São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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OLHAR ESTRANGEIRO

Eleição consolida democracia

JUAN ARIAS

Nunca antes a Europa, e mais concretamente a Espanha, um dos maiores investidores estrangeiros no Brasil, tinha acompanhado uma eleição presidencial brasileira com tamanho interesse. E não é apenas pelo impacto econômico que uma mudança política poderá acarretar para as empresas que investem neste país. Existe algo mais: a opinião européia, de modo geral, hoje vê o Brasil como uma reserva da Ibero-América, na medida em que o Brasil é hoje um dos países vistos como exemplares, devido à mistura pacífica de raças e religiões que o compõem. É um Brasil, sem dúvida alguma, com vocação de liderança.
Na condição de observador estrangeiro, noto novidades importantes nestas eleições. A mais evidente delas é o comportamento maduro dos grandes meios de comunicação, que, até o momento, não ficam devendo em nada à mídia européia em termos de imparcialidade e objetividade.
Outra surpresa é a maturidade política da população. Se antes se criticava o fato de as eleições no Brasil serem decididas sobretudo pela televisão, hoje isso já não acontece.
Tenho ouvido pessoas sem instrução, trabalhadores do campo e da construção civil, motoristas de táxi e ambulantes fazer análises da situação do país, suas preferências, suas dúvidas diante das urnas, que não ficam nada a dever às de muitos analistas. O Brasil amadureceu de alto a baixo.
Existe, também, uma terceira anomalia. Está acabando a chamada ""era Cardoso". Foram oito anos cujas conquistas para o país podem ser discutidas, mas não negadas.
Nas convulsões econômicas mundiais, todas as crises -a asiática, a russa e a argentina- acabaram parando neste país, cuja moeda já resistiu a três vendavais. Visto no exterior como um dos grandes estadistas da América, Cardoso chega ao fim de sua gestão com cerca de 30% de aprovação. Por que o candidato escolhido para defender sua gestão não consegue sair do fim da fila?

Desejo de mudança
As sondagens dizem que 80% dos brasileiros querem uma mudança. Mas mudança é um conceito ambíguo. Na Espanha, tivemos uma primeira "mudança enganosa" que nos tirou do túnel do franquismo, levando-nos, com Felipe González, para um socialismo moderado que foi capaz de transformar a velha e atrasada Espanha ditatorial num dos países mais modernos e prósperos da Europa.
Mas chegou um momento em que os espanhóis, que já tinham se acomodado na democracia, quiserem mudar de cara. A direita aproveitou para apresentar-se como alternativa moderna, com o jovem Aznar. Elegeram-no como o candidato novo, quando, na realidade, era o herdeiro do velho partido franquista, apesar de ostentar nova roupagem. Neste momento, ainda não se enxerga com clareza que tipo de mudança desejam os eleitores brasileiros.
Os europeus, em nível mais popular, não escondem uma certa simpatia pelo indomável lutador Lula, que arrisca a sorte pela quarta vez, embora a preferência dos empresários seja por Serra.
Mas o que os tranquiliza, apesar de tudo, é que o Brasil já tem sua democracia consolidada; que ficaram para trás, muito distantes, os velhos sabres militares, e que nenhum dos candidatos está propondo alternativas revolucionárias capazes de alterar o rumo democrático do país. E isso não é pouco.

Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol "El País", escreve mensalmente nesta seção, às quintas-feiras



Tradução de Clara Allain



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