São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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ENTREVISTA DE 2ª

THOMAS BERRY BRAZELTON e JOSHUA SPARROW

Para professores da Universidade Harvard, pais devem ajudar criança a se desenvolver emocionalmente

Pressão por filho inteligente é prejudicial, alertam pediatras

ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Investir num atendimento de qualidade para as crianças de 0 a 6 anos custa caro, mas, para os professores da Universidade Harvard Thomas Berry Brazelton, 86, e Joshua Sparrow, 49, a pergunta que deve ser feita é se a sociedade pretende gastar esse dinheiro antes ou depois.
"Cada US$ 1 gasto em um atendimento de qualidade na infância economiza no futuro US$ 7 em gastos no sistema policial e prisional", diz Sparrow.
Os dois estiveram em Porto Alegre na semana passada participando do 2º Seminário Internacional da Primeira Infância, organizado pela Unesco e pela Secretaria de Estado da Saúde.
Os especialistas explicam por que o investimento na primeira infância precisa ser encarado como prioridade de qualquer nação: é nos primeiros anos de vida de uma criança que ela aprende, por exemplo, a controlar sua raiva.
É nessa fase também que se ensina a ter confiança e auto-estima suficiente para não desistir quando, no processo de aprendizado, a criança se depara com alguma dificuldade.
O investimento adequado na infância pode resultar, segundo os autores, numa sociedade menos violenta. Para provar essa teoria, eles citam a pesquisa dos U$ 7 feita pela organização não-governamental Fight Crime: Invest in Kids (Combata o Crime: Invista em Crianças).
Ela mostra também que, somente na cidade de Nova York, houve 77.860 casos relatados de abuso ou negligência no ano de 2001, além dos que não foram para as estatísticas oficiais.
Com base em pesquisas com adultos que sofreram abusos quando crianças, a ONG estima que 3.100 dessas 77.860 crianças abusadas ou negligenciadas serão no futuro violentos criminosos que não teriam tomado esse caminho caso um bom atendimento em creches ou o sistema de saúde tivesse detectado o problema a tempo.
A importância de dar atenção e afeto às crianças, no entanto, não é exclusiva de famílias pobres. Brazelton, em um de seus artigos, listou 12 situações de estresse que pais de classe média sofrem hoje em dia.
Os dois especialistas alertam, entretanto, que a frustração dos pais com a falta de tempo para dedicar aos filhos tem alimentado uma indústria que lucra com essa ansiedade. O fundamental, ensinam os dois, é dar afeto e atenção à criança.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Brazelton e Sparrow à Folha:
 

Folha - Que dificuldades pais ricos e pobres enfrentam na hora de cuidar de seus filhos?
Thomas Berry Brazelton -
Os pais querem sempre dar o melhor para seus filhos. Se esses pais não viverem em uma situação de estresse, certamente serão apaixonados pelas suas crianças.
Pais de classe média podem viver uma situação de estresse quando ambos trabalham fora e têm, por exemplo, a mídia competindo pelas mentes e corações de seus filhos.
Há estresse também quando os médicos e a escola não funcionam como deveriam.
Os pais mais pobres enfrentam, também, outros estresses devido à sua condição de pobreza, como a preocupação com comida, dinheiro ou moradia.

Joshua Sparrow - Eu não gosto de fazer generalizações, mas há muitas pessoas mais pobres que não têm idéia do que elas devem esperar da sociedade.
Nos Estados Unidos, muitas vezes perguntamos para pais pobres o que eles achavam do cuidado médico que seus filhos recebiam e eles respondiam que estavam satisfeitos, quando nós sabíamos que o atendimento era, na verdade, terrível. Às vezes, suas expectativas são tão baixas que eles não têm noção sobre os seus direitos.
No caso de pais de classe média, acho que aqueles que lêem muitos livros sobre crianças feitos por gente como nós acabam tendo gente como nós interferindo muito na relação delas com os filhos.

Folha - E o que há de mal nisso?
Sparrow
- A coisa mais importante para as crianças são seus pais. Pessoas que estão muito ocupadas e trabalham o tempo todo, quando voltam para casa, acabam atendendo sempre o telefone celular ou vão para o computador para ler os e-mails de trabalho. É como se raramente estivessem disponíveis, do ponto de vista emocional, para seus filhos.
Eles podem se sentir culpados por não estarem realmente envolvidos e, por isso, começam a gastar dinheiro para diminuir essa culpa. Nos Estados Unidos, há uma indústria lucrando com a ansiedade dos pais. Existem livros que tentam ensinar, por exemplo, como "tornar seu bebê inteligente" com sugestões absurdas.

Folha - Nos anos 80 e 90, várias pesquisas no campo da pediatria e da neurociência mostraram que o cuidado e o carinho dos pais é fundamental não apenas para o desenvolvimento emocional da crianças mas também para o desenvolvimento de sua capacidade cognitiva. Como divulgar esses resultados para os pais?
Sparrow -
Em primeiro lugar, não acho que podemos separar as habilidades cognitivas das habilidades emocionais.
Um pai que é ansioso para estimular o seu bebê para que ele fique inteligente não entende que tem que ajudá-lo também a se desenvolver emocionalmente. Isso é feito na própria relação entre pai e filho. Nesse caso, há o risco de a criança não ter o desenvolvimento cognitivo esperado porque está sendo exageradamente pressionada. Com tanta pressão, ela acaba desistindo de dar atenção ao pai no momento em que este tenta ensinar algo. A principal motivação para uma criança aprender é o prazer que ela sente em estar perto de outras pessoas. É por isso que não é possível fazer uma separação do desenvolvimento cognitivo e do emocional de um bebê.

