São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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ARTIGO

Fim de uma era

FERNANDO LUIZ ABRUCIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A MORTE do senador Antonio Carlos Magalhães significa o fim de uma era em dois sentidos. Primeiro, termina a história de um personagem que esteve presente em quase todos os episódios importantes da política brasileira nos últimos 50 anos, particularmente após o golpe de 1964.
Além disso, o fenômeno local do carlismo provavelmente não sobreviverá sem a liderança de ACM e do seu estilo político.
Vale a pena refletir sobre a lógica do modelo político montado pelo senador baiano, pois algumas de suas lições podem ser importantes para modernizar efetivamente o Brasil no século 21.
Sua trajetória é marcada pela capacidade de ocupar um lugar central no sistema político brasileiro. Figura em ascensão durante os governos militares, ACM também foi peça-chave na transição política, quando apoiou a dissidência do regime que se aliou a Tancredo Neves.
Ele teve participação decisiva como articulador para manter o mandato de cinco anos do presidente Sarney, usando como arma a distribuição de rádios e TVs. Depois ficou com Collor até o impeachment. Fragilizou-se durante a gestão de Itamar, mas logo ascendeu de volta ao poder, e com grande força, como articulador da coligação PFL-PSDB, que levou FHC à Presidência da República.
Pode-se dizer que o primeiro governo tucano foi o período áureo de ACM. Esta força o fez sonhar, pela primeira vez, em catapultar o carlismo diretamente ao Palácio do Planalto, por meio de seu filho. Só que a fortuna o abandonou exatamente em seu melhor momento. A morte de Luís Eduardo foi o início da derrocada nacional de Antonio Carlos Magalhães, pois ele perdera ali o único herdeiro capaz de seguir e até mesmo ultrapassar a trajetória vitoriosa que tivera nos planos local e nacional.
Mas as agruras do destino não explicam sozinhas o ocaso do senador baiano. ACM iniciou uma série de erros inimagináveis para quem sempre tivera enorme virtù política. O episódio da violação do painel do Senado e a desastrosa briga com Jader Barbalho resultaram em seu pedido de renúncia. Mesmo tendo recuperado o posto na eleição de 2002, ACM nunca mais conseguiu recuperar sua força política.
O poderio de Antonio Carlos Magalhães derivava, em boa medida, da capacidade de angariar apoio do governo federal às suas ações na Bahia. Assim foi na ditadura militar, na Nova República, no período Collor e, finalmente, com Fernando Henrique. A partir do momento em que se colocou como opositor radical ao presidente Lula, ele perdeu o lugar estratégico no plano nacional, e isso foi decisivo para a derrota do carlismo em 2006.

O carlismo
O carlismo, na verdade, foi a conjunção de apoios federais e de arranjos estaduais, só que estes últimos sempre dependeram das verbas e redes constituídas com a burocracia federal. Foi este esquema que permitiu não só a longa permanência do grupo de ACM no poder, como lhe deu também os recursos para fazer uma grande modernização econômica na Bahia.
O aspecto central do projeto político de ACM foi misturar formas tradicionais de ação com novos arranjos modernizadores. No primeiro elemento estavam o estilo coronelista de dominar os municípios, a truculência com que tratava os adversários, o controle de todos os poderes e também sobre grande parte da imprensa.
Paralelamente ao seu típico comportamento de cacique regional, Antonio Carlos Magalhães se ancorou num conjunto de técnicos que se tornaram membros da elite política carlista. Por meio dessa aliança, ACM realizou dois objetivos: substituiu parte da antiga classe política, defenestrando os que poderiam competir por votos com ele, e estabeleceu uma racionalidade técnica nas ações governamentais, fator fundamental para a grande modernização econômica obtida pela Bahia.
Está aí a principal diferença entre o carlismo e a oligarquia dos Sarney, que foram incapazes de modernizar o Maranhão.
A simbiose entre o tradicional e o moderno construída por ACM produziu três resultados nefastos. Primeiro, a modernização econômica não foi acompanhada por uma redução da desigualdade social. Além disso, cabe ressaltar que grande parte da transformação positiva realizada sob a égide do carlismo só ocorreu por conta da ajuda do governo federal. Mas a pior característica do estilo de ACM foi sua visão autoritária da política. E isso vai além do apoio que deu ao regime militar. Antonio Carlos Magalhães nunca se adaptou por completo ao modus operandi democrático, como deixava claro o seu mandonismo personalista.
O que se espera é que os políticos do século 21 aprendam as lições da história de ACM e de toda uma geração que deu os rumos do país nos últimos 50 anos. Para tanto, devem lutar contra o patrimonialismo da política tradicional, incorporar definitivamente a prática democrática e construir um modelo de desenvolvimento que modernize a economia reduzindo as desigualdades sociais.


FERNANDO LUIZ ABRUCIO , doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, é professor e coordenador do mestrado e do doutorado em administração pública e governo da FGV-SP e professor licenciado da PUC-SP. Escreveu "Os Barões da Federação - Os Governadores e a Redemocratização Brasileira" (Hucitec, 2002), e "Reforma do Estado e o Contexto Federativo Brasileiro" (Fundação Konrad Adenauer, 1998).


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