São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Candidato à presidência do PT, Plínio afirma que o pragmatismo eleitoral desfigurou o partido

Lula trocou o socialismo pelo poder e não merece a reeleição

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao lado da leal Marieta, com quem é casado há 50 anos, o ainda petista Plínio de Arruda Sampaio guarda a cópia de uma convocação assinada pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 1997. O documento convida os petistas a discutir um debate proposto por Plínio: "a da candidatura para valer e não para ganhar".
Num vôo ao Espírito Santo, Plínio defendeu que Lula usasse sua candidatura em 1998 para difundir os ideais socialistas, sem recorrer ao marketing. A proposta foi enterrada na reunião de 21 de julho de 1997. Para Plínio, esse foi o marco do pragmatismo que levou à transformação do PT "numa poderosa máquina eleitoral".
Hoje candidato à presidência do PT com o apoio da pequena APS (Ação Popular Socialista), Plínio diz que o governo Lula prestou um desserviço à esquerda no país ("Lula é refém do poder") e avisa que não apoiará a reeleição do presidente. Plínio admite até a possibilidade de deixar o partido, dependendo do resultado da eleição interna no mês que vem.
Exibindo, em esmaecido papel, o original de um texto seu de 1963 como prova de que as demandas sociais e o discurso são os mesmos, o PT é que mudou, Plínio deu entrevista no jardim de sua casa.

 

Folha - Está difícil ser petista?
Plínio de Arruda Sampaio -
Está. Primeiro, porque é óbvio que o noticiário não tem como separar comportamentos individuais de coletivos. E, segundo, porque a discussão envolve questões éticas que nunca foram problema para os petistas. Para nós, é um vexame ter que dar explicações sobre comportamentos éticos com os quais nunca compactuamos.

Folha - O sr. concorda quando falam que o PT perdeu a virgindade?
Plínio -
Essa é típica frase de quem quer igualar o PT aos demais. Há nessa disputa toda uma justa indignação da sociedade, mas também uma guerra política.

Folha - Mas o sr. não acha que o comportamento de alguns petistas acabou nivelando por baixo?
Plínio -
Essa é a tragédia, a tristeza. Outro dia, uma menina dizia aí na televisão, coitada, não dizia por mal: "O Toninho tal, o doleiro do PT". Doleiro do PT? Para uma pessoa do povo, doleiro e bandido é a mesma coisa. E isso é injusto com a maioria do PT.

Folha - A culpa é do Campo Majoritário?
Plínio -
Estou combatendo o Campo Majoritário por má condução política.

Folha - O sr. quer dar nome aos bois?
Plínio -
Não quero saber se levou dinheiro para casa, se fez caixinha no serviço. Estou discutindo o fato de se financiar um partido socialista com o dinheiro de empresário. Isso é um escândalo para o socialismo. Outro é o uso do marketing político. O princípio de um político socialista é dizer aquilo que é preciso para o bem da população, entenda ela ou não. O do marqueteiro é "não diga nada que o povo não quer ouvir". A campanha em que você só promete é paternalista. Isso é o vexame. Não estou discutindo a parte propriamente da corrupção, mas o desvio político.

Folha - Quando começou esse desvio?
Plínio -
A partir da eleição de 1998, o PT entrou para valer no pragmatismo: vamos tomar o poder. As regras de tomar o poder na sociedade burguesa são as regras da burguesia. Você não compra só essas regras: você ganha o pacote turístico. Vem tudo, inclusive esses comportamentos.

Folha - O sr. diz que falou isso a Lula em 1997. Então, ele é co-responsável pelo desvio?
Plínio -
Ele é co-responsável. Ele teve a oportunidade, mas preferiu o caminho da eleição. É verdade que a maioria do PT não concordou comigo. Mas alguma co-responsabilidade ele tem.

Folha - Foi estelionato eleitoral?
Plínio -
Prefiro dizer que Lula não viu. Uma coisa é o governo, outra coisa é o poder. Se você tem um governo, mas não tem um poder embaixo, atua com o que esse poder permite. Se não, cai. Vivi isso em 1964, com o presidente João Goulart. Na saída de um comício em Recife, um pernambucano com um sotaque bem forte disse: "Ó, deputado, o problema do nosso presidente é que ele está montado no cavalo, mas não segura as rédeas". Quer dizer, é o cavalo que comanda, não é você.

