São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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JANIO DE FREITAS

Variações invariáveis

Saiu de moda. Talvez por cansaço, como é comum nas modas, talvez porque o noticiário econômico seja influenciado demais pelo governismo, e o dado é impiedoso. Mas o fato está aí: a dívida do governo, que é nossa porque somos os condenados a pagá-la, tem crescido assombrosamente. Mais de 30% em apenas 24 meses. O governo Lula recebeu-a em R$ 623 bilhões e ao entrar neste janeiro já a elevava a R$ 812 bilhões. Obra da sua política de juros.
Os títulos da dívida governamental são, hoje em dia, a melhor fonte de enriquecimento fácil. Assim se explica a insignificância do investimento produtivo procedente do exterior e sua preferência pela chamada aplicação de curto prazo: aplica, recebe o lucro presenteado pelos juros sem iguais no mundo, e leva o dinheiro de volta. O lucro que vai embora é dinheiro que foi pago ao governo sob a forma de impostos e contribuições compulsórias, ou proveniente de mais aumento da dívida. É, portanto, um modo de empobrecimento da população e da economia do país.
Quando a dívida era um quinto ou um sexto da atual, costumavam defini-la como uma bomba relógio. Dívida que se tornava impagável e fatalmente levaria a estrangulamento de consequências atômicas. A definição desapareceu (lucros recordistas sempre preferem o silêncio), mas sua verdade é cada vez mais verdadeira.

Privatização
A coletivização das terras agrícolas na União Soviética na era stalinista, segundo a estimativa consagrada, exterminou seis milhões de vidas. O número é contaminado pela propaganda anticomunista, o provável é que fosse inestimável por falta de registros à época, mas por certo foram milhões de vidas perdidas. Apesar da coletivização imposta, foi o pequeno agricultor, a gente da agropecuária familiar, que manteve alimentadas as cidades soviéticas. Durante o regime comunista e depois dele.
A decapitação coletiva da diretoria da Embrapa, feita agora pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, foi a reação de um homem interessado no agronegócio, no empreendimento de grande produção, à preferência da Embrapa por estudar modernizações da agropecuária familiar. Entre outras boas razões, a Embrapa procurava tornar menos problemático o êxito de assentados, remotos e recentes, da reforma agrária.
A nova Embrapa de Lula vai pesquisar para a grande agroindústria que tem capital para fazer suas próprias pesquisas. É mais uma modalidade de privatização.

Afinal ou final
O Plano de Gestão Programada da Segurança, entregue ao governo federal pelo governo fluminense, adotou uma posição inteligente: não pediu nem propôs o tipo ou o tamanho da colaboração, em forças policiais, militares ou qualquer outra, com que o governo Lula entraria nas ações conjuntas contra a criminalidade no Rio. O governo federal ficou compelido a dizer se colabora e que colaboração quer dar, sem ter mais a saída do "ah, isso não é possível porque o Palocci não libera, ou porque os militares não sei o quê".
Na sexta-feira, o governo federal, por intermédio do secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Correa, comunicou ao secretário fluminense Marcelo Itagiba a concordância com o plano proposto. Com que participação federal? Bem, isso ficou para amanhã.
Até agora, as promessas e os compromissos de Lula em relação ao Rio, e particularmente em relação às responsabilidades federais na criminalidade, foram submetidos ao interesse político de combater o casal Garotinho, no qual viceja o projeto de uma candidatura presidencial anti-Lula em 2006. O Plano de Gestão Programada parece ser a última oportunidade de que Lula e seu governo entendam que o problema da criminalidade não é político, não é eleitoral, é da sociedade. O que basta para atestar que o principal responsável por ele é o governo federal. Cuja omissão, vinda de longe, configura muito mais do que complacência: é conivência.

De botas
Quem foi contemporâneo das eleições e reeleições de Trumann, Nixon, Reagan, não tem o que estranhar na reeleição de George W. Bush como sucesso de uma mentira monumental -as armas de destruição em massa do Iraque. Do tanto que se poderia dizer, e muitos disseram alguma coisa, ficou uma síntese primorosa, no título de um pequeno artigo no NY Times (republicado pelo Globo) sobre o baile da nova posse: "Black-tie e botas". Foi o nome do baile e, não há dúvida, é o próprio George W. Bush.
Aproveite a ocasião e as férias para entender esta combinação que governa o mundo: está nas livrarias o livro "O Império Contra-Ataca", do correspondente Argemiro Ferreira, um jornalista brasileiro que sabe tanto dos subterrâneos da vida nos Estados Unidos quanto os melhores jornalistas norte-americanos. Em certos assuntos, mais.


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