São Paulo, quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

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ELIO GASPARI

O presidente do BC diz a verdade


Pela primeira vez, depois de 35 anos e de três outras crises, o governo não precisou mentir


ESTE ARTIGO não faz nenhuma previsão sobre o futuro da economia americana, nem sobre os seus efeitos sobre Pindorama. Ele se destina exclusivamente a informar que convém acreditar no que diz o governo. Mais precisamente, vale a pena acreditar nas observações cautelosas e didáticas do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Ele diz que o câmbio flutuante, as reservas internacionais, a responsabilidade fiscal e as metas de inflação asseguram à economia brasileira uma razoável e inédita proteção. Se é razoável, deve-se esperar para ver. Inédita, essa proteção é. Pela primeira vez, depois de 35 anos e três outras crises, o governo está dizendo verdades. Mais: não está mentindo, o que é um ótimo início de conversa.
Na crise de 1998, a ekipekonômica do tucanato, sentada em cima do câmbio fixo, jurava que não desvalorizaria a moeda. Fizeram toda sorte de mandracarias e, uma vez obtida a reeleição de FFHH, abandonaram o populismo cambial. Somaram uma dificuldade (a crise iniciada na Ásia um ano antes) a um erro (o dólar de R$ 1,20), queimaram as reservas internacionais do país e embrulharam a patuléia com lorotas.
Em 1982, quando o Brasil entrou no período de estagnação econômica que parece terminado, as dificuldades estavam na vitrine. O país tinha uma dívida externa de US$ 74 bilhões, dependia de juros baixos nos Estados Unidos e de petróleo a preços camaradas. Entre 1978 e 1981 o barril foi de US$ 14 para US$ 35, e os juros americanos chegaram a 13,5% ao ano. Tecnicamente, o país quebrou em agosto, mas, como era um ano de eleições, a banca internacional manteve a ditadura no respirador artificial até o final de outubro. Nesse caso, como no de 1998, o governo fez o jogo do contente.
A crise anterior ocorreu em pleno "milagre brasileiro". No final do governo do general Médici (1969-1974), o barril de petróleo pulou de US$ 2,90 para US$ 11,65. À época, o país importava 80% dos combustíveis fósseis que consumia. Isso significaria um rombo na economia equivalente a 18% das exportações. Negou-se o impacto da dificuldade e mascarou-se em 15,3% uma inflação que chegara a 22,5%.
Nos três casos, o governo reagiu à dificuldade apresentando-se com uma falsa vitalidade. Em dois deles, fez isso para conjurar riscos eleitorais. Tanto em 1973 como em 1982, quando a crise chegou, o estrago já estava feito. Em 1998, o negócio foi outro, pois o câmbio fixo do tucanato era uma produção doméstica.
Qualquer previsão a respeito do que vem de fora é pura quiromancia. Aliás, quem acha que sabe o que vai acontecer pode submeter sua ciência ao mercado e ganhará (ou perderá) bom dinheiro. Pelo que há por dentro, ganha-se um refresco: o presidente do Banco Central não está produzindo lorotas.
É divertido ver Nosso Guia conclamando George Bush a cuidar de sua crise, responsabilizando-o pelo contágio que os Estados Unidos possam espalhar. O mundo seria muito melhor se as coisas funcionassem assim. Esticando o argumento, Lula poderia exigir que os Estados Unidos pagassem uma Bolsa Bush a todos os cidadãos dos países que viessem a ser afetados pelo que ocorre no mercado americano. Felizmente, graças inclusive a ele, cada um tem um papel. O presidente do Banco Central fala de economia e o da República anima o auditório.


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