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"MENSALÃO"
Militares mostram apreensão com crise
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
As Forças Armadas acompanham a crise política com muita
preocupação e com a avaliação de
que é importante para a democracia manter o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o fim do mandato, mas falar em reeleição é
considerado quase uma afronta.
Motivo: ele não teria mais apoio
da opinião pública qualificada e
teria de mobilizar perigosamente
as massas. O governo, como teme
a cúpula militar, poderia ficar "refém do MST" (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra). Conforme a Folha apurou, os
comandos e os órgãos de inteligência de Exército, Marinha e Aeronáutica mantêm contatos assíduos, às vezes até diários, para
acompanhar a crise. Os comandantes têm, inclusive, um telefone
exclusivo para uso entre os três,
com misturador de voz.
As críticas ao PT e ao governo
são cada vez mais abertas, mas a
intenção não é intervir de nenhuma forma e, sim, monitorar principalmente as intenções de dois
personagens centrais: o ex-ministro José Dirceu e o MST.
O temor é que, fragilizado politicamente, Dirceu aja com a "alma guerrilheira", da qual os militares acham que ele nunca se libertou. Ou seja, articule uma reação de massas para segurar Lula e
o governo, provocando confrontos de proporções incertas.
Quanto ao MST, a inteligência
militar vê com desconfiança seus
principais líderes, como João Pedro Stedile, estarem reclusos e articulando apenas nos bastidores.
Há uma convicção, inclusive no
Gabinete de Segurança Institucional, que assessora o presidente, de
que, para onde o MST pender, os
demais movimentos tradicionalmente vinculados ao PT também
penderão. Esses movimentos,
considerados "radicais" pelos militares, estão se descolando do governo Lula, mas, ao mesmo tempo, não têm alternativa a ele.
Por mais que rejeitem a política
econômica ortodoxa e estejam
tão indignados com as denúncias
como os próprios militares, esses
movimentos não se animariam a
defender o impeachment, até porque está claro que Lula arrastaria
o vice-presidente e ministro da
Defesa, José Alencar. O presidente
da Câmara, Severino Cavalcanti,
segundo na linha de sucessão, é
considerado uma "não-opção".
Pós-Lula
A questão é o pós-Lula, a partir
da constatação de que a reeleição
está cada vez mais fora do horizonte. O maior beneficiário político da crise seria o PSDB, que disputaria com o governador Geraldo Alckmin (SP) ou com o prefeito de São Paulo, José Serra.
Esse desfecho é ostensivamente
rejeitado pelos movimentos alinhados ao PT e não tem a simpatia das Forças Armadas, que praticamente não tiveram reajustes
salariais, investimentos e equipamentos no governo do tucano
Fernando Henrique Cardoso.
A diferença é que, entre PT e
PSDB, os movimentos ficariam
com o primeiro e os militares,
com o segundo. E os grupos de esquerda tenderiam a radicalizar,
para manter Lula. No caso dos
militares, apoiar o PSDB seria
uma espécie de reviravolta. Não
houve uma pesquisa formal, mas
os comandos das três Forças sempre demonstraram convicção, pelas informações internas, que
uma expressiva parte dos militares, senão a maioria, votaram em
Lula em 2002.
O Exército tem um efetivo de
233 mil homens, a Aeronáutica,
de 69 mil, e a Marinha, de 56 mil.
Do total, 90,52% são praças (de
soldados a suboficiais), 9,37% são
oficiais, e 0,11%%, são os oficiais-generais, ou seja, estão no topo da
carreira.
Na avaliação interna, as bases
militares ficaram com Lula porque rejeitavam FHC e se identificam com as classes mais pobres.
Mas, mesmo entre oficiais e oficiais-generais, a tendência foi essa, apesar das velhas divergências
ideológicas.
Dos três comandantes, o que é
considerado internamente mais
crítico ao governo é o da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos
Bueno, que foi justamente o que
mais lutou pelo reajuste dos soldos. Afinal, o governo prometeu
13% a partir de outubro e mais
10% em agosto do próximo ano.
O comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães
Carvalho, é considerado o mais
neutro, mais distante das discussões políticas. E o do Exército, general Francisco Albuquerque, o
mais próximo do Palácio do Planalto e o mais condescendente
com o PT.
Albuquerque, porém, perdeu
parte de sua força interna, ao ceder à exigência do Planalto e recuar numa nota em que a Força
defendia o golpe de 1964. Nas promoções do último dia 30 de julho,
o chefe de gabinete do comandante, Terra Amaral, não foi promovido.
Nas duas outras Forças, fala-se
nos bastidores sobre uma espécie
de "racha" entre o comandante
do Exército, aliado ao Planalto, e
as bases, muito críticas ao governo. Mas sem efeitos práticos.
Apesar de todo o descontentamento em relação a soldos, equipamentos e à própria crise política, líderes civis e principalmente
militares descartam qualquer
possibilidade de intervenção no
processo, por menor que fosse.
Segundo o ex-presidente da República José Sarney, não há nem
clima externo nem vontade interna dos militares de intervir. "É
muito diferente de antigamente,
quando, a qualquer coisinha, logo
vinha alguém batendo nos quartéis, chamando as tropas. Hoje,
não há isso, felizmente", disse à
Folha.
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