São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Elio Gaspari

O "Claudio" da Alstom e o garrote tucano


Abafaram o caso na Assembléia paulista e ele reapareceu em todo o mundo, no "Wall Street Journal"

A TROPA DE choque do governador José Serra na Assembléia Legislativa de São Paulo impediu, pela segunda vez, que a CPI da Eletropaulo discutisse as maracutaias da fornecedora de equipamentos Alstom com os governos tucanos. Derrubaram requerimentos de convocação de ex-administradores e rejeitaram até mesmo requisições de documentos relacionados com uma investigação que segue seu curso na Suíça e na França.
Para quem queria manter o caso longe da luz do sol, o garrote da Assembléia pareceu um capuz eficaz. Faltou combinar com o "Wall Street Journal" e com os promotores europeus. Dois dias depois da vitória da tropa de choque, três repórteres, trabalhando em Paris, Berlim e São Paulo expuseram pela segunda vez as propinas da Alstom.
A investigação suíça chegou a um arquivo de 11 pastas guardado na casa da secretária de um banqueiro, em Zurique. Lá está documentado que, em 1997, a Alstom começou a pagar propinas a um intermediário brasileiro. Deram-lhe o codinome de "Claudio Mendes" e repassaram-lhe pelo menos US$ 5 milhões. Esse dinheiro azeitava contratos de compra de equipamentos para hidrelétricas e o Metrô de São Paulo.
A Alstom e "Claudio Mendes" montaram uma lavanderia internacional de propinas. Alguns tintureiros já apareceram. Entre 1998 e 2001, o engenheiro José Geraldo Villas Boas, ex-presidente da Cesp, recebeu US$ 1,4 milhão da Alstom. Villas Boas assegura que prestou serviços à empreiteira, mas reconhece que outros pagamentos eram fictícios. Quais? "O quê, você quer que eu leve um tiro?"
A suposição de que o caso da Als- tom pode ser abafado é produto da arrogância.
José Serra, sua tropa de choque e os grão-tucanos ganharam a companhia de "Claudio Mendes". Quem é ele? Como não é ninguém, a operação abafa produzirá um só resultado: "Claudio Mendes" serão aqueles que não quiserem ouvir falar da Alstom.

O LIVRO DA BUSCA DA BOBINA PERDIDA

Está nas livrarias a bonita narrativa de um caso de aventura, afeto e competência acadêmica. É "Memória do Jongo - As Gravações Históricas de Stanley Stein, Vassouras". Em 1948, um casal de historiadores americanos vivia numa pensão e pesquisava a sociedade do café na última metade do século 19. Disso resultou o livro "Vassouras, um Município Brasileiro do Café, 1850-1900", publicado em 1957 no Estados Unidos. Nele, Stanley Stein inovou a pesquisa histórica do período. Entendeu o andar de cima, mostrou o de baixo e escreveu um clássico da historiografia americana.
Nas suas andanças por Vassouras, Stein carregava um gravador de bobina. Registrou 81 pontos de jongo, batuques, cantigas e sambas. Transcreveu alguns jongos em seu livro e guardou a bobina numa caixa e lá ela ficou durante mais de meio século. O antropólogo Gustavo Pacheco soube desse tesouro e, em 1999, encontrou-se com Stein na Universidade de Princeton, mas o professor não sabia onde pusera a caixa. Achou-a em 2003. O carretel veio para o Brasil e o som guardado no fio de metal magnetizado foi transposto para CDs. Agora a relíquia de Stein vem num envelope colado à contracapa do livro. É emocionante ouvi-lo:
"Com tanta fava na horta
Canguro tá com fome"
"Jongo" tem cinco textos. Um, de Stein, contando sua viagem com a humildade dos sábios. Noutro, Pacheco narra o êxito de sua perseverança. Sílvia Hunold Lara mostra o caminho de Stein transformando Vassouras do café no "Vassouras" da história brasileira. As professoras Hebe Mattos e Martha Abreu fazem um passeio sobre a música dos negros e os jongos. Robert Sleenes leva a batucada das senzalas às suas origens centro-africanas.
"Jongo" é tão bom que demanda agradecimento à Petrobras por tê-lo patrocinado.

TENENTE NATASHA
Madame Natasha procura defender o idioma. Ela ralou 21 anos de ditadura, durante os quais as proclamações dos comandantes militares da ocasião maltrataram a verdade e o idioma. A senhora resolveu conceder uma de suas bolsas de estudo ao general Adhemar da Costa Machado Filho, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, pela pérola colocada numa nota divulgada na segunda-feira. Tratava da chacina dos três moradores da Providência e explicava a entrada da tropa na maloca eleitoral do senador Marcelo Crivella: "O Comando do Exército decidiu participar do empreendimento para revitalizar moradias naquela área". Natasha acredita que o general poderia evitar o uso do verbo "revitalizar" quando lida com objetos inanimados. Sobretudo porque a tropa do Exército ajudou a desvitalizar três cidadãos, chamados pelos escribas do Comando do Leste de "elementos".

COTAS
Talvez os comandantes militares não saibam, mas o tráfico do morro da Providência sempre acreditou que tinha uma cota de operários na mão-de-obra do "empreendimento" de Crivelópolis.

RECORDAR É VIVER
Houve um ano em que a conta de caviar da falecida Varig ficou em US$ 6 milhões. Sem exagerar na qualidade, com esse dinheiro compravam-se seis toneladas do produto.

HIDRA DA VARIG
A nova sociedade de interessados na VarigLog tem futuro. É uma cruza do mensalão mineiro do ex-vice-governador Clésio Andrade com o Sivam amazônico do ex-senador Gilberto Miranda.

GORE E A AMAZÔNIA
O ambientalista americano Tom Lovejoy contribui na busca da autoria da frase "ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, ela pertence a todos nós". Há quase 20 anos ela é erradamente atribuída ao ex-vice-presidente Al Gore. Seu verdadeiro dono é Bob Kasten, que à época era senador pelo Estado do Wisconsin.
Aos fatos: em janeiro de 1989, Gore visitou a Amazônia em companhia de outros dois senadores. Semanas depois houve uma cerimônia em Washington, dedicada à memória de Chico Mendes, assassinado um mês antes. Gore ouviu a maldita frase de Kasten e comentou com Lovejoy, que estava ao seu lado: "O Brasil não vai gostar disso".

LULA, MÃE DA BANCA
No início do ano passado, a banca temeu que a queda dos juros encostasse a rentabilidade das cadernetas de poupança na do papelório financeiro. Começou a chorar e recebeu um presente. O governo tungou a poupança, comendo 5,5% do rendimento anual da patuléia. Quem tinha R$ 1.000 e ganhava R$ 6,80 mensais e ficou com R$ 5,80. Nosso Guia avançou nos rendimentos de 75 milhões de contas, para defender o ervanário de 11 milhões de cotistas dos fundos, remunerados por muito tempo com o dobro do que recebia a poupança.
A tunga ocorreu quando o fenômeno era apenas um receio.
O mês de maio fechou com uma inflação de 0,79% no IPCA e as cadernetas renderam R$ 0,57. Quem tinha R$ 1.000 aplicados já perdeu R$ 2,10, o preço de uma passagem de ônibus no Rio de Janeiro. Se o andar de baixo compra carro, o Ministério da Fazenda fala em explosão do consumo. Se ele resolve não consumir e passa a poupar, vão lá e tomam o dinheiro dele.


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