Folha - O Lula é refém do poder?
Plínio -
Lula é um refém do poder. Um dos termos padrão do Consenso de Washington é o "confidence building", é você construir a confiança. Então, qualquer coisa que você mexa na política econômica afeta o "confidence building". E essa é a mentalidade do Palocci, a mentalidade de 90% do staff do Palocci.

Folha - E no governo?
Plínio -
Lula fez uma campanha através do marketing, uma campanha que promete, mas não diz o preço. É perfeitamente possível dar terra a 1 milhão de famílias. Mas há briga com agronegócio. É perfeitamente possível criar 10 milhões de empregos, mas tem que romper com o Consenso de Washington. Rompeu, tem conseqüência. Esse é o temor do Lula: "Se fizer a política que está na história do PT, haverá retaliação. Qual será a resposta do povo"? Essa insegurança faz com que esteja nessa outra política. Se ele tivesse feito uma eleição como eu queria: fala tudo e o povo vota...

Folha - Talvez não estivesse eleito.
Plínio -
Não estaria eleito. E qual é o problema? Seria eleito mais adiante ou, se nunca, teria feito um grande trabalho político. Cheguei a dizer uma vez: "Lula, o Brasil não precisa de um presidente, o Brasil precisa de um líder" -o grande líder nacional, o grande líder popular, um cara que conte para o povo as coisas, um tipo Mandela, um tipo Gandhi, um tipo De Gaulle... O Gandhi não foi nem vereador na Índia.

Folha - O sr. é dos que acreditam que ele acabou prestando um desserviço para a esquerda?
Plínio -
Acho que ele perdeu a oportunidade. A administração dele, até hoje, não ajudou o movimento popular. É verdade que não o reprimiu, mas aplica uma política que o movimento popular não pode aceitar. E o fato de ser muito amigo do movimento cria uma ambigüidade que deixa as pessoas muito perplexas. Ele não reprime, mas dissolve.

Folha - Há petistas que dizem que serão necessários mais 22 anos para chegar ao poder. Acha que foi um retrocesso para a esquerda?
Plínio -
Foi sim. Essa crise é um retrocesso. Sou candidato agora para ver se impeço um retrocesso total. Porque esse é um outro ponto fundamental, que dá um ar de tragédia à situação. O PT não tem 25 anos, o PT tem 500 anos. O povo brasileiro, esse povo humilde, levou 500 anos para conseguir colocar no primeiro andar uma cabeça de ponte. Quanto tempo demorará? Evidentemente, não serão outros 500 anos, mas é uma perda, é um retrocesso.

Folha - Para quem estava lá, elaborando o primeiro estatuto do PT.
Plínio -
É tão terrível que já estava numa posição mais de retaguarda e falei: "Não. Vou enfrentar uma campanha". É preciso que fique claro: no PT houve gente que permaneceu fiel. O socialismo é possível. Agora é a hora do socialismo no Brasil. Porque, quando o Lula não consegue fazer reformas dentro do capitalismo por causa desse estado de sítio em que se encontra, isso demonstra só uma coisa: Lula é a última tentativa de uma transformação pela via de reforma no capitalismo.

Folha -Então, o sr. não defenderia a reeleição do Lula?
Plínio -
Não. Nem votaria. Não o apoiaria. A menos que o Lula faça uma declaração pública, modifique o seu ministério, modifique as políticas do seu governo, tome uma posição clara de enfrentamento da dependência, da desigualdade, não votarei nele.

Folha - O sr. já pensou em quem apoiar no cenário atual?
Plínio -
Acho prematuro.

Folha- Nem em se candidatar?
Plínio -
Agora sou candidato a presidente do PT. Essa candidatura não é para ganhar um partido. Ela está sendo muito vista como se não fosse mudar o mundo. O mundo mudou. E, portanto, ter mais dois ou três cargos na direção do PT e, por isso, ter uma candidatura que se diferencia um pouquinho da outra é tudo furado. Não estão vendo que agora é muito mais difícil ser socialista. Por outro lado está muito mais concreto, porque não tem desvio possível.

Folha - Mas outros candidatos à esquerda do PT podem fazer "campanha para valer".
Plínio -
Sim, deveriam fazer. A primeira condição para isso seria sair do governo. Eles têm ministro no governo. Precisa ser uma linha de coerência: se você não está de acordo com a política geral como é que você está no governo? Não entendo.

