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ENTREVISTA DE 2ª
THOMAS BERRY BRAZELTON e JOSHUA SPARROW
Para professores da Universidade Harvard, pais devem ajudar criança a se desenvolver emocionalmente
Pressão por filho inteligente é prejudicial, alertam pediatras
ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Investir num atendimento de
qualidade para as crianças de 0 a 6
anos custa caro, mas, para os professores da Universidade Harvard
Thomas Berry Brazelton, 86, e
Joshua Sparrow, 49, a pergunta
que deve ser feita é se a sociedade
pretende gastar esse dinheiro antes ou depois.
"Cada US$ 1 gasto em um atendimento de qualidade na infância
economiza no futuro US$ 7 em
gastos no sistema policial e prisional", diz Sparrow.
Os dois estiveram em Porto Alegre na semana passada participando do 2º Seminário Internacional da Primeira Infância, organizado pela Unesco e pela Secretaria de Estado da Saúde.
Os especialistas explicam por
que o investimento na primeira
infância precisa ser encarado como prioridade de qualquer nação:
é nos primeiros anos de vida de
uma criança que ela aprende, por
exemplo, a controlar sua raiva.
É nessa fase também que se ensina a ter confiança e auto-estima
suficiente para não desistir quando, no processo de aprendizado, a
criança se depara com alguma dificuldade.
O investimento adequado na infância pode resultar, segundo os
autores, numa sociedade menos
violenta. Para provar essa teoria,
eles citam a pesquisa dos U$ 7 feita pela organização não-governamental Fight Crime: Invest in
Kids (Combata o Crime: Invista
em Crianças).
Ela mostra também que, somente na cidade de Nova York,
houve 77.860 casos relatados de
abuso ou negligência no ano de
2001, além dos que não foram para as estatísticas oficiais.
Com base em pesquisas com
adultos que sofreram abusos
quando crianças, a ONG estima
que 3.100 dessas 77.860 crianças
abusadas ou negligenciadas serão
no futuro violentos criminosos
que não teriam tomado esse caminho caso um bom atendimento em creches ou o sistema de saúde tivesse detectado o problema a
tempo.
A importância de dar atenção e
afeto às crianças, no entanto, não
é exclusiva de famílias pobres.
Brazelton, em um de seus artigos,
listou 12 situações de estresse que
pais de classe média sofrem hoje
em dia.
Os dois especialistas alertam,
entretanto, que a frustração dos
pais com a falta de tempo para dedicar aos filhos tem alimentado
uma indústria que lucra com essa
ansiedade. O fundamental, ensinam os dois, é dar afeto e atenção
à criança.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Brazelton e
Sparrow à Folha:
Folha - Que dificuldades pais ricos e pobres enfrentam na hora de
cuidar de seus filhos?
Thomas Berry Brazelton - Os pais
querem sempre dar o melhor para seus filhos. Se esses pais não viverem em uma situação de estresse, certamente serão apaixonados
pelas suas crianças.
Pais de classe média podem viver uma situação de estresse
quando ambos trabalham fora e
têm, por exemplo, a mídia competindo pelas mentes e corações
de seus filhos.
Há estresse também quando os
médicos e a escola não funcionam
como deveriam.
Os pais mais pobres enfrentam,
também, outros estresses devido
à sua condição de pobreza, como
a preocupação com comida, dinheiro ou moradia.
Joshua Sparrow - Eu não gosto
de fazer generalizações, mas há
muitas pessoas mais pobres que
não têm idéia do que elas devem
esperar da sociedade.
Nos Estados Unidos, muitas vezes perguntamos para pais pobres
o que eles achavam do cuidado
médico que seus filhos recebiam e
eles respondiam que estavam satisfeitos, quando nós sabíamos
que o atendimento era, na verdade, terrível. Às vezes, suas expectativas são tão baixas que eles não
têm noção sobre os seus direitos.
No caso de pais de classe média,
acho que aqueles que lêem muitos
livros sobre crianças feitos por
gente como nós acabam tendo
gente como nós interferindo muito na relação delas com os filhos.
