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ELIO GASPARI
Ser direito dá cadeia
Aconteceu entre Brasília e
Cuiabá um episódio que deve levar os procuradores do Ministério Público e a imprensa a
refletirem sobre seus papéis na
defesa da lei e dos direitos dos cidadãos.
Deu-se o seguinte:
No dia 2 de junho, os esforços
do procurador Mário Lúcio Avelar e da Polícia Federal resultaram no desencadeamento da
Operação Curupira, destinada a
capturar larápios que se haviam
associado a quadrilhas de desmatadores de terras indígenas.
Em poucos dias encarceraram-se
93 pessoas. O maior peixe da rede, preso a pedido do procurador, chamou-se Antonio Carlos
Hummel, diretor de Florestas do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis, o Ibama. Depois de
ser tratado como foragido, Hummel apresentou-se à Policia Federal, em Brasília. Viajou algemado para Cuiabá. Aos 50 anos,
esse engenheiro florestal com 23
de anos de serviço público, dois
filhos, um apartamento de três
quartos e dois
carros Gol, foi transformado no
seguinte:
Segundo o procurador, "ele autorizou operações ilegais que levaram à comercialização de 10
milhões de metros cúbicos de
madeira". (Feitas as contas, noticiou-se que a quadrilha desmatou área equivalente a 52 mil
campos de futebol, tirando madeira suficiente para encher 66
mil caminhões, ao valor de quase
R$ 900 milhões.) Faz bem à saúde pública que o Ministério Público corra atrás da ladroeira florestal, mas havia uma questão
pendente na cadeia de Cuiabá: e
o que é que Hummel teve a ver
com isto? A essa altura, guardado numa cela, o engenheiro chorava.
O presidente do Ibama defendeu-o, e a ministra Marina Silva
lembrou que não recebera o inquérito que o incriminava. "Se
ela quiser, eu envio para ela. Já
mandei uma cópia para a Polícia Federal, é só ela pedir que vai
entender tudo", respondeu o
doutor Avelar.
No dia 7, depois de passar quatro noites na cadeia, o engenheiro soube, pelo procurador, que
seria solto. Só então iriam ouvi-lo. Com a palavra o delegado federal Tardelli Boaventura, responsável pelas investigações da
Curupira: "O procurador acompanhou o interrogatório. A Polícia Federal não tinha nada contra ele. No final, o procurador
concluiu que não deveria sequer
ter indiciado ele".
Vai-se a internet e cadê a notícia de que Hummel foi desonerado e solto? Foi publicada aqui e
ali, magra como um faquir. Jogou-se fora o trigo e mascou-se o
joio. Um diretor de órgão público
avançando no patrimônio da
Viúva não chega a ser novidade.
Sensacional é o servidor honesto
ir para a cadeia e vir a saber, antes de ser ouvido, que será solto
sem mais nem menos. Isso é que
é notícia, como diz Hummel:
"Ser direito dá cadeia".
O sujeito trabalha a vida toda
naquilo que gosta, servindo ao
Estado na defesa do meio ambiente. Constrói uma reputação
internacional e, de uma hora para outra, está em cana, com a vida triturada. Desde a prisão de
Edmond Dantés sabe-se que coisas desse tipo podem acontecer,
até por acidente.
Hummel não pretende ser um
Conde de Monte Cristo, mas vai
à Justiça para entender o que lhe
aconteceu.
O engenheiro estava na cadeia
enquanto a ECT do ministro Eunício Oliveira contratava como
consultores diretores que demitira. Henrique Meirelles e Romero
Jucá continuavam no Banco
Central e no Ministério da Previdência. Ambos respondem a inquéritos no Supremo Tribunal
Federal. Lula, que não sabia do
men$alão, prefere mantê-los no
cargos. Já o pobre (pobre mesmo)
Hummel foi preventivamente
afastado da diretoria de Florestas do Ibama.
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