
analista de crédito. Ganhava R$
440 por mês numa loja do Ponto Frio até perder o emprego.
Hoje é catador de latas e papelão. Ganha R$ 6, R$ 7 por dia.
Guarda os pertences pessoais
-inclusive o título de eleitor-
num dos bueiros da empresa de
energia Rio Luz em frente à
igreja de São Francisco da Penitência, na rua da Carioca.
Um dos que Lula não ajuda
"Não adianta não votar. Se
anula ou não vota, está perdendo. Tem de tentar. Não estou
esperançoso muito, não. Só se
cair uma bomba e os políticos
todos mudarem", afirma Rodrigues. "Quando o Lula ganhou achei que iria melhorar a
nossa vida. Que fosse dar emprego, salário digno. Agora sou
um dos que o Lula não ajuda."
Nas marquises sustentadas
por 72 pilotis de sete metros de
altura (36 de cada lado), base de
prédios de 30 andares que se
erguem entre as esquinas da
avenida Rio Branco com a rua
Uruguaiana, os homens da Presidente Vargas dormem, cozinham, brigam -por dinheiro,
por comida e por espaço- e até
amam -um casal se abraçava
sob um cobertor estendido em
um colchão, na altura do número 459, aos 20 C do outono.
Os presidentes são iguais
São quase todos homens. A
Folha contou apenas seis mulheres.
Para Walace Luís
Nunes, 21, de Volta
Redonda (RJ), a 129
km do Rio, eleição
não muda nada. "O
presidente que está
aí vai sair. Não vai
ganhar mais, não.
Não melhorou nada.
Outro vai entrar e
vai continuar igual.
FHC é igual a Lula,
que é igual ao Alckmin. Não voto em
nenhum", diz Nunes, que não tem título de eleitor.
Ele vive nas ruas
há dez anos. "Aqui
não existe morador
de rua, existe uma sociedade."
Uma sociedade cuja renda média diária varia entre R$ 5 e R$
10, normalmente vinda da reciclagem de latas e papéis. "Tem
gente aqui que rouba. Mas são
cheiradores de Thinner", diz.
Demo de Souza, que declara
não lembrar quantos anos tem,
nascido em Solônia (PB), a
2.450 km do Rio, conta que almoça todos os dias em um restaurante popular do governo
do do Rio que cobra R$ 1 a refeição, na Central do Brasil,
300 metros distante da calçada
onde dorme há cinco anos.
"Prefiro pagar a pedir."
O restaurante é uma das bandeiras de Anthony Garotinho.
"Mas nele não voto, não. Se
nem Deus cuida de pobre, porque político iria cuidar?"
O barbudo e o careca
Delúbio Soares e Marcos Valério, os agentes do mensalão,
são populares na Presidente
Vargas. "O barbudo e o careca
não têm cara boa, não. Se eu
fosse presidente, não tinha
chegado nem perto", resume o
pernambucano Cláudio José
Menezes, 37, nascido em Recife, a 2.338 km do Rio, e há quatro meses morando na avenida.
Os ataques do PCC na semana passada em São Paulo, a 450
km do Rio, foram acompanhados pelo paulista Severino Souza do Nascimento -"51, 52
anos" declarados, há um ano na
avenida- pelo aparelho de TV
de uma casa de sucos na esquina. "O pessoal fala que o Rio é
perigoso; São Paulo é pior. Saí
de lá porque não tinha emprego
nem comida. Aqui tenho onde
dormir e um monte de amigo",
afirma, apontando para uma
espuma estendida no chão e para um homem em que o estado
de embriaguez só permite dizer
que se chama Zezinho.
Marcos Pereira
da Silva, 27, nascido
em Piritiba (BA), a
1.594 km do Rio,
mora há 20 anos
nas ruas e "há um
tempão" na Presidente Vargas. Lembra que trabalhou
em uma campanha
eleitoral no Rio.
"Pagaram bem.
Prometeram-me
um serviço e não
deram. Pobre não
tem valor."
Ficou órfão aos 7
anos. "Meu pai
morreu de cirrose.
Muita cachaça. Minha mãe morreu de
derrame cerebral.
Aí, menino, peguei carona em
caminhão para vir para o Rio.
Queria vender bala, bananada."
De eleição, só participou da
de 1994. "Votei no Enéas. Porque ele é legal, alegre. Meu nome é Enéas!", repete ele o bordão que o candidato do Prona
deve repetir neste ano. Silva,
como muitos dos moradores da
Presidente Vargas, não quer ser
fotografado. "Tive encrencas.
Estava fumando maconha perto da Candelária. Passou a polícia, me pegou, me bateu, me levou para a delega. Deram bobeira, e eu saí correndo."
Avenida que leva o nome do
político conhecido por Pai dos
Pobres está dominada por eles.
Mas não querem a redenção.
"O primeiro passo para a dignidade é um emprego. Passam
a te olhar com outros olhos. As
pessoas olham para a gente
com se não tivesse dignidade.
Elas olham, com uma certa razão, com medo, mas com desprezo. Isso magoa para caramba", diz Neílton Rodrigues.
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