São Paulo, Terça-feira, 22 de Junho de 1999
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CELSO PINTO
Nem truque nem panacéia

O Brasil está a poucos dias de inaugurar um modelo inédito de controle da política econômica em sua história, o sistema de "metas inflacionárias". Pouco conhecido, o sistema tem inspirado uma série de críticas, que vão de sua suposta inviabilidade técnica até sua irrelevância.
Várias críticas procedem, mas, em alguns casos, o sistema está sendo condenado pelo que ele não é. O equívoco mais grave é identificar o sistema como um novo truque para segurar a inflação com baixo custo.
Na verdade, a fixação de uma meta inflacionária apenas indica a disposição, teórica, do governo de atingi-la, num certo prazo. Só vai funcionar se a política econômica do governo, como um todo, for compatível com a meta.
A política de juros, arma principal do Banco Central para cumprir as metas, não prescinde de uma política fiscal austera; depende dela. Custos existem e serão tão mais altos quanto mais agressiva for a meta de redução da inflação. Então, qual é a vantagem do novo sistema?
O presidente do BC, Armínio Fraga, costuma dizer que, apesar de todos seus problemas, é melhor ter o sistema de metas inflacionárias do que não tê-lo. José Júlio Senna, ex-diretor do BC, hoje na consultoria MCM, lembra que existem apenas três âncoras antiinflacionárias conhecidas.
A primeira, muito em voga nos anos 80, é a monetária, baseada no princípio de que há uma relação entre a quantidade de moeda na economia e o nível de preços. O Reino Unido de Lady Thatcher tentou usar uma meta monetária rígida e foi um enorme fracasso.
O problema é que o crescimento da moeda e dos seus multiplicadores está sujeito a relações pouco estáveis, influenciadas por mudanças tecnológicas e dos mercados. Mesmo a Alemanha, que teoricamente segue metas monetárias, na prática tem abandonado a rigidez das metas, quando o bom senso assim sugere.
A segunda âncora disponível é a cambial: usar o controle do câmbio para segurar a inflação. Funciona, como prova o Plano Real, mas, quando se abusa dela, leva a crises, como também prova o Plano Real. O Brasil acabou de sair dessa âncora e não faz qualquer sentido voltar a ela.
A terceira é o sistema de metas inflacionárias, seguido por vários países. Ele funciona como um coordenador de expectativas sobre a inflação futura (daí porque não tem nada a ver com indexação, ligada à inflação passada). Usa vários indicadores, além da moeda, para se orientar.
É melhor ter alguma âncora do que não tê-la, porque, se a maioria acreditar nela, preços e salários vão-se acomodando nos limites. Acaba ajudando a chegar nas metas, pelo lado das expectativas, mas só funciona se os fundamentos estiverem na direção correta.
Para funcionar, o sistema precisa ser totalmente transparente. O ideal seria que, ao ser conhecida a inflação do mês, o mercado já soubesse exatamente qual seria a reação do BC em termos de juros e se antecipasse a ela. Daí porque o sistema prevê relatórios trimestrais sobre a inflação e justificativas públicas à Fazenda se houver desvios.
Outra vantagem do sistema, lembra Senna, é envolver todo o governo na meta. No Brasil, caberá à Fazenda fixar as metas para a inflação, mas ele acha que o processo deveria chegar até o Congresso. É a seriedade (ou não) desse compromisso que dá (ou não) credibilidade à política.
A independência importante para o BC é apenas a operacional. Quem fixa as metas é que toma a decisão política. Ao BC, cabe apenas cumpri-la e prestando muito mais contas à sociedade do que presta hoje.
No caso do Brasil, Senna acha que a primeira meta não deve ser agressiva: deve ficar dentro do que o mercado já espera (em torno de 6%). Isso seria importante não só para reduzir o risco de erros, mas principalmente para permitir a continuidade da redução nos juros, vital para aliviar o gasto fiscal com a dívida interna.
A meta é para a inflação, mas ela embute um cálculo sobre o crescimento da economia. Se a inflação subir além da meta, os juros subirão para corrigi-la. Mas, se ficar abaixo, o BC deve reduzir os juros. A idéia é que, abaixo da faixa de flutuação, estaria havendo um sacrifício desnecessário e indesejado, em termos de crescimento econômico.
As críticas mais sérias ao sistema são sobre a precariedade das estatísticas brasileiras e dos instrumentos de intervenção. Armínio concorda, mas acha que vale a pena correr o risco. Até porque a própria implantação do sistema pode ajudar a melhorar o aparato técnico do BC.


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