São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

Arquivos indicam que imagens são de um padre canadense

Fotos divulgadas não são de Herzog, afirma o governo

IURI DANTAS
FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo informou ontem que as fotos divulgadas pela imprensa nesta semana de um homem nu não são do jornalista Vladimir Herzog, morto em outubro de 1975. A Folha apurou que arquivos em posse do governo identificam o homem como sendo o padre canadense Leopoldo d'Astous, que viveu no Brasil até 1997.
Ontem, no fim da tarde, o ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) divulgou nota à imprensa confirmando que não é Herzog quem aparece nas fotos. "A direção da Agência Brasileira de Inteligência me comunicou hoje (21/10) que as fotos publicadas na imprensa durante esta semana não correspondem ao jornalista Vladimir Herzog."
Segundo a nota, "por ser uma investigação ilegal" conduzida pelo antigo SNI (Serviço Nacional de Informações), o ministro negou-se a revelar os nomes das pessoas nas fotos. Procurada ontem, a Abin recusou-se a comentar a nota de Nilmário Miranda.
Além das três fotos, o arquivo à disposição do presidente, ao qual a Folha teve acesso, possui outras seqüências anteriores e posteriores às três publicadas. Ao todo, são mais de 30 fotos mostrando o padre com uma mulher, que seria Terezinha de Sales, de Brasília.
O padre começou a ser seguido por espiões do regime militar no início dos anos 70 por conta de seus sermões, considerados "de esquerda". Ele seria ligado ao PCB, segundo informes da época. Até 1997, d'Astous cuidava da paróquia São José Operário, na Asa Norte, em Brasília. Na avaliação dos militares, a espionagem era uma forma de pressioná-lo a deixar suas idéias "subversivas".
Segundo os documentos arquivados, as três imagens divulgadas foram registradas em 1973, em uma chácara em Caldas Novas (GO), onde o padre supostamente passava o final de semana com a mulher. Há fotos que mostram cenas da chegada deles, dos dois nus em uma cachoeira, passeios na floresta e eles em um quarto. O padre diz que eles foram forçados a tirar as roupas e fotografados (leia texto na página A5).
Após o incidente, o padre continuou sua vida normalmente em Brasília. Reside no Canadá, mas possui um apartamento na Asa Norte, onde fica quando visita o Brasil. Segundo pessoas próximas, ele esteve no primeiro semestre no país e foi a um churrasco na paróquia São José Operário.
Além da igreja, d'Astous também dava aulas na Universidade Católica de Brasília. Ele lecionou por dez anos -1º de abril de 1974 a 10 de agosto de 1984- e hoje não mantém vínculo com a instituição. A UCB informou que não poderia fornecer fotos do padre.
As três fotos foram publicadas no domingo pelo jornal "Correio Braziliense". Elas estavam na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados desde 1997 e foram entregues pelo cabo reformado José Alves Firmino.
Desde domingo, o Exército evitava negar a veracidade das fotos. Setores de Inteligência da Força possuem cópias do relatório que investigou o padre Leopoldo d'Astous. O problema é que, se o Exército disser que as fotos não mostram o jornalista, e sim o padre, estará admitindo que ainda hoje guarda arquivos sobre a repressão política no regime militar.


Colaborou RANIER BRAGON, da Sucursal de Brasília

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