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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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NO PLANALTO

Deixem o grampo em paz

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os principais tipos de idéias são as ruins e as muito piores. Certas idéias, porém, nascem com cara de originais. Adotadas por pessoas influentes, assumem ares de sabedoria. Comportam-se como se tivessem tudo para ir muito longe. Olhando-as de perto, percebe-se que são medíocres como tantas outras.
O Bahiagate, por exemplo, gerou a idéia de que Brasília precisa produzir portarias, decretos e leis que inibam a proliferação do grampo telefônico.
A tese foi adotada em gabinetes de prestígio. Inclusive na sala de José Dirceu, o chefão da Casa Civil.
Ganha uma fita com a voz de Geddel Vieira Lima quem souber explicar como o endurecimento da legislação irá resultar no fim do grampo maroto, feito à margem da lei. Há muito não se ouvia besteira desse porte.
O brasileiro já conhece vários tipos de petistas. Há os incoerentes, os moderados e os radicais. Mas petista bobo é coisa que ainda não apareceu nos jornais. Não é, portanto, por lerdeza que o governo apresenta uma tolice como algo revolucionário.
Para entender o que se passa, é preciso notar o seguinte: nos últimos anos, a maioria das investigações bem-sucedidas de casos de corrupção valeram-se do grampo.
Novas leis anti-escuta servirão à causa da sombra. O Ministério Público e a Polícia Federal vão perder uma de suas principais ferramentas de trabalho.
Na oposição, o PT salivava diante de um bom grampo. Legal ou ilegal, tanto fazia. Sapateou sobre a escuta do Sivam. Sambou sobre as do BNDES.
No poder, o petismo quer acabar com o baile. Pode interromper a festa, desde que do jeito certo, esmagando a delinquência que, entra governo, sai governo, rói o erário.
A pregação anti-grampo chega num instante em que o mecanismo começa a forçar a porta de uma das últimas cidadelas do breu: o Poder Judiciário.
O Congresso sujeita-se a vigilância implacável. O Executivo não fica muito atrás. O Judiciário, fechado e corporativo, parecia acima do bem e do mal. Não está.
Graças aos grampos, começa-se a enxergar um problema até bem pouco invisível: a infiltração do crime nos tribunais. O caso estampado hoje nas páginas da Folha é eloquente.
O novo grampo é pródigo em conversas esquisitas. Quem lê as transcrições fica sabendo que um jovem advogado de Brasília, 28 anos, diplomado a um ano, com currículo de estagiário de direito, atrai clientes dispostos a entregar-lhe somas milionárias. Sua credencial mais vistosa é a condição de filho de juiz.
É certo que, sozinhas, referências comprometedoras a magistrados e a seus parentes não constituem prova de delinquência. Mas são um indício. Algo que, não investigado, pode envenenar o resto da corporação.
Com tantas propostas por aprovar no Congresso, o governo deveria sair de fininho desse debate sobre o "aprimoramento" da lei do grampo. Ele não serve a ninguém.
Vai aqui uma sugestão: malparado, o Bahiagate poderia ganhar novos rumos se a Polícia Federal recorresse ao bom e velho grampo. Pode ser a única forma de arranjar um escalpo à altura do escândalo.


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