Folha - E o que há de mal nisso?
Sparrow - A coisa mais importante para as crianças são seus
pais. Pessoas que estão muito
ocupadas e trabalham o tempo
todo, quando voltam para casa,
acabam atendendo sempre o telefone celular ou vão para o computador para ler os e-mails de trabalho. É como se raramente estivessem disponíveis, do
ponto de vista emocional, para seus filhos.
Eles podem se sentir culpados por não
estarem realmente
envolvidos e, por isso, começam a gastar dinheiro para diminuir essa culpa.
Nos Estados Unidos,
há uma indústria lucrando com a ansiedade dos pais. Existem livros que tentam ensinar, por
exemplo, como "tornar seu bebê inteligente" com sugestões absurdas.
Folha - Nos anos 80
e 90, várias pesquisas
no campo da pediatria e da neurociência
mostraram que o cuidado e o carinho dos
pais é fundamental
não apenas para o desenvolvimento emocional da crianças mas
também para o desenvolvimento de sua capacidade cognitiva.
Como divulgar esses
resultados para os
pais?
Sparrow - Em primeiro lugar, não acho que podemos separar as habilidades cognitivas das habilidades emocionais.
Um pai que é ansioso para estimular o seu bebê para que ele fique inteligente não entende que
tem que ajudá-lo também a se desenvolver emocionalmente. Isso é
feito na própria relação entre pai e
filho. Nesse caso, há o risco de a
criança não ter o desenvolvimento cognitivo esperado porque está
sendo exageradamente pressionada. Com tanta pressão, ela acaba desistindo de dar atenção ao
pai no momento em que este tenta ensinar algo. A principal motivação para uma criança aprender
é o prazer que ela sente em estar
perto de outras pessoas. É por isso
que não é possível fazer uma separação do desenvolvimento cognitivo e do emocional de um bebê.
Folha - Para
aprender, a criança
precisa sempre ter
prazer?
Sparrow - Nem
sempre. Depende
da idade. Uma
criança de cinco
anos que precisa
aprender a andar
de bicicleta sem
rodinhas, por
exemplo, não
achará graça em
tentar se equilibrar. Ela poderá
cair, se machucar,
mas precisa aprender que o trabalho
árduo pode trazer
recompensas, só
que nem sempre
elas são imediatas.
Crianças que só
têm alegrias na sua
infância também
poderão ficar terrivelmente desapontadas pelo resto de suas vidas.
Folha - Há quem
diga que a falta de
atenção à criança
pode levá-la a um
comportamento
violento no futuro.
Do ponto de vista
científico, essa teoria já está comprovada?
Brazelton - Acho que uma das
coisas que mais me preocupam é
quando uma criança sofre violência porque, nesse caso, é mais provável que ela pratique violência
no futuro.
Sparrow - Já foi provado que
crianças que sofreram abuso têm
mais chances de serem violentas.
Brazelton -A negligência também tem efeitos semelhantes porque cria uma espécie de vazio na
criança, que pode levar à violência
no futuro.
Folha - Por que isso acontece?
Sparrow - Crianças aprendem a
cuidar e respeitar o outro em seus
primeiros anos de vida.
Elas começam a ter consciência
de que as outras pessoas têm sentimentos e necessidades e passam
a se preocupar com isso. Todo esse processo acontece
nos primeiros quatro ou cinco anos de
idade, quando elas
aprendem muitos
dos valores morais
que tentamos ensinar.
Brazelton - É nessa
fase também que as
crianças aprendem a
se controlar, e isso
deve ser ensinado
desde cedo.
Se os pais mostram
para o bebê que ele
pode controlar seu
choro chupando o
próprio dedo quando está zangado, eles
já estão ensinando a
criança a lidar com a
própria sua raiva.
