São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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Papéis detalham pós-guerra, dizem analistas alemães

ÉRICA FRAGA
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

Na Alemanha, a notícia da divulgação de documentos inéditos pela Folha que mostram a trajetória do médico nazista Josef Mengele no Brasil foi vista como um passo importante para a reconstrução da história posterior à Segunda Guerra.
Historiadores e representantes da comunidade judia avaliaram o conteúdo de cartas e do diário de Mengele como confirmação de que ele faz jus à sua fama de "encarnação do demônio".
"Biografias já apontavam para o fato de que ele nunca se arrependeu do que fez. Esses outros documentos são importantes porque reforçam a percepção de que uma minoria de nazistas não mudou suas idéias em nem um centímetro", disse Estephan Malinowski, professor de história da Universidade Livre de Berlim.
Segundo Malinowski, outro motivo da importância de se esclarecer a trajetória de figuras importantes do partido nazista que se refugiaram na América Latina é mostrar o papel da região na história do pós-guerra.
"Alguns países, como a Argentina, permitiram que essas pessoas criassem um "paraíso sul-americano nazista", no qual tiveram espaço para se manter fiéis aos seus princípios e ideais, muitas vezes impunemente", afirmou.
David Gal, que publica a revista haGalil -revista eletrônica voltada para a comunidade judia na Alemanha-, recebeu a notícia da descoberta dos pertences de Mengele "com forte emoção", segundo ele próprio:
"É incrível confirmar que ele nem mesmo se arrependeu do que fez. Mengele foi um homem muito frio. Ele não ficou sentado em uma sala dando ordens, ele participou diretamente de tudo, ele esteve nas câmaras de gás. Saber que ele nunca se arrependeu de nada disso é horrível. Eu fico chocado".
Segundo Gal, os documentos descobertos são fundamentais para a reconstrução de um pedaço da história.
"Não sabemos o suficiente sobre o que aconteceu."

Neonazismo
Gal diz, no entanto, temer que a divulgação dos pensamentos e das convicções de Mengele sirvam como inspiração para os chamados neonazistas. "Ao saber que que ele nunca se arrependeu essa nova geração de nazistas, que nos assusta muito, pode se sentir incentivada. Eles podem sentir que isso fortalece suas crenças."
A preocupação não apenas com os os movimentos neonazistas mas também com outras tendências ideológicas de extrema direita segue forte na Europa.
Malinowski destaca uma vertente de "preconceitos culturais" que surge até entre os partidos de esquerda. Ele cita como exemplo a resistência em se aceitar a Turquia-país muçulmano- na União Européia.
"Os argumentos usados quando se fala em Turquia não se limitam à religião, são citadas também as diferenças culturais. É compreensível que essas discussões ocorram, mas é preocupante." Ele diz crer que há uma tentativa de frear esse tipo de sentimento na Europa, mas ressalta que é um processo cujos desdobramentos são de difícil previsão e que, provavelmente, se estenderão por muitas gerações.


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