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ENTREVISTA - ALDO REBELO
Presidente da Câmara defende isonomia salarial entre Poderes; ele quer divulgar na internet como deputados gastam, por mês, verba indenizatória de R$ 15 mil
Deputado quer congelar teto de R$ 24,5 mil do Supremo
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), adotou oficialmente uma proposta que
tem circulado no Congresso: congelar por quatro anos os salários dos ministros do Supremo
Tribunal Federal até que seja decidido um teto rigoroso para
os vencimentos do funcionalismo público. O STF derrubou
nesta semana o aumento de 91% autoconcedido a deputados
e senadores. Muitos congressistas ficaram irritados com a decisão, que causou mais desgaste para Câmara e Senado.
Toda vez que o Judiciário deseja um aumento de salário, envia uma proposta de lei ao Congresso. Já está pronto para votação o projeto 7.297, que altera
de R$ 24,5 mil para R$ 25,725
mil os vencimentos dos ministros do Supremo a partir de 1º
de janeiro de 2007 -alta de 5%.
Além de propor o congelamento dos salários dos juízes,
Aldo Rebelo também deseja
adotar outra medida polêmica:
colocar na internet a íntegra
das prestações de contas mensais de todos os deputados a
respeito da verba indenizatória
-os R$ 15 mil que cada um recebe mensalmente para gastos
com escritórios, telefones e gasolina, entre outros. "Quero
adotar de imediato na internet
a inserção das notas fiscais.
Pretendo que a próxima legislatura seja iniciada com esse
novo procedimento", diz ele.
Aos 50 anos, fumante diário
de um maço e meio de cigarros
Charm, Aldo é o comunista
mais bem-sucedido da política
brasileira. Assumiu a presidência da Câmara após a renúncia
de Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005. Quer ficar mais
um período na cadeira. Ontem,
no fim do dia, comunicou sua
decisão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na parte da
manhã, recebeu a Folha para
um balanço de sua gestão. A seguir, trechos da entrevista:
FOLHA - Quais foram as principais
marcas positivas e negativas da
atual legislatura?
ALDO REBELO - A reforma da Previdência, a tributária -ainda
que parcial-, a polêmica regulamentação da pesquisa e da
comercialização de produtos
derivados de organismos geneticamente modificados -o país
vivia sob uma moratória nessa
área. Também foi aprovada a
nova lei de falências, que vai
permitir a recuperação de empresas, o Fundeb [para universalização da educação básica],
uma legislação importante sobre saneamento básico e a nova
lei das micro e pequenas empresas. É um saldo positivo.
FOLHA - E o negativo?
ALDO - O grande número de
parlamentares envolvidos em
escândalos.
FOLHA - Essa legislatura é pior do
que as que a antecederam?
ALDO - É difícil comparar. Em
outros períodos, não houve o tipo de investigação de agora.
FOLHA - Existe uma percepção de
que a legislatura atual foi ineficaz ao
não punir muitos dos congressistas
envolvidos nos escândalos.
ALDO - Respeito a avaliação,
mas acho que foi nesta legislatura que se avançou com medidas moralizadoras. Deu-se fim
ao pagamento por convocações
extraordinárias. Reduzimos o
recesso parlamentar de 90 para
55 dias. E moralizamos o uso
dos cargos de natureza especial, com 1.143 demitidos.
A Câmara é o Poder mais
aberto e transparente do país.
Todas as sessões são abertas,
televisionadas. Os dados sobre
gastos estão na internet. Tenho
dúvidas de que alguma outra
corporação, pública ou privada,
resistiria em pé uma semana
passando pelo mesmo escrutínio rigoroso e diário pelo qual a
Câmara é submetida. E o caminho para aprimorar é aprofundar essa transparência. Abrir
ainda mais. Além de promover
um debate com a sociedade para que os outros Poderes façam
o mesmo.
FOLHA - Apesar dessa transparência e escrutínio diário, a Câmara puniu apenas três dos 19 deputados
envolvidos com o mensalão. Há na
sociedade uma sensação de ineficácia. Por que isso ocorre?
ALDO - Aqui, houve o julgamento político. O julgamento
penal se dará na Justiça.
FOLHA - O sr. simpatiza com o repasse dos julgamentos de políticos
para o STF?
ALDO - Em tese, por ser político, o julgamento precisa ser
aqui na Casa para preservar a
independência entre Poderes.
Mas há também o vício incontornável de o julgamento ser
prejudicado pelo risco do corporativismo ou da perseguição.
Acho que poderíamos evoluir
para uma situação intermediária. A licença para o julgamento
sendo dada pelo Legislativo,
autorizando o Judiciário.
FOLHA - Qual foi o erro no episódio
do aumento para os rendimentos do
deputados e dos senadores?
ALDO - Pensou-se que um ato
conjunto das Mesas bastaria.
Havia insegurança sobre essa
decisão, tanto que o ato não foi
constituído.
FOLHA - Como é possível, com cerca de 30 mil funcionários, que a que
a Câmara e o Senado não tenham
constatado essa ilegalidade antes
de anunciar a decisão?
