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CELSO PINTO
Nem truque nem panacéia
O Brasil está a poucos dias de
inaugurar um modelo inédito de
controle da política econômica
em sua história, o sistema de "metas inflacionárias". Pouco conhecido, o sistema tem inspirado uma
série de críticas, que vão de sua
suposta inviabilidade técnica até
sua irrelevância.
Várias críticas procedem, mas,
em alguns casos, o sistema está
sendo condenado pelo que ele não
é. O equívoco mais grave é identificar o sistema como um novo truque para segurar a inflação com
baixo custo.
Na verdade, a fixação de uma
meta inflacionária apenas indica
a disposição, teórica, do governo
de atingi-la, num certo prazo. Só
vai funcionar se a política econômica do governo, como um todo,
for compatível com a meta.
A política de juros, arma principal do Banco Central para cumprir as metas, não prescinde de
uma política fiscal austera; depende dela. Custos existem e serão
tão mais altos quanto mais agressiva for a meta de redução da inflação. Então, qual é a vantagem
do novo sistema?
O presidente do BC, Armínio
Fraga, costuma dizer que, apesar
de todos seus problemas, é melhor
ter o sistema de metas inflacionárias do que não tê-lo. José Júlio
Senna, ex-diretor do BC, hoje na
consultoria MCM, lembra que
existem apenas três âncoras antiinflacionárias conhecidas.
A primeira, muito em voga nos
anos 80, é a monetária, baseada
no princípio de que há uma relação entre a quantidade de moeda
na economia e o nível de preços. O
Reino Unido de Lady Thatcher
tentou usar uma meta monetária
rígida e foi um enorme fracasso.
O problema é que o crescimento
da moeda e dos seus multiplicadores está sujeito a relações pouco
estáveis, influenciadas por mudanças tecnológicas e dos mercados. Mesmo a Alemanha, que teoricamente segue metas monetárias, na prática tem abandonado
a rigidez das metas, quando o
bom senso assim sugere.
A segunda âncora disponível é a
cambial: usar o controle do câmbio para segurar a inflação. Funciona, como prova o Plano Real,
mas, quando se abusa dela, leva a
crises, como também prova o Plano Real. O Brasil acabou de sair
dessa âncora e não faz qualquer
sentido voltar a ela.
A terceira é o sistema de metas
inflacionárias, seguido por vários
países. Ele funciona como um
coordenador de expectativas sobre a inflação futura (daí porque
não tem nada a ver com indexação, ligada à inflação passada).
Usa vários indicadores, além da
moeda, para se orientar.
É melhor ter alguma âncora do
que não tê-la, porque, se a maioria acreditar nela, preços e salários vão-se acomodando nos limites. Acaba ajudando a chegar nas
metas, pelo lado das expectativas,
mas só funciona se os fundamentos estiverem na direção correta.
Para funcionar, o sistema precisa ser totalmente transparente. O
ideal seria que, ao ser conhecida a
inflação do mês, o mercado já
soubesse exatamente qual seria a
reação do BC em termos de juros e
se antecipasse a ela. Daí porque o
sistema prevê relatórios trimestrais sobre a inflação e justificativas públicas à Fazenda se houver
desvios.
Outra vantagem do sistema,
lembra Senna, é envolver todo o
governo na meta. No Brasil, caberá à Fazenda fixar as metas para
a inflação, mas ele acha que o processo deveria chegar até o Congresso. É a seriedade (ou não) desse compromisso que dá (ou não)
credibilidade à política.
A independência importante
para o BC é apenas a operacional.
Quem fixa as metas é que toma a
decisão política. Ao BC, cabe apenas cumpri-la e prestando muito
mais contas à sociedade do que
presta hoje.
No caso do Brasil, Senna acha
que a primeira meta não deve ser
agressiva: deve ficar dentro do
que o mercado já espera (em torno de 6%). Isso seria importante
não só para reduzir o risco de erros, mas principalmente para permitir a continuidade da redução
nos juros, vital para aliviar o gasto fiscal com a dívida interna.
A meta é para a inflação, mas
ela embute um cálculo sobre o
crescimento da economia. Se a inflação subir além da meta, os juros subirão para corrigi-la. Mas,
se ficar abaixo, o BC deve reduzir
os juros. A idéia é que, abaixo da
faixa de flutuação, estaria havendo um sacrifício desnecessário e
indesejado, em termos de crescimento econômico.
As críticas mais sérias ao sistema são sobre a precariedade das
estatísticas brasileiras e dos instrumentos de intervenção. Armínio concorda, mas acha que vale a
pena correr o risco. Até porque a
própria implantação do sistema
pode ajudar a melhorar o aparato
técnico do BC.
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