São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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GOVERNO

Objetivo é poder responder a ações penais no STF após deixar cargo

FHC prioriza aprovação de proteção à ex-autoridade

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso dará prioridade à aprovação do foro privilegiado para ex-autoridades na agenda da transição ao sucessor. O objetivo de FHC é, após deixar o cargo, continuar a responder por ações penais perante o STF (Supremo Tribunal Federal) e a processos civis perante a Justiça Federal.
No topo da agenda do governo para a transição, também consta o adiamento da posse do novo presidente de 1º de janeiro de 2003 para o dia 6, prorrogando o mandato de FHC em cinco dias.
O principal articulador das iniciativas é o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), candidato ao governo de Minas Gerais com chance de ser eleito no primeiro turno, dia 6 de outubro.
Para Aécio, o foro privilegiado é "uma proteção justa e não um privilégio". Sem a prerrogativa, FHC passará a estar sujeito a ações e decisões de promotores e juízes de primeira instância em qualquer comarca do país.
E o adiamento da posse em cinco dias, crê o presidente da Câmara, permitirá "maior participação de autoridades estrangeiras" no evento. A idéia é articular emenda constitucional de consenso entre governo e oposição.
O foro privilegiado encontra resistência na oposição e na base do Ministério Público. Apesar de não assumir publicamente, FHC deseja a prerrogativa por temer o "efeito Menem".
Quando o argentino Carlos Menem deixou a Casa Rosada, cumpriu prisão temporária por ter atos de seu governo questionados na Justiça. FHC, que negou sucessivos pedidos de aumento salarial à base do Judiciário e do Ministério Público, teme eventual vingança de juízes e promotores de primeira instância.
Hoje, FHC só pode ser processado penalmente por iniciativa do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, funcionário público indicado para o cargo pelo presidente da República.
As ações de natureza civil contra FHC começam na primeira instância da Justiça Federal. Hoje, há cerca de 200 ações (entre populares e por improbidade administrativa), a maioria delas refere-se ao processo de privatização.
O projeto de lei que restabelece o foro privilegiado é do deputado federal Bonifácio Andrada (PSDB-MG), pai do atual advogado-geral da União. Segundo a proposta, a ex-autoridade continuará a ser julgada por um tribunal ou uma instância superior de apelação no que se referir a atos praticados no exercício do mandato ou do posto que ocupou.
Hoje, o presidente, os ministros, os governadores e os secretários de Estado são julgados pelo STF, STJ (Superior Tribunal de Justiça), tribunais regionais federais e tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Ao deixar o cargo, continuariam a responder perante essas instâncias sobre atos praticados quando autoridades. A mesma regra valerá para ex-congressistas.
A proposta de Andrada já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. E estaria pronta para seguir ao Senado não fossem recursos apresentados por PT e PDT para ser apreciada pelo plenário da Câmara.
Aécio tentará negociar a retirada dos recursos. No entanto, se a oposição insistir, submeterá o pedido de recurso ao plenário. Se ele for derrubado, o projeto seguirá para o Senado. Se for aprovado, os deputados votarão o projeto de lei, com possibilidade de alteração através de emendas supressivas.
O governo, porém, deverá obter vitória porque o quórum do projeto de lei facilita sua estratégia. Atingido o quórum mínimo para votação (257 deputados em plenário), vence quem tiver maioria simples. No Senado, o governo tem maioria folgada.
Em 1999, o Supremo acabou com o foro privilegiado para ex-autoridades. Antes dessa decisão, o STF julgou e absolveu o ex-presidente impedido Fernando Collor de Mello por falta de provas. Collor respondeu à ação penal por corrupção passiva.
No ano 2000, os deputados governistas tentaram restabelecer o foro privilegiado por emenda constitucional, mas foram derrotados. Por isso, FHC e a base governista insistiram no tema por meio de um projeto de lei.

Detalhe polêmico
A resistência de setores do Ministério Público ao foro privilegiado foi agravada devido a uma modificação feita no projeto original de Andrada, que concedia o expediente apenas para delitos penais.
Foi acrescentada a prerrogativa de foro privilegiado para ações de improbidade administrativa, um ilícito de natureza civil.
"Se o projeto original era altamente questionável, a modificação o tornou ainda pior. Na prática, acaba com a atuação do Ministério Público, seja federal ou estadual, na primeira instância", diz o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Marfan Martins Vieira.
Ou seja, pela regra atual, qualquer procurador federal pode propor ação de improbidade administrativa na primeira instância federal contra o presidente da República ou um ministro. Com o projeto, apenas o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, poderia fazer isso.
O presidente da Conamp diz que, se o projeto de lei for aprovado na Câmara e no Senado, sua associação entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo.


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