Folha - Para aprender, a criança precisa sempre ter prazer?
Sparrow -
Nem sempre. Depende da idade. Uma criança de cinco anos que precisa aprender a andar de bicicleta sem rodinhas, por exemplo, não achará graça em tentar se equilibrar. Ela poderá cair, se machucar, mas precisa aprender que o trabalho árduo pode trazer recompensas, só que nem sempre elas são imediatas. Crianças que só têm alegrias na sua infância também poderão ficar terrivelmente desapontadas pelo resto de suas vidas.

Folha - Há quem diga que a falta de atenção à criança pode levá-la a um comportamento violento no futuro. Do ponto de vista científico, essa teoria já está comprovada?
Brazelton -
Acho que uma das coisas que mais me preocupam é quando uma criança sofre violência porque, nesse caso, é mais provável que ela pratique violência no futuro.

Sparrow - Já foi provado que crianças que sofreram abuso têm mais chances de serem violentas.

Brazelton -A negligência também tem efeitos semelhantes porque cria uma espécie de vazio na criança, que pode levar à violência no futuro.

Folha - Por que isso acontece?
Sparrow -
Crianças aprendem a cuidar e respeitar o outro em seus primeiros anos de vida.
Elas começam a ter consciência de que as outras pessoas têm sentimentos e necessidades e passam a se preocupar com isso. Todo esse processo acontece nos primeiros quatro ou cinco anos de idade, quando elas aprendem muitos dos valores morais que tentamos ensinar.

Brazelton - É nessa fase também que as crianças aprendem a se controlar, e isso deve ser ensinado desde cedo.
Se os pais mostram para o bebê que ele pode controlar seu choro chupando o próprio dedo quando está zangado, eles já estão ensinando a criança a lidar com a própria sua raiva.

Folha - No Brasil, segundo uma pesquisa da Unesco divulgada em 2000, o gasto por aluno em pré-escolas públicas (voltadas para a faixa etária de 4 a 6 anos) é de US$ 820 por ano. Na Alemanha, por exemplo, esse mesmo gasto é de US$ 5.277 (em dólares PPP, cálculo que leva em conta o poder de compra de cada população e permite a comparação). Segundo o mesmo estudo, o gasto por aluno no ensino superior público brasileiro é 12 vezes maior do que o gasto com pré-escola. Se os primeiros anos de vida são tão cruciais para o desenvolvimento da criança, gastar tão pouco na infância não é um erro grave?
Brazelton -
Concordo plenamente. As bases para o aprendizado e para a pessoa se sentir feliz com ela mesma são fundamentadas nos primeiros anos de vida. Isso torna mais fácil o aprendizado no futuro.

Sparrow - Assim como acontece com a questão da disciplina, o prazer espontâneo de aprender é ensinado nos primeiros anos. Para aprender, você tem que ter coragem, encarar o risco de errar. Nos primeiros anos, se você dá à criança autoconfiança suficiente, ela vai encarar o desafio e terá coragem de correr o risco de tentar aprender algo que ainda não sabe fazer. Mas se ela não tiver autoconfiança, não tentará aprender algo novo por pavor de errar. A melhor maneira de aprender é correndo o risco de errar.

Brazelton - É importante lembrar também que muito do aprendizado da criança é moldado pelo comportamento dos pais. As crianças aprendem observando e imitando os pais. Se os adultos sabem controlar seus próprios impulsos, as crianças também aprenderão isso observando-os.

Folha - Não é curioso que, após vários estudos sofisticados sobre o cérebro da criança, estamos ensinando aos pais hoje que atenção e afeto são importantes para o desenvolvimento das crianças quando qualquer mãe carinhosa, instintivamente, sempre soube disso?
Brazelton -
Sem dúvida. Eu já visitei uma aldeia de índios no México em que os pais continuam cuidando de seus filhos como faziam há mais de 500 anos. Eles carregam os bebês em suas costas o tempo todo e têm o costume de abraçá-los e sentir sua respiração 80 vezes ao dia. Oitenta vezes! E esses bebês nunca choram.

Sparrow - Mas isso também não significa que os pais não precisem de ajuda para cuidar de seus filhos. Há várias formas de estresse e outras demandas da vida moderna que acabam interferindo nesse processo de auto-aprendizado sobre as necessidades da criança.

Folha - Vocês já viajaram ao redor do mundo e visitaram muitas experiências bem-sucedidas. Qual vocês indicariam como modelo para políticas públicas?
Sparrow -
Não acho que haja um único modo correto de cuidar das crianças. A forma como cada pai cuida de seu filho precisa ser adaptada ao seu ambiente e à sua cultura.

Brazelton - Mas acho que a Suécia pode ser indicada como um país que tem um histórico de bons cuidados com a situação da primeira infância, com um sistema público de saúde com vários profissionais que dão suporte à família e à criança desde a gestação.

Folha - Esse não é um modelo caro demais para ser aplicado em países pobres?
Sparrow -
A pergunta correta seria se você prefere pagar agora ou depois. Um bom investimento na primeira infância leva a uma sociedade com menos violência e menos crimes.
Um estudo feito pela organização não-governamental Fight Crime: Invest in Kids [Combata o Crime: Invista em Crianças] provou que cada dólar gasto em um atendimento de qualidade na infância poupa US$ 7 em gastos no sistema policial e prisional. São US$ 7 para cada US$ 1 gasto!
E não é uma questão apenas financeira.
Acho que todos ganham com uma sociedade com menos crime e menos violência. Sobra, certamente, mais tempo para curtir a vida de forma relaxada.


O jornalista Antônio Gois viajou a convite dos organizadores do 2º Seminário Internacional da Primeira Infância


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