São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"MENSALÃO"

Militares mostram apreensão com crise

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

As Forças Armadas acompanham a crise política com muita preocupação e com a avaliação de que é importante para a democracia manter o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o fim do mandato, mas falar em reeleição é considerado quase uma afronta.
Motivo: ele não teria mais apoio da opinião pública qualificada e teria de mobilizar perigosamente as massas. O governo, como teme a cúpula militar, poderia ficar "refém do MST" (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Conforme a Folha apurou, os comandos e os órgãos de inteligência de Exército, Marinha e Aeronáutica mantêm contatos assíduos, às vezes até diários, para acompanhar a crise. Os comandantes têm, inclusive, um telefone exclusivo para uso entre os três, com misturador de voz.
As críticas ao PT e ao governo são cada vez mais abertas, mas a intenção não é intervir de nenhuma forma e, sim, monitorar principalmente as intenções de dois personagens centrais: o ex-ministro José Dirceu e o MST.
O temor é que, fragilizado politicamente, Dirceu aja com a "alma guerrilheira", da qual os militares acham que ele nunca se libertou. Ou seja, articule uma reação de massas para segurar Lula e o governo, provocando confrontos de proporções incertas.
Quanto ao MST, a inteligência militar vê com desconfiança seus principais líderes, como João Pedro Stedile, estarem reclusos e articulando apenas nos bastidores.
Há uma convicção, inclusive no Gabinete de Segurança Institucional, que assessora o presidente, de que, para onde o MST pender, os demais movimentos tradicionalmente vinculados ao PT também penderão. Esses movimentos, considerados "radicais" pelos militares, estão se descolando do governo Lula, mas, ao mesmo tempo, não têm alternativa a ele.
Por mais que rejeitem a política econômica ortodoxa e estejam tão indignados com as denúncias como os próprios militares, esses movimentos não se animariam a defender o impeachment, até porque está claro que Lula arrastaria o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, segundo na linha de sucessão, é considerado uma "não-opção".

Pós-Lula
A questão é o pós-Lula, a partir da constatação de que a reeleição está cada vez mais fora do horizonte. O maior beneficiário político da crise seria o PSDB, que disputaria com o governador Geraldo Alckmin (SP) ou com o prefeito de São Paulo, José Serra.
Esse desfecho é ostensivamente rejeitado pelos movimentos alinhados ao PT e não tem a simpatia das Forças Armadas, que praticamente não tiveram reajustes salariais, investimentos e equipamentos no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.
A diferença é que, entre PT e PSDB, os movimentos ficariam com o primeiro e os militares, com o segundo. E os grupos de esquerda tenderiam a radicalizar, para manter Lula. No caso dos militares, apoiar o PSDB seria uma espécie de reviravolta. Não houve uma pesquisa formal, mas os comandos das três Forças sempre demonstraram convicção, pelas informações internas, que uma expressiva parte dos militares, senão a maioria, votaram em Lula em 2002.
O Exército tem um efetivo de 233 mil homens, a Aeronáutica, de 69 mil, e a Marinha, de 56 mil. Do total, 90,52% são praças (de soldados a suboficiais), 9,37% são oficiais, e 0,11%%, são os oficiais-generais, ou seja, estão no topo da carreira.
Na avaliação interna, as bases militares ficaram com Lula porque rejeitavam FHC e se identificam com as classes mais pobres. Mas, mesmo entre oficiais e oficiais-generais, a tendência foi essa, apesar das velhas divergências ideológicas.
Dos três comandantes, o que é considerado internamente mais crítico ao governo é o da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, que foi justamente o que mais lutou pelo reajuste dos soldos. Afinal, o governo prometeu 13% a partir de outubro e mais 10% em agosto do próximo ano.
O comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, é considerado o mais neutro, mais distante das discussões políticas. E o do Exército, general Francisco Albuquerque, o mais próximo do Palácio do Planalto e o mais condescendente com o PT.
Albuquerque, porém, perdeu parte de sua força interna, ao ceder à exigência do Planalto e recuar numa nota em que a Força defendia o golpe de 1964. Nas promoções do último dia 30 de julho, o chefe de gabinete do comandante, Terra Amaral, não foi promovido.
Nas duas outras Forças, fala-se nos bastidores sobre uma espécie de "racha" entre o comandante do Exército, aliado ao Planalto, e as bases, muito críticas ao governo. Mas sem efeitos práticos.
Apesar de todo o descontentamento em relação a soldos, equipamentos e à própria crise política, líderes civis e principalmente militares descartam qualquer possibilidade de intervenção no processo, por menor que fosse.
Segundo o ex-presidente da República José Sarney, não há nem clima externo nem vontade interna dos militares de intervir. "É muito diferente de antigamente, quando, a qualquer coisinha, logo vinha alguém batendo nos quartéis, chamando as tropas. Hoje, não há isso, felizmente", disse à Folha.


Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Seguro, calmo, tranqüilo, sensato, muito elegante
Próximo Texto: Caso da Cueca: Cresce indício de que dinheiro era propina
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.