São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

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GOVERNO

Instituto mediu e pesou os entrevistados para calcular o déficit de peso

IBGE contesta declarações do presidente sobre a fome

PEDRO SOARES
ANTONIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva partiu de uma premissa errada ao comentar indiretamente, anteontem, pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que revelou, na semana passada, a existência de mais adultos com excesso do que com déficit de peso no Brasil.
Lula disse, em comemoração no Palácio do Planalto, que as pessoas "têm vergonha" de declarar que passam fome: "A fome não é uma coisa medida em pesquisa (...). Pode colocar todos os institutos de pesquisa para saber se as pessoas estão com fome e, possivelmente, o resultado será negativo (...). Não é todo ser humano que reconhece que passa fome".
Na realidade, a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE não extraiu os números sobre déficit de peso e obesidade a partir de perguntas subjetivas sobre fome. Como diz o próprio presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, não há nenhuma referência à fome, desnutrição ou pobreza: "O que a pesquisa fez foi medir e pesar as pessoas e determinar, segundo padrões estabelecidos internacionalmente [pelo Índice de Massa Corporal], quem está abaixo do peso indicado e quem está acima. Não há nada de subjetivo nesse cálculo".
Embora Lula não tenha mencionado diretamente a POF, ela foi a última pesquisa de grande repercussão a tratar da alimentação dos brasileiros.
Ontem, dois funcionários do IBGE interromperam uma entrevista coletiva sobre Estatísticas de Registro Civil de 2003 para reclamar das declarações de Lula. Nunes afirmou que esse protesto constituiu um fato isolado e que não há nenhum mal-estar no órgão em relação aos comentários do presidente. "Não acho que comentários sobre a pesquisa, mesmo se feitos pelo presidente da República, coloquem em dúvida a reputação do IBGE", disse.
Apesar de ressaltar que Lula não contestou a pesquisa do IBGE, o diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, afirmou que "a informação que deve ter faltado ao presidente é que a pesquisa foi baseada em medidas antropométricas (Índice de Massa Corporal)".
Para Guimarães, a existência de obesidade não é "contraditória" com a política do governo federal de combate à fome: "Uma coisa nada tem a ver com a outra. A fome crônica, manifestação subjetiva e às vezes extremada da desnutrição, é uma dívida social remanescente. A obesidade é uma dívida social emergente", disse.
Realizada pelo IBGE em 48.470 domicílios de todo país, a POF revelou que a insuficiência de peso afeta 4% da população adulta, ou 3,8 milhões de pessoas. Outras 40,6%, ou 38,8 milhões, têm excesso de peso. Segundo padrões internacionais, uma taxa de até 5% é considerada normal, pois corresponde ao percentual de pessoas de constituição hereditariamente magra. O IBGE ainda não divulgou informações sobre crianças e adolescentes.
Em maio, na divulgação prévia da POF, foram apresentadas informações baseadas em perguntas subjetivas. Nenhuma delas se referia diretamente à fome. Nos resultados dessa parte da pesquisa, 46,6% das famílias afirmaram que tinham restrições para comprar alimentos -para 13,83%, o alimento era normalmente insuficiente. Ao todo, 85% das famílias responderam que tinham dificuldades para chegar ao final do mês com sua renda.

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