Folha - O sr. disse no debate das chapas que o Lula não é o super-homem. Onde ele errou?
Plínio -
O maior erro do Lula foi ter aceito esse itinerário para o governo.

Folha - O sr. acha que ele não sabia de nada mesmo do que estava acontecendo?
Plínio -
É possível que ele não soubesse. Agora, revela uma omissão, sem dúvida. Camões dizia: não tem perdão o capitão que devendo prever não previu. Ele está lá para ver essas coisas.

Folha - No PT, falam que se o sr. não for eleito vai liderar uma saída em massa. Isso é verdade?
Plínio -
Isso é guerra política. Então, o que vamos dizer contra o Plínio? Vamos dizer que ele não votou na Marta e ele vai sair do partido. Não só não votei na Marta como escrevi na Folha que não ia, que era para um milhão de pessoas ficar sabendo. Por quê? Por que sou contra esses métodos e eu queria mostrar o perigo que estava vivendo o PT antes do tsunami. Estava vendo que vinha um tsunami e quis avisar. Bom, não me disporia, com 75 anos, a sair pelo Brasil inteiro, feito louco, a falar essas coisas que não são muito fáceis de serem aceitas, se eu não tivesse apreço pelo partido. Tenho um imenso apreço pelo PT. Porque tenho um enorme apreço pelo povo do andar de baixo. Por isso que estou tentando segurar os cacos do PT. Agora, para mim o partido é um instrumento. Um instrumento só vale enquanto é útil. Então, se depois do PED, eu perceber que existe espaço para eu continuar dizendo essas coisas, fazendo proselitismo em relação a essas idéias, lutando por elas, ficarei no partido tranqüilamente. Se eu sentir que não é mais um instrumento, farei um encontro com os meus companheiros para a gente tomar uma posição.

Folha - O sr. acha que uma vitória do Campo Majoritário possibilita espaço para defender o socialismo?
Plínio -
Depende de como vêem essa vitória. Primeiro, duvido da vitória. Segundo, pelo que a gente vê no jornal, ali dentro está um saco de gatos. Se saírem uns gatos mais razoáveis, acho que dá para conversar. Agora, se saírem aqueles gatos antigos, aí não dá, não.

Folha - O sr. acha que o Zé Dirceu continua mandando no partido como aparenta nas reuniões?
Plínio -
Até a última reunião mandou, porque derrotou o presidente. Tarso ainda não conseguiu ser o presidente do Campo Majoritário. Isso está provado.

Folha - Faltou coragem a Lula?
Plínio -
Não trabalho com essa variável: coragem. Eu uso: não fez, está cercado, não fez, aceitou uma política de "confidence building". Acho que ele ficou com medo da repercussão de uma política mais resistente às pressões externas e às pressões internas.

Folha - O que o sr. acha da política de alianças aplicada por ele?
Plínio -
Um desastre. Você imagine ter de chamar o Roberto Jefferson de companheiro.

Folha - E dizer que assinava um cheque em branco para ele, não é?
Plínio -
É barbaridade, não é? Ele tem o apoio popular, mas não sabe até onde vai esse apoio.

Folha - Fernando Henrique usou melhor o seu capital eleitoral?
Plínio -
Há uma diferença brutal entre nadar a favor da maré e contra a maré. O Fernando Henrique nadou a favor da maré. Ele nadou para os ricos e para os poderosos de fora: EUA etc.. Bom, aí é fácil...

Folha - Mas e o Lula?
Plínio -
Pois é. A alternativa autêntica do Lula era nadar contra a maré. E isso ele não quis fazer. Ele preferiu ficar dentro da maré procurando atender ao povo... Inegavelmente ele procurou atender mais ao povo. Não reprimiu movimentos, melhorou a assistência social, tem uma postura muito menos arrogante que a de FHC. Ele tem uma postura populacheira boa, que o povo gosta. É inegável. Mas tudo dentro da correnteza. Ele vai para os lugares mais favoráveis dentro da correnteza e, a meu ver, o PT é contra a correnteza. O PT é um partido socialista.

Folha - O sr. acha que a sua candidatura é uma candidatura para ganhar ou para valer?
Plínio -
Só faço candidatura para valer. Se ganhar, ganhou; se não ganhar, valeu. De modo que nunca sou derrotado. Sou um eterno perdedor de eleições. Tenho mais derrotas do que vitórias. Mas eu não me considero um perdedor de jeito nenhum, porque eu só faço campanha para valer.


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