São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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ELIO GASPARI

O cartel dos aerocratas gerou o caos


O Código de Aeronáutica fixa indenizações irrisórias em moeda que não existe; a Justiça
atropelou-o

AS MEDIDAS ANUNCIADAS na sexta-feira por Nosso Guia vieram tarde, mas são um passo para enfrentar o descalabro do aeroporto de Congonhas. Tudo indica que, pela primeira vez, o assunto foi tratado sem a decisiva interferência do cartel de aerocratas da TAM, da Gol, da Infraero e da Anac. Em vez de reclamar, as empresas podem oferecer aos seus passageiros uns 20 pontos de embarque em ônibus para Guarulhos e Viracopos. Neles, poderiam até adiantar o check-in.
A aviação comercial brasileira e a administração aeroportuária entraram em colapso porque a bagunça dá lucro. Basta que se reflita sobre um dispositivo do Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986. Ele determina que, em caso de morte de um passageiro, a companhia deve indenizá-lo até um limite de 3.500 Obrigações do Tesouro Nacional, ou OTN. Esse papel não existe mais. É uma peça de arqueologia financeira. Virou BTN e hoje se chama TR. Numa conta, a indenização pode valer R$ 14 mil. Noutra, R$ 125 mil.
Trata-se de um dispositivo iníquo e anacrônico que só sobrevive porque tudo o que se refere à aviação comercial passa pela manipulação dos interesses de uma aerocracia privada e pública. Felizmente, os tribunais atropelaram essa maluquice, mas o fato de ela ainda estar por aí mostra como colecionam-se absurdos. A pista de Congonhas é curta, o aeroporto está engarrafado, as empresas submetem os passageiros ao overbooking e nada resta à patuléia senão relaxar e gozar.
Os três grandes desastres da TAM e da Gol mataram 445 pessoas. Para conseguir indenizações adequadas, seus familiares tiveram que contratar advogados, ir à Justiça e, em muitos casos, aceitar acordos. As vítimas da TAM que batalharam na Justiça americana conseguiram compensações até três vezes superiores. Em Pindorama, a maior indenização paga pela empresa, por ordem do juiz, foi de R$ 800 mil.
Só numa atividade que desrespeita os clientes em benefício da patranha um presidente de empresa pode fazer o que fez o doutor Marco Antonio Bologna, da TAM. Na quarta-feira ele disse que o Airbus estava em "perfeitas condições". Na quinta-feira, confrontado com informações que tinha, mas não revelava, Bologna confirmou que havia um defeito no sistema que ajuda a frear o avião.

O PERIGO DA PRIVATARIA ATÔMICA

Está chegando às prateleiras um livro pequeno (190 páginas), cativante e útil. É "O Bazar Atômico - A Escalada do Poderio Nuclear" do jornalista americano William Langewiesche. Ele lida com um assunto relevante, diante do qual, como sucede com as células-tronco e a gripe aviária, a maioria das pessoas acredita ter perdido o fio da meada. O "Bazar" dá combustível ao curioso para acompanhar a questão por um bom tempo. Quais são as chances de um grupo terrorista ou um governante aventureiro conseguirem dois tijolos de 35 quilos de urânio enriquecido? Grosseiramente, quem conseguir, pode parar numa esquina, colocar um dos tijolos no chão e jogar o outro em cima (com alguma precisão). Se tiver êxito, destrói um bom pedaço de qualquer grande cidade. Se a grande explosão falhar, outra, menor, detonará só um quarteirão. Quantos são os fregueses para esse tipo de encomenda? Talvez 20.
Um dos méritos de Langewiesche esteve em lidar com um cenário desses sem o facilitário do sensacionalismo. O livro conta duas boas histórias. A primeira é simples: onde se pode tentar comprar os tijolos? Na Rússia, mais precisamente no depósito de Mayak, perto da fronteira do Cazaquistão. Não será fácil tirar a mercadoria de lá, e é mais seguro atravessá-la na rota da droga até a Turquia. Uma piada do mercado negro diz que um saco de maconha é o melhor esconderijo para um tijolo de urânio. Desde 1989 registraram-se 18 casos de desvio de material nuclear russo, mas ninguém conseguiu urânio enriquecido.
Langewiesche esteve em Mayak e sua descrição dos depósitos é neu- tra. Limita-se a mostrar que não há chance para um comando à la Jean-Claude Van Damme. As possibilidades são outras.
Na sua segunda história, o "Bazar" conta como o paquistanês Abdul Qadeer Khan, um engenheiro obstinado, ególatra e corrupto, conseguiu se transformar no maior proliferador de armas atômicas de todos os tempos. Ele construiu bombas para seu país e, provavelmente, vendeu equipamentos para os norte-coreanos. Seu negócio acabou em 2004, quando os americanos apanharam-no mandando centrífugas para a Líbia. Khan só foi bem-sucedido porque o sistema de vigilância internacional era inepto. Quem se lembra do acordo nuclear Brasil-Alemanha e do programa secreto dos anos 70-80 vê que o Brasil chegou ao meio do caminho de produzir esse tipo de maluco.
Langewiesche não ameaça o sossego dos leitores. Apenas ensina que "a nuclearização do mundo se tornou uma condição humana e nada se pode fazer para mudar isso".

DOIS PAU PRA NÓS
Pode ser que o doutor Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, falasse sério quando disse que a empresa "não tem nenhum envolvimento com contribuições de campanha". O Ministério Público haverá de esclarecer se os donos da Iesa doaram R$ 1,6 milhão ao PT (e só ao PT) na última campanha eleitoral por pura filantropia. Uma coisa é certa -durante a campanha de 2002, o doutor Gabrielli telefonou para um empresário pedindo-lhe que recebesse um poderoso companheiro. Não adiantou o assunto. Era um elegante pedido de dinheiro à campanha do PT.

CÁNA DURRA
O diplomata Paulo de Oliveira Campos, o POC do palácio, chefe de cerimonial da Presidência, arrebatou o crachá-lambança no exercício do cargo. Foi ele quem mandou Carlos Arthur Nuzman declarar abertos os Jogos do Rio, deixando Nosso Guia pendurado no microfone. Talvez quisesse evitar a sétima vaia, mas fabricou um silêncio histórico.
Essa medalha estava com o embaixador André Mesquita, chefe do cerimonial da curta presidência de Carlos Luz, em novembro de 1955. Luz decidira demitir o ministro da Guerra, general Henrique Lott. Chamou-o ao palácio do Catete e deu-lhe um chá de cadeira de quase duas horas. A certa altura, Mesquita, com seu leve sotaque francês, passou pela ante-sala e brincou com o general: "A cána extá durra, hein, generral?" Lott conversou com Luz e foi embora. Duas horas depois começou a mover seu dispositivo. Às três da madrugada, os telefones do palácio ficaram mudos. Vinte minutos depois, Carlos Luz abandonou o Catete. Estava deposto.


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