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ARTIGO
Fim de uma era
FERNANDO LUIZ ABRUCIO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A MORTE do senador Antonio Carlos Magalhães
significa o fim de uma
era em dois sentidos. Primeiro,
termina a história de um personagem que esteve presente em
quase todos os episódios importantes da política brasileira
nos últimos 50 anos, particularmente após o golpe de 1964.
Além disso, o fenômeno local
do carlismo provavelmente não
sobreviverá sem a liderança de
ACM e do seu estilo político.
Vale a pena refletir sobre a lógica do modelo político montado
pelo senador baiano, pois algumas de suas lições podem ser
importantes para modernizar
efetivamente o Brasil no século
21.
Sua trajetória é marcada pela
capacidade de ocupar um lugar
central no sistema político brasileiro. Figura em ascensão durante os governos militares,
ACM também foi peça-chave
na transição política, quando
apoiou a dissidência do regime
que se aliou a Tancredo Neves.
Ele teve participação decisiva
como articulador para manter
o mandato de cinco anos do
presidente Sarney, usando como arma a distribuição de rádios e TVs. Depois ficou com
Collor até o impeachment. Fragilizou-se durante a gestão de
Itamar, mas logo ascendeu de
volta ao poder, e com grande
força, como articulador da coligação PFL-PSDB, que levou
FHC à Presidência da República.
Pode-se dizer que o primeiro
governo tucano foi o período
áureo de ACM. Esta força o fez
sonhar, pela primeira vez, em
catapultar o carlismo diretamente ao Palácio do Planalto,
por meio de seu filho. Só que a
fortuna o abandonou exatamente em seu melhor momento. A morte de Luís Eduardo foi
o início da derrocada nacional
de Antonio Carlos Magalhães,
pois ele perdera ali o único herdeiro capaz de seguir e até mesmo ultrapassar a trajetória vitoriosa que tivera nos planos
local e nacional.
Mas as agruras do destino
não explicam sozinhas o ocaso
do senador baiano. ACM iniciou uma série de erros inimagináveis para quem sempre tivera enorme virtù política. O
episódio da violação do painel
do Senado e a desastrosa briga
com Jader Barbalho resultaram em seu pedido de renúncia. Mesmo tendo recuperado o
posto na eleição de 2002, ACM
nunca mais conseguiu recuperar sua força política.
O poderio de Antonio Carlos
Magalhães derivava, em boa
medida, da capacidade de angariar apoio do governo federal às
suas ações na Bahia. Assim foi
na ditadura militar, na Nova
República, no período Collor e,
finalmente, com Fernando
Henrique. A partir do momento em que se colocou como opositor radical ao presidente Lula,
ele perdeu o lugar estratégico
no plano nacional, e isso foi decisivo para a derrota do carlismo em 2006.
O carlismo
O carlismo, na verdade, foi a
conjunção de apoios federais e
de arranjos estaduais, só que
estes últimos sempre dependeram das verbas e redes constituídas com a burocracia federal. Foi este esquema que permitiu não só a longa permanência do grupo de ACM no poder,
como lhe deu também os recursos para fazer uma grande modernização econômica na Bahia.
O aspecto central do projeto
político de ACM foi misturar
formas tradicionais de ação
com novos arranjos modernizadores. No primeiro elemento
estavam o estilo coronelista de
dominar os municípios, a truculência com que tratava os adversários, o controle de todos
os poderes e também sobre
grande parte da imprensa.
Paralelamente ao seu típico
comportamento de cacique regional, Antonio Carlos Magalhães se ancorou num conjunto
de técnicos que se tornaram
membros da elite política carlista. Por meio dessa aliança,
ACM realizou dois objetivos:
substituiu parte da antiga classe política, defenestrando os
que poderiam competir por votos com ele, e estabeleceu uma
racionalidade técnica nas ações
governamentais, fator fundamental para a grande modernização econômica obtida pela
Bahia.
Está aí a principal diferença
entre o carlismo e a oligarquia
dos Sarney, que foram incapazes de modernizar o Maranhão.
A simbiose entre o tradicional e o moderno construída por
ACM produziu três resultados
nefastos. Primeiro, a modernização econômica não foi acompanhada por uma redução da
desigualdade social. Além disso, cabe ressaltar que grande
parte da transformação positiva realizada sob a égide do carlismo só ocorreu por conta da
ajuda do governo federal. Mas a
pior característica do estilo de
ACM foi sua visão autoritária
da política. E isso vai além do
apoio que deu ao regime militar. Antonio Carlos Magalhães
nunca se adaptou por completo
ao modus operandi democrático, como deixava claro o seu
mandonismo personalista.
O que se espera é que os políticos do século 21 aprendam as
lições da história de ACM e de
toda uma geração que deu os
rumos do país nos últimos 50
anos. Para tanto, devem lutar
contra o patrimonialismo da
política tradicional, incorporar
definitivamente a prática democrática e construir um modelo de desenvolvimento que
modernize a economia reduzindo as desigualdades sociais.
FERNANDO LUIZ ABRUCIO , doutor em ciência
política pela Universidade de São Paulo, é professor e coordenador do mestrado e do doutorado em administração pública e governo da FGV-SP e professor licenciado da PUC-SP. Escreveu
"Os Barões da Federação - Os Governadores e a
Redemocratização Brasileira" (Hucitec, 2002), e
"Reforma do Estado e o Contexto Federativo
Brasileiro" (Fundação Konrad Adenauer, 1998).
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