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ENTREVISTA DA 2ª
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO
Candidato à presidência do PT, Plínio afirma que o pragmatismo eleitoral desfigurou o partido
Lula trocou o socialismo pelo poder e não merece a reeleição
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao lado da leal Marieta, com
quem é casado há 50 anos, o ainda
petista Plínio de Arruda Sampaio
guarda a cópia de uma convocação assinada pelo hoje presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em julho
de 1997. O documento convida os
petistas a discutir um debate proposto por Plínio: "a da candidatura para valer e não para ganhar".
Num vôo ao Espírito Santo, Plínio defendeu que Lula usasse sua
candidatura em 1998 para difundir os ideais socialistas, sem recorrer ao marketing. A proposta
foi enterrada na reunião de 21 de
julho de 1997. Para Plínio, esse foi
o marco do pragmatismo que levou à transformação do PT "numa poderosa máquina eleitoral".
Hoje candidato à presidência do
PT com o apoio da pequena APS
(Ação Popular Socialista), Plínio
diz que o governo Lula prestou
um desserviço à esquerda no país
("Lula é refém do poder") e avisa
que não apoiará a reeleição do
presidente. Plínio admite até a
possibilidade de deixar o partido,
dependendo do resultado da eleição interna no mês que vem.
Exibindo, em esmaecido papel,
o original de um texto seu de 1963
como prova de que as demandas
sociais e o discurso são os mesmos, o PT é que mudou, Plínio
deu entrevista no jardim de sua
casa.
Folha - Está difícil ser petista?
Plínio de Arruda Sampaio - Está.
Primeiro, porque é óbvio que o
noticiário não tem como separar
comportamentos individuais de
coletivos. E, segundo, porque a
discussão envolve questões éticas
que nunca foram problema para
os petistas. Para nós, é um vexame
ter que dar explicações sobre
comportamentos éticos com os
quais nunca compactuamos.
Folha - O sr. concorda quando falam que o PT perdeu a virgindade?
Plínio - Essa é típica frase de
quem quer igualar o PT aos demais. Há nessa disputa toda uma
justa indignação da sociedade,
mas também uma guerra política.
Folha - Mas o sr. não acha que o
comportamento de alguns petistas
acabou nivelando por baixo?
Plínio - Essa é a tragédia, a tristeza. Outro dia, uma menina dizia aí
na televisão, coitada, não dizia
por mal: "O Toninho tal, o doleiro
do PT". Doleiro do PT? Para uma
pessoa do povo, doleiro e bandido
é a mesma coisa. E isso é injusto
com a maioria do PT.
Folha - A culpa é do Campo Majoritário?
Plínio - Estou combatendo o
Campo Majoritário por má condução política.
Folha - O sr. quer dar nome aos
bois?
Plínio - Não quero saber se levou
dinheiro para casa, se fez caixinha
no serviço. Estou discutindo o fato de se financiar um partido socialista com o dinheiro de empresário. Isso é um escândalo para o
socialismo. Outro é o uso do marketing político. O princípio de um
político socialista é dizer aquilo
que é preciso para o bem da população, entenda ela ou não. O do
marqueteiro é "não diga nada que
o povo não quer ouvir". A campanha em que você só promete é paternalista. Isso é o vexame. Não
estou discutindo a parte propriamente da corrupção, mas o desvio
político.
Folha - Quando começou esse
desvio?
Plínio - A partir da eleição de
1998, o PT entrou para valer no
pragmatismo: vamos tomar o poder. As regras de tomar o poder
na sociedade burguesa são as regras da burguesia. Você não compra só essas regras: você ganha o
pacote turístico. Vem tudo, inclusive esses comportamentos.
Folha - O sr. diz que falou isso a
Lula em 1997. Então, ele é co-responsável pelo desvio?
Plínio - Ele é co-responsável. Ele
teve a oportunidade, mas preferiu
o caminho da eleição. É verdade
que a maioria do PT não concordou comigo. Mas alguma co-responsabilidade ele tem.
Folha - Foi estelionato eleitoral?
Plínio - Prefiro dizer que Lula
não viu. Uma coisa é o governo,
outra coisa é o poder. Se você tem
um governo, mas não tem um poder embaixo, atua com o que esse
poder permite. Se não, cai. Vivi isso em 1964, com o presidente João
Goulart. Na saída de um comício
em Recife, um pernambucano
com um sotaque bem forte disse:
"Ó, deputado, o problema do
nosso presidente é que ele está
montado no cavalo, mas não segura as rédeas". Quer dizer, é o cavalo que comanda, não é você.
Folha - O Lula é refém do poder?