Folha - No Brasil, segundo uma pesquisa
da Unesco divulgada
em 2000, o gasto por
aluno em pré-escolas
públicas (voltadas para a faixa etária de 4 a
6 anos) é de US$ 820
por ano. Na Alemanha, por exemplo, esse mesmo gasto é de
US$ 5.277 (em dólares
PPP, cálculo que leva
em conta o poder de
compra de cada população e permite a comparação). Segundo o mesmo estudo, o gasto por
aluno no ensino superior público
brasileiro é 12 vezes maior do que o
gasto com pré-escola. Se os primeiros anos de vida são tão cruciais para o desenvolvimento da criança,
gastar tão pouco na infância não é
um erro grave?
Brazelton - Concordo plenamente. As bases para o aprendizado e para a pessoa se sentir feliz
com ela mesma são fundamentadas nos primeiros anos de vida.
Isso torna mais fácil o aprendizado no futuro.
Sparrow - Assim como acontece
com a questão da disciplina, o
prazer espontâneo de aprender é
ensinado nos primeiros anos. Para aprender, você tem que ter coragem, encarar o risco de errar.
Nos primeiros anos, se você dá à
criança autoconfiança suficiente,
ela vai encarar o
desafio e terá coragem de correr o
risco de tentar
aprender algo que
ainda não sabe fazer. Mas se ela não
tiver autoconfiança, não tentará
aprender algo novo por pavor de errar. A melhor maneira de aprender
é correndo o risco
de errar.
Brazelton - É importante lembrar
também que muito do aprendizado
da criança é moldado pelo comportamento dos
pais. As crianças
aprendem observando e imitando
os pais. Se os adultos sabem controlar seus próprios
impulsos, as crianças também
aprenderão isso
observando-os.
Folha - Não é curioso que, após vários estudos sofisticados sobre o cérebro da criança, estamos ensinando
aos pais hoje que atenção e afeto
são importantes para o desenvolvimento das crianças quando qualquer mãe carinhosa, instintivamente, sempre soube disso?
Brazelton - Sem dúvida. Eu já visitei uma aldeia de índios no México em que os pais continuam
cuidando de seus filhos como faziam há mais de 500 anos. Eles
carregam os bebês em suas costas
o tempo todo e têm o costume de
abraçá-los e sentir sua respiração
80 vezes ao dia. Oitenta vezes! E
esses bebês nunca choram.
Sparrow - Mas isso também não
significa que os pais não precisem
de ajuda para cuidar de seus filhos. Há várias formas de estresse
e outras demandas da vida moderna que acabam interferindo
nesse processo de auto-aprendizado sobre as necessidades da
criança.
Folha - Vocês já viajaram ao redor
do mundo e visitaram muitas experiências bem-sucedidas. Qual vocês
indicariam como modelo para políticas públicas?
Sparrow - Não acho que haja um
único modo correto de cuidar das
crianças. A forma como cada pai
cuida de seu filho precisa ser
adaptada ao seu ambiente e à sua
cultura.
Brazelton - Mas acho que a Suécia pode ser indicada como um
país que tem um histórico de
bons cuidados com a situação da
primeira infância, com um sistema público de saúde com vários
profissionais que dão suporte à
família e à criança desde a gestação.
Folha - Esse não é um modelo caro demais para ser aplicado em países pobres?
Sparrow - A pergunta correta seria se você prefere pagar agora ou
depois. Um bom investimento na
primeira infância leva a uma sociedade com menos violência e
menos crimes.
Um estudo feito pela organização não-governamental Fight
Crime: Invest in Kids [Combata o
Crime: Invista em Crianças] provou que cada dólar gasto em um
atendimento de qualidade na infância poupa US$ 7 em gastos no
sistema policial e prisional. São
US$ 7 para cada US$ 1 gasto!
E não é uma questão apenas financeira.
Acho que todos ganham com
uma sociedade com menos crime
e menos violência. Sobra, certamente, mais tempo para curtir a
vida de forma relaxada.
O jornalista Antônio Gois viajou a convite dos organizadores do 2º Seminário
Internacional da Primeira Infância
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