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PECADO CAPITAL
Uso sem transparência do cartão de crédito é contestado pelo TCU
Presidência eleva gastos com saques em dinheiro no cartão
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
C.P.F. é funcionário da Presidência da República. Como outros 47 servidores conhecidos como ecônomos do Planalto, ele é titular de um cartão de crédito corporativo, destinado à compra de
passagens aéreas, a gastos com
deslocamento de autoridades e ao
pagamento de materiais e serviços mais urgentes na Presidência,
como lanches ou cartuchos de
tinta para impressoras.
Em um único mês do ano passado, C. sacou em dinheiro vivo
mais de R$ 78 mil, o suficiente para quatro passagens de São Paulo
a Paris em primeira classe, ida e
volta. A fatura do mês de janeiro
do mesmo cartão, descontados os
saques, já havia alcançado
R$ 287,7 mil. O suficiente para
comprar 15 carros populares, do
modelo mais barato.
O que deveria ser uma situação
excepcional -saques em dinheiro com cartões para despesas
imediatas-, virou rotina, indica
levantamento feito no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos públicos) pela assessoria técnica do PSDB.
Uma rotina cara. Nos dois primeiros anos da administração de
Luiz Inácio Lula da Silva, os gastos
com cartões de crédito corporativos da Presidência da República
somaram R$ 16,7 milhões. Os saques em dinheiro beiraram os
R$ 6 milhões.
Esses saques são autorizados
pela legislação para cobrir despesas em estabelecimentos que não
aceitam cartão de crédito.
De acordo com os dados do Siafi, o volume de saques em dinheiro cresceu 10% no ano passado,
quando o uso supostamente indevido de cartões de crédito já era alvo de inspeção do TCU (Tribunal
de Contas da União).
Idealizado para controlar como
é gasto o dinheiro do contribuinte, o Siafi só chega até a metade do
caminho com as movimentações
feitas com cartão de crédito.
Em vez de ordens bancárias que
permitem identificar fornecedores de bens e serviços, constam
apenas registros de pagamentos
ao Banco do Brasil, instituição
que administra os cartões de crédito da Presidência.
"As dificuldades surgem quando se deseja o detalhamento dessa
despesa, ou seja, saber exatamente qual tipo de material ou equipamento foi adquirido", aponta o
relatório do Tribunal de Contas
da União. O documento confirmou que o uso de cartões crescia
em proporção inversa à transparência do gasto público.
Entre as recomendações feitas
em novembro à Secretaria de Administração da Presidência da República, apêndice da Casa Civil, o
TCU sugeriu: 1) que observassem
os princípios da prudência administrativa; 2) que atentassem para
o "caráter excepcional" da realização de saques.
No mês seguinte, os saques em
dinheiro do mesmo C. passaram
de R$ 50 mil.
"Vamos esperar o comportamento nos primeiros meses deste
ano, ver se atendem às recomendações do TCU", disse o deputado federal Alberto Goldman
(PSDB-SP), um dos autores do
pedido de inspeção. "Não há justificativa para tamanha falta de
transparência", observou.
"Mordomo"
O uso dos cartões de crédito
corporativos foi autorizado na administração pública ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Em 2002, ano de estréia da nova
forma de pagamento de despesas
imediatas, faturas e saques com
cartões da Presidência da República somaram R$ 1,3 milhão. No
ano seguinte, primeiro de governo Lula, os gastos foram multiplicados por sete.
Ainda de acordo com o Siafi, C.
já atuava desde 2002 como ecônomo, palavra que o dicionário ""Aurélio" oferece como sinônimo de
"indivíduo encarregado da administração de uma casa grande, ou
de uma instituição particular ou
pública; mordomo". No governo
federal, o termo designa os titulares de cartões de crédito corporativos do governo, nos quais nunca
aparecem diretamente os nomes
das autoridades.
Recordista
Embora o sistema registre no
nome de C. saques em valores elevados -em 2003, foram sacados
R$ 12 mil num único dia-, o funcionário não é o recordista no uso
dos cartões para realizar saques
em dinheiro vivo.
O posto é de de outro ecônomo
-J.R.A.P. No ano passado, ele sacou quase R$ 330 mil entre os meses de janeiro e dezembro.
É seguido por C. (R$ 321 mil) e
A.F.A. (R$ 294 mil). Por razões de
segurança, a Folha decidiu identificá-los apenas pelas iniciais.
Dos 48 ecônomos do Planalto,
oito sacaram acima de R$ 250 mil
durante o ano, registra o Siafi.
Do grupo, faz parte (em quarto
lugar) A.P.F., que é o atual chefe
dos ecônomos da Presidência.
Na quinta-feira, ele disse que
não estava autorizado a falar com
a Folha. No mesmo dia, C. encontrava-se em viagem à Bahia, de
onde seguiria para o Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre, disse
um colega de ramal telefônico.
A reportagem buscou saber ainda quais áreas do Planalto estavam efetuando os gastos, mas a
Presidência não informou a qual
dos diversos órgãos (Casa Civil,
Secom etc.) cada ecônomo é subordinado.
Sem transparência
A ausência de transparência nos
gastos da Presidência da República foi constatada pelo Tribunal de
Contas da União.
"A equipe de auditoria registra a
existência de dificuldades para a
obtenção de detalhes relativos às
transações efetuadas com cartão
de crédito", diz o texto do relatório do ministro Marcos Vilaça.
A falta de transparência é mais
grave nos saques em dinheiro.
Sem registros dos fornecedores
de bens e serviços nas faturas dos
cartões de crédito, os auditores tiveram de se contentar com notas
fiscais, cujo preenchimento consideraram incompleto.
"A realização de saques tem viabilizado procedimentos impróprios, como a manutenção de recursos do Tesouro em poder do
portador até a data da efetiva realização da despesa", anotou o relatório do Tribunal de Contas.
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