São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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JANIO DE FREITAS

A denúncia do denuncismo

Bem que o seu presidente o alertou, leitor distraído, contra o denuncismo praticado pela imprensa brasileira - ou, mais precisamente, pelos jornalistas sem vínculo com o poder. Sempre desejosa de aprimorar-se, nos últimos dias a imprensa levou o seu mau hábito ao paroxismo: voltou o denuncismo contra si. E por iniciativa de um jornalista, que denunciou a trapaça jornalística, de sua co-autoria, que transformou em US$ 1 milhão o US$ 1 mil movimentado pelo então deputado Ibsen Pinheiro. E com esse escândalo motivou a cassação injusta do deputado. Mas a atual denúncia do denuncismo passado, cá entre nós, não é denúncia e tem tudo de farsa.
A verdade, comprovável por documentos oficiais, é que Ibsen Pinheiro não foi cassado por ter a CPI do Orçamento (mais tarde "CPI dos Anões") considerado inaceitável a "transferência de US$ 1 milhão de uma conta bancária de Ibsen Pinheiro de uma agência da Caixa Econômica para uma agência do Banrisul". O valor, no caso, poderia ser qualquer um, e o problema seria o mesmo. Porque não se tratou de movimentação para uma agência qualquer, como faz crer o denuncismo atual do denuncismo passado.
A CPI constatou que Ibsen Pinheiro transferiu seu dinheiro para o Uruguai, salvando-o do seqüestro das contas e da poupança nas vésperas do seqüestrador Plano Collor. Ibsen Pinheiro era então o prestigiado líder do PMDB na Câmara e foi quem quebrou a demorada resistência peemedebista para aprovar o seqüestro do dinheiro privado, causa de desgraças inumeráveis, pessoais e empresariais.
Em seu depoimento na CPI, Ibsen Pinheiro atribuiu a transferência a um pagamento que, porém, recusou-se a dizer de que ou a quem. E deu como destino a cidade brasileira de Santana do Livramento. Não por acaso, cidade geminada à uruguaia Rivera, na qual a CPI constatou localizar-se a agência destinatária da transferência feita pelo líder do PMDB.
Dinheiro e bens produziram respostas de Ibsen Pinheiro, na CPI, que mais o arruinaram do que esclareceram. O depósito feito em sua conta pelo também deputado Genebaldo Correa, um dos "anões" de maior atividade malandra, continuou inexplicado. Ibsen Pinheiro acabou apelando para uma tal caminhonete que teria vendido a Genebaldo, mas comprado de Genebaldo, que comprou de Ibsen e depois vendeu a Ibsen, enfim, uma caminhonete que se mudou muito sem deixar pista alguma de sua inconstância.
Contribuiu também, para a cassação de Ibsen Pinheiro, um problema institucional que ele não transpôs: o presidente da CPI, Jarbas Passarinho, recebeu documentos do Senado comprovando que a primeira CPI do Orçamento, requerida em 1990, acabou arquivada em 92 porque o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, não cumpriu formalidades dele esperadas. Ao depor, acusou pelo arquivamento o senador Mauro Benevides, seu colega no PMDB. Logo a CPI concluía que Benevides cumprira seu papel e que Ibsen, portanto, bloqueara a CPI em causa própria. Ibsen Pinheiro, deve-se reconhecer, foi até mais cauteloso do que isso: como presidente da Câmara, tratou de demitir o funcionário que fez a primeira denúncia da corrupção dos "anões do Orçamento", mais tarde repetida, afinal levando em 93 à CPI, pelo também funcionário José Carlos dos Santos, aquele acusado de matar a mulher.
A CPI teve mais à disposição de suas conclusões sobre Ibsen Pinheiro, como um episódio que não apareceria no exame de movimentação bancária: a compra de um imóvel com dinheiro levado em mala. Informação espontânea do ex-dono do imóvel, que descreveu os pormenores do negócio e do espanto ao ver o sóbrio deputado com a evidência da origem inconfessável do dinheiro. Antes dessa narrativa, Ibsen Pinheiro deixara sem resposta, em seu depoimento na CPI, as perguntas sobre a procedência dos recursos para a compra do imóvel.
Nelson Jobim, que já era como deputado o Nelson Jobim de hoje no Supremo Tribunal Federal, articulou-se com o deputado Abi-Ackel para compelir os líderes do PFL, PMDB, PPR e PSDB na Câmara a mobilizarem-se em conjunto para evitar a prorrogação da CPI do Orçamento, o que sustaria várias investigações. Seu êxito foi apenas relativo. A CPI esteve sempre sob fortes pressões assim, partidas até dentro dela. No final, conveniências políticas e interesses pessoais salvaram da cassação vários parlamentares, mas os cassados não o foram sem provas seguras e abundantes. E foi por decisão do plenário, e não da CPI, que se deram as cassações.
Ibsen Pinheiro foi cassado pelo conjunto de sua obra, e não, como pretende a "corajosa" autodenúncia de uma leviandade jornalística, pela hipotética movimentação de US$ 1 milhão ou de US$ 1 mil. O que seria impossível porque, entre outros motivos, a CPI ajustou prontamente os valores corretos, fossem em dólares ou em novos cruzados, das contas de Ibsen Pinheiro - agora em campanha para retomar, a partir do Rio Grande do Sul, a carreira política. Na qual seus deméritos identificados pela CPI não negam os muitos méritos que teve como deputado federal.
Todos os fatos e dados deste artigo estão documentados, foram publicados à época e jamais contestados. Nem mesmo pelo atual denuncismo contra o denuncismo da imprensa, que preferiu ou precisou não os lembrar.

Resposta
Desfez-se a expectativa, aqui anotada, sobre o voto do recém-empossado ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, quanto ao desconto de previdência nas aposentadorias do funcionalismo. Como advogado e jurista, Eros Grau foi autor de recente parecer contrário à taxação previdenciária dos inativos, por considerá-la inconstitucional. Como recém-nomeado por Lula para o STF, aí votou pela cobrança.
Eros Grau cobrou, a uma associação de professores, R$ 35 mil pelo parecer. Pelo seu voto governista, como ministro estará recebendo, neste mês, a metade do seu preço de parecerista. Eros Grau ficou, de fato, muito mais barato.
Finda uma, surgiu outra expectativa, sem promessa de solução próxima. O político-juiz Nelson Jobim votou, claro, com o governo, sob o poderoso argumento de que derrubar a nova taxação dos inativos causaria "extraordinário rombo" nas contas governamentais. Causar, não causaria, porque o rombo já existe. E agora se trata de saber o seguinte: ministro do Supremo lida com contabilidade ou com Direito, Constituição, direitos e Justiça?


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