São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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ELIO GASPARI

O terrorista de 1968 remunera-se em 2008


A família do soldado morto no atentado recebe R$ 1.140 mensais, já o rapaz da VPR fatura R$ 1.627


QUARENTA ANOS DEPOIS do atentado a bomba contra o Consulado Americano em São Paulo, Sérgio Ferro, intitulando-se "único sobrevivente" do grupo terrorista que fabricou, transportou e detonou o explosivo, informa:
1) Diógenes Oliveira e Dulce Maia não participaram dessa ação. 2) A ação foi iniciativa da ALN (Ação Libertadora Nacional), e não da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Quem disse que Diógenes, o "Luís", e Dulce de Souza, a "Judith", participaram do atentado, organizado pela VPR, foi o doutor Sérgio Ferro em seu depoimento à polícia em 29 de março de 1971. Na ocasião, Ferro estava preso e a tortura era uma política de Estado para obtenção de confissões, verdadeiras ou falsas. Passados 37 anos, Ferro julgou oportuno corrigir seu testemunho. Em 1969, na prisão, Pedro Lobo de Oliveira e Diógenes, ambos da VPR, revelaram suas participações no atentado. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba, com "um ou dois quilos de dinamite".
Quando Ferro incriminou Dulce de Souza Maia, sabia que ela estava a salvo, no exílio. Além disso, uma bomba a mais, uma bomba a menos, não faria muita diferença na carga que a polícia imputava à dupla mencionada por Ferro.
Diógenes e Dulce foram associados a dois retumbantes atentados terroristas. No dia 26 de junho de 1968, a VPR lançou um caminhão-bomba com 15 quilos de dinamite contra o Quartel General do 2º Exército, em São Paulo. Na explosão, morreu o soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos. Dulce Maia contou sua participação nesse episódio numa entrevista a Luiz Maklouf Carvalho. Ela foi publicada no livro "Mulheres que foram à luta armada", em 1998. Diógenes nunca falou publicamente sobre o caso. Os documentos conhecidos, que devem ser vistos com reservas, são o depoimento dele e de camaradas seus, todos presos. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba. Onofre Pinto, que participou do atentado, disse que Diógenes acendeu o estopim.
Diógenes e Dulce também foram acusados de terem