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ELIO GASPARI
O cartel dos aerocratas gerou o caos
O Código de Aeronáutica fixa indenizações irrisórias em moeda que não existe; a Justiça atropelou-o
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AS MEDIDAS ANUNCIADAS na
sexta-feira por Nosso Guia
vieram tarde, mas são um passo para enfrentar o descalabro do aeroporto de Congonhas. Tudo indica
que, pela primeira vez, o assunto foi
tratado sem a decisiva interferência
do cartel de aerocratas da TAM, da
Gol, da Infraero e da Anac. Em vez de
reclamar, as empresas podem oferecer aos seus passageiros uns 20 pontos de embarque em ônibus para
Guarulhos e Viracopos. Neles, poderiam até adiantar o check-in.
A aviação comercial brasileira e a
administração aeroportuária entraram em colapso porque a bagunça dá
lucro. Basta que se reflita sobre um
dispositivo do Código Brasileiro de
Aeronáutica, de 1986. Ele determina
que, em caso de morte de um passageiro, a companhia deve indenizá-lo
até um limite de 3.500 Obrigações
do Tesouro Nacional, ou OTN. Esse
papel não existe mais. É uma peça de
arqueologia financeira. Virou BTN e
hoje se chama TR. Numa conta, a indenização pode valer R$ 14 mil.
Noutra, R$ 125 mil.
Trata-se de um dispositivo iníquo
e anacrônico que só sobrevive porque tudo o que se refere à aviação comercial passa pela manipulação dos
interesses de uma aerocracia privada e pública. Felizmente, os tribunais atropelaram essa maluquice,
mas o fato de ela ainda estar por aí
mostra como colecionam-se absurdos. A pista de Congonhas é curta, o
aeroporto está engarrafado, as empresas submetem os passageiros ao
overbooking e nada resta à patuléia
senão relaxar e gozar.
Os três grandes desastres da TAM
e da Gol mataram 445 pessoas. Para
conseguir indenizações adequadas,
seus familiares tiveram que contratar advogados, ir à Justiça e, em muitos casos, aceitar acordos. As vítimas
da TAM que batalharam na Justiça
americana conseguiram compensações até três vezes superiores. Em
Pindorama, a maior indenização paga pela empresa, por ordem do juiz,
foi de R$ 800 mil.
Só numa atividade que desrespeita
os clientes em benefício da patranha
um presidente de empresa pode fazer o que fez o doutor Marco Antonio Bologna, da TAM. Na quarta-feira ele disse que o Airbus estava em
"perfeitas condições". Na quinta-feira, confrontado com informações
que tinha, mas não revelava, Bologna confirmou que havia um defeito
no sistema que ajuda a frear o avião.
O PERIGO DA PRIVATARIA ATÔMICA
Está chegando às prateleiras um livro pequeno (190 páginas), cativante e
útil. É "O Bazar Atômico - A Escalada
do Poderio Nuclear" do jornalista americano William Langewiesche. Ele lida
com um assunto relevante, diante do
qual, como sucede com as células-tronco e a gripe aviária, a maioria das
pessoas acredita ter perdido o fio da
meada. O "Bazar" dá combustível ao
curioso para acompanhar a questão
por um bom tempo. Quais são as chances de um grupo terrorista ou um governante aventureiro conseguirem
dois tijolos de 35 quilos de urânio enriquecido? Grosseiramente, quem conseguir, pode parar numa esquina, colocar um dos tijolos no chão e jogar o outro em cima (com alguma precisão). Se
tiver êxito, destrói um bom pedaço de
qualquer grande cidade. Se a grande
explosão falhar, outra, menor, detonará só um quarteirão. Quantos são os
fregueses para esse tipo de encomenda? Talvez 20.
Um dos méritos de Langewiesche
esteve em lidar com um cenário desses
sem o facilitário do sensacionalismo. O
livro conta duas boas histórias. A primeira é simples: onde se pode tentar
comprar os tijolos? Na Rússia, mais
precisamente no depósito de Mayak,
perto da fronteira do Cazaquistão. Não
será fácil tirar a mercadoria de lá, e é
mais seguro atravessá-la na rota da
droga até a Turquia. Uma piada do
mercado negro diz que um saco de maconha é o melhor esconderijo para um
tijolo de urânio. Desde 1989 registraram-se 18 casos de desvio de material
nuclear russo, mas ninguém conseguiu
urânio enriquecido.
Langewiesche esteve em Mayak
e sua descrição dos depósitos é neu-
tra. Limita-se a mostrar que não há
chance para um comando à la Jean-Claude Van Damme. As possibilidades
são outras.
Na sua segunda história, o "Bazar"
conta como o paquistanês Abdul Qadeer Khan, um engenheiro obstinado,
ególatra e corrupto, conseguiu se
transformar no maior proliferador de
armas atômicas de todos os tempos.
Ele construiu bombas para seu país
e, provavelmente, vendeu equipamentos para os norte-coreanos. Seu negócio acabou em 2004, quando os americanos apanharam-no mandando centrífugas para a Líbia. Khan só foi bem-sucedido porque o sistema de vigilância internacional era inepto. Quem
se lembra do acordo nuclear Brasil-Alemanha e do programa secreto dos
anos 70-80 vê que o Brasil chegou ao
meio do caminho de produzir esse tipo
de maluco.
Langewiesche não ameaça o sossego
dos leitores. Apenas ensina que "a nuclearização do mundo se tornou uma
condição humana e nada se pode fazer
para mudar isso".
DOIS PAU PRA NÓS
Pode ser que o doutor Sergio
Gabrielli, presidente da Petrobras, falasse sério quando disse
que a empresa "não tem nenhum envolvimento com contribuições de campanha". O
Ministério Público haverá de
esclarecer se os donos da Iesa
doaram R$ 1,6 milhão ao PT (e
só ao PT) na última campanha
eleitoral por pura filantropia.
Uma coisa é certa -durante a
campanha de 2002, o doutor
Gabrielli telefonou para um
empresário pedindo-lhe que
recebesse um poderoso companheiro. Não adiantou o assunto. Era um elegante pedido de
dinheiro à campanha do PT.
CÁNA DURRA
O diplomata Paulo de Oliveira Campos, o POC do palácio,
chefe de cerimonial da Presidência, arrebatou o crachá-lambança no exercício do cargo. Foi ele quem mandou Carlos Arthur Nuzman declarar
abertos os Jogos do Rio, deixando Nosso Guia pendurado
no microfone. Talvez quisesse
evitar a sétima vaia, mas fabricou um silêncio histórico.
Essa medalha estava com o
embaixador André Mesquita,
chefe do cerimonial da curta
presidência de Carlos Luz, em
novembro de 1955. Luz decidira demitir o ministro da Guerra, general Henrique Lott. Chamou-o ao palácio do Catete e
deu-lhe um chá de cadeira de
quase duas horas. A certa altura, Mesquita, com seu leve sotaque francês, passou pela ante-sala e brincou com o general: "A
cána extá durra, hein, generral?" Lott conversou com Luz e
foi embora. Duas horas depois
começou a mover seu dispositivo. Às três da madrugada, os telefones do palácio ficaram mudos. Vinte minutos depois, Carlos Luz abandonou o Catete.
Estava deposto.
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