ALDO - Todos estavam, inclusive os assessores, envolvidos na
sobrecarga da agenda que marca o fim do ano legislativo.
Houve a tradição segundo a
qual a legislatura cessante fixa
o valor dos subsídios para a seguinte.
FOLHA - O Senado se omitiu?
ALDO - Não.
FOLHA - Haverá clima para retomar o tema em fevereiro?
ALDO - Acho que haverá clima
para retomar o tema da remuneração dos servidores públicos de maneira geral. É preciso
encontrar uma solução de maneira permanente, não submetida ao arbítrio de um ou outro
Poder. A autonomia entre os
Poderes é para o exercício das
suas atribuições constitucionais e legais.
Não concebo como exercício
da independência dos Poderes
a fixação arbitrária por parte de
cada um das suas respectivas
remunerações.
Os Três Poderes devem conceber uma política de remuneração para o topo com algum
grau de isonomia e limites.
Constitui deformação inaceitável servidores do Poder Executivo que ganham mais do que
o presidente da República e do
que um senador. Ou um juiz estadual ganhando mais do que
um ministro do Supremo.
FOLHA - Como seria a isonomia?
ALDO - No topo da carreira de
cada um dos Poderes é preciso
haver equilíbrio. A idéia é que
os ministros do Supremo, os
deputados e senadores, os ministros de Estado, o presidente
da República tenham algum
grau de isonomia.
FOLHA - O que é "algum grau de
isonomia"?
ALDO - O ideal é que fosse isonomia de fato. Iguais. Tanto
com o aumento da remuneração de uns ou com a redução ou
congelamento da remuneração
de outros. Não é algo que tenha
de ser resolvido por uma canetada. Resolve-se no médio e no
longo prazo esse equilíbrio.
FOLHA - Os maiores salários estão
no Judiciário. Como fazer?
ALDO - É preciso que se transforme esse problema em uma
questão para o país, do país.
Que se faça publicamente essa
discussão.
FOLHA - Mas o sr. poderia dizer
qual valor considera o valor a ser
perseguido para a remuneração do
alto escalão dos Três Poderes?
ALDO - A lei não permite a redução de vencimentos. Eu acho
que de início deveria haver um
congelamento por quatro anos
dos vencimentos maiores. E isso não significa que os que estejam abaixo do teto tenham de
alcançá-lo de imediato. Podem
fazê-lo no médio e no longo
prazo.
FOLHA - O salário oficialmente
mais alto é o dos ministros do Supremo. O sr. está propondo congelar esses salários?
ALDO - Sim.
FOLHA - E no caso de presidente da
República, ministros de Estado e
congressistas?
ALDO - Pode ser estabelecido
um cronograma de recuperação ao longo de quatro ou oito
anos. Mas isso não é o principal
do debate. O principal é estabelecer um teto para todos, ativos
e inativos.
FOLHA - Mas os ministros do Supremo já enviaram um projeto de lei
aumentando seus salários de R$
24,5 mil para R$ 25,725 mil, a partir
de 1º de janeiro. O que fazer com esse projeto?
ALDO - Submeter ao debate geral, mas não conceder neste
momento.
FOLHA - Esse congelamento não
será entendido como retaliação ao
Judiciário, uma vez que o Supremo
derrubou o aumento dos salários do
Congresso?
ALDO - Não. Porque a idéia é
que os salários dos ministros do
Supremo, embora não sejam do
nosso ponto de vista tão elevados, já se encontram em um patamar que pode aguardar um
amplo debate nacional sobre a
remuneração dos servidores. A
construção do caminho do teto
para o serviço público, sem que
isso signifique a degradação
dos salários dos ministros do
Supremo.
FOLHA - No caso dos congressistas,
como dar mais seriedade ao uso dos
R$ 15 mil mensais que cada um recebe a título de verba indenizatória?
ALDO - Quero adotar de imediato na internet a inserção das
notas fiscais. Pretendo que a
próxima legislatura seja iniciada com esse novo procedimento. Depende de uma decisão da
Mesa Diretora da Câmara, que
poderá tomá-la em janeiro.
FOLHA - Haverá tempo antes do
início da próxima legislatura para
tomar tal decisão?
ALDO - Haverá. Já falei com os
líderes e integrantes da Mesa.
Creio que todos terão sensibilidade para apoiar.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre
a possibilidade de sucesso da coalizão partidária governista que está
em fase de montagem?
ALDO - Eu diria que a necessidade da coalizão é inversamente proporcional à convicção política do PT para construí-la.
Para dar certo é preciso um esforço maior. O Brasil é um país
que construiu suas transições
sob o signo das coalizões. O PT
não é um partido formado nessa tradição brasileira. É um
partido com uma matriz eurocentrista e muito determinada.
Não parte da idéia da união ampla de forças políticas e intelectuais do país. Tenho tranqüilidade em dizer isso, pois o PC do
B sempre procurou uma aliança mais próxima com o PT.
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