Plínio - Lula é um refém do poder. Um dos termos padrão do
Consenso de Washington é o
"confidence building", é você
construir a confiança. Então,
qualquer coisa que você mexa na
política econômica afeta o "confidence building". E essa é a mentalidade do Palocci, a mentalidade
de 90% do staff do Palocci.
Folha - E no governo?
Plínio - Lula fez uma campanha
através do marketing, uma campanha que promete, mas não diz
o preço. É perfeitamente possível
dar terra a 1 milhão de famílias.
Mas há briga com agronegócio. É
perfeitamente possível criar 10
milhões de empregos, mas tem
que romper com o Consenso de
Washington. Rompeu, tem conseqüência. Esse é o temor do Lula:
"Se fizer a política que está na história do PT, haverá retaliação.
Qual será a resposta do povo"? Essa insegurança faz com que esteja
nessa outra política. Se ele tivesse
feito uma eleição como eu queria:
fala tudo e o povo vota...
Folha - Talvez não estivesse eleito.
Plínio - Não estaria eleito. E qual
é o problema? Seria eleito mais
adiante ou, se nunca, teria feito
um grande trabalho político. Cheguei a dizer uma vez: "Lula, o Brasil não precisa de um presidente, o
Brasil precisa de um líder" -o
grande líder nacional, o grande líder popular, um cara que conte
para o povo as coisas, um tipo
Mandela, um tipo Gandhi, um tipo De Gaulle... O Gandhi não foi
nem vereador na Índia.
Folha - O sr. é dos que acreditam
que ele acabou prestando um desserviço para a esquerda?
Plínio - Acho que ele perdeu a
oportunidade. A administração
dele, até hoje, não ajudou o movimento popular. É verdade que
não o reprimiu, mas aplica uma
política que o movimento popular não pode aceitar. E o fato de
ser muito amigo do movimento
cria uma ambigüidade que deixa
as pessoas muito perplexas. Ele
não reprime, mas dissolve.
Folha - Há petistas que dizem que
serão necessários mais 22 anos para chegar ao poder. Acha que foi
um retrocesso para a esquerda?
Plínio - Foi sim. Essa crise é um
retrocesso. Sou candidato agora
para ver se impeço um retrocesso
total. Porque esse é um outro
ponto fundamental, que dá um ar
de tragédia à situação. O PT não
tem 25 anos, o PT tem 500 anos. O
povo brasileiro, esse povo humilde, levou 500 anos para conseguir
colocar no primeiro andar uma
cabeça de ponte. Quanto tempo
demorará? Evidentemente, não
serão outros 500 anos, mas é uma
perda, é um retrocesso.
Folha - Para quem estava lá, elaborando o primeiro estatuto do PT.
Plínio - É tão terrível que já estava numa posição mais de retaguarda e falei: "Não. Vou enfrentar uma campanha". É preciso
que fique claro: no PT houve gente que permaneceu fiel. O socialismo é possível. Agora é a hora do
socialismo no Brasil. Porque,
quando o Lula não consegue fazer
reformas dentro do capitalismo
por causa desse estado de sítio em
que se encontra, isso demonstra
só uma coisa: Lula é a última tentativa de uma transformação pela
via de reforma no capitalismo.
Folha -Então, o sr. não defenderia
a reeleição do Lula?
Plínio - Não. Nem votaria. Não o
apoiaria. A menos que o Lula faça
uma declaração pública, modifique o seu ministério, modifique
as políticas do seu governo, tome
uma posição clara de enfrentamento da dependência, da desigualdade, não votarei nele.
Folha - O sr. já pensou em quem
apoiar no cenário atual?
Plínio - Acho prematuro.
Folha- Nem em se candidatar?
Plínio - Agora sou candidato a
presidente do PT.
Essa candidatura
não é para ganhar
um partido. Ela
está sendo muito
vista como se não
fosse mudar o
mundo. O mundo
mudou. E, portanto, ter mais dois
ou três cargos na
direção do PT e,
por isso, ter uma
candidatura que
se diferencia um
pouquinho da outra é tudo furado.
Não estão vendo
que agora é muito
mais difícil ser socialista. Por outro
lado está muito
mais concreto,
porque não tem
desvio possível.
Folha - Mas outros candidatos à
esquerda do PT podem fazer "campanha para valer".
Plínio - Sim, deveriam fazer. A
primeira condição
para isso seria sair
do governo. Eles
têm ministro no governo. Precisa
ser uma linha de coerência: se você não está de acordo com a política geral como é que você está no
governo? Não entendo.
Folha - O sr. disse no debate das
chapas que o Lula não é o super-homem. Onde ele errou?
Plínio - O maior erro do Lula foi
ter aceito esse itinerário para o governo.
Folha - O sr. acha que ele não sabia de nada mesmo do que estava
acontecendo?
Plínio - É possível que ele não
soubesse. Agora, revela uma
omissão, sem dúvida. Camões dizia: não tem perdão o capitão que
devendo prever não previu. Ele
está lá para ver essas coisas.
Folha - No PT, falam que se o sr.
não for eleito vai liderar uma saída
em massa. Isso é verdade?
Plínio - Isso é guerra política. Então, o que vamos dizer contra o
Plínio? Vamos dizer que ele não
votou na Marta e ele vai sair do
partido. Não só não votei na Marta como escrevi na Folha que não
ia, que era para um milhão de pessoas ficar sabendo. Por quê? Por
que sou contra esses métodos e eu
queria mostrar o perigo que estava vivendo o PT
antes do tsunami.
Estava vendo que
vinha um tsunami
e quis avisar.
Bom, não me disporia, com 75
anos, a sair pelo
Brasil inteiro, feito
louco, a falar essas
coisas que não são
muito fáceis de serem aceitas, se eu
não tivesse apreço
pelo partido. Tenho um imenso
apreço pelo PT.
Porque tenho um
enorme apreço
pelo povo do andar de baixo. Por
isso que estou tentando segurar os
cacos do PT. Agora, para mim o
partido é um instrumento. Um
instrumento só
vale enquanto é
útil. Então, se depois do PED, eu
perceber que existe espaço para eu
continuar dizendo essas coisas, fazendo proselitismo em relação a
essas idéias, lutando por elas, ficarei no partido tranqüilamente. Se
eu sentir que não é mais um instrumento, farei um encontro com
os meus companheiros para a
gente tomar uma posição.
Folha - O sr. acha que uma vitória
do Campo Majoritário possibilita
espaço para defender o socialismo?
Plínio - Depende de como vêem
essa vitória. Primeiro, duvido da
vitória. Segundo, pelo que a gente
vê no jornal, ali dentro está um saco de gatos. Se saírem uns gatos
mais razoáveis, acho que dá para
conversar. Agora, se saírem aqueles gatos antigos, aí não dá, não.
Folha - O sr. acha que o Zé Dirceu
continua mandando no partido como aparenta nas reuniões?
Plínio - Até a última reunião
mandou, porque derrotou o presidente. Tarso ainda não conseguiu ser o presidente do Campo
Majoritário. Isso está provado.
Folha - Faltou coragem a Lula?
Plínio - Não trabalho com essa
variável: coragem. Eu uso: não
fez, está cercado, não fez, aceitou
uma política de "confidence building". Acho que ele ficou com
medo da repercussão de uma política mais resistente às pressões
externas e às pressões internas.
Folha - O que o sr. acha da política
de alianças aplicada por ele?
Plínio - Um desastre. Você imagine ter de chamar o Roberto Jefferson de companheiro.
Folha - E dizer que assinava um
cheque em branco para ele, não é?
Plínio - É barbaridade, não é? Ele
tem o apoio popular, mas não sabe até onde vai esse apoio.
Folha - Fernando Henrique usou
melhor o seu capital eleitoral?
Plínio - Há uma diferença brutal
entre nadar a favor da maré e contra a maré. O Fernando Henrique
nadou a favor da maré. Ele nadou
para os ricos e para os poderosos
de fora: EUA etc.. Bom, aí é fácil...
Folha - Mas e o Lula?
Plínio - Pois é. A alternativa autêntica do Lula era nadar contra a
maré. E isso ele não quis fazer. Ele
preferiu ficar dentro da maré procurando atender ao povo... Inegavelmente ele procurou atender
mais ao povo. Não reprimiu movimentos, melhorou a assistência
social, tem uma postura muito
menos arrogante que a de FHC.
Ele tem uma postura populacheira boa, que o povo gosta. É inegável. Mas tudo dentro da correnteza. Ele vai para os lugares mais favoráveis dentro da correnteza e, a
meu ver, o PT é contra a correnteza. O PT é um partido socialista.
Folha - O sr. acha que a sua candidatura é uma candidatura para ganhar ou para valer?
Plínio - Só faço candidatura para
valer. Se ganhar, ganhou; se não
ganhar, valeu. De modo que nunca sou derrotado. Sou um eterno
perdedor de eleições. Tenho mais
derrotas do que vitórias. Mas eu
não me considero um perdedor
de jeito nenhum, porque eu só faço campanha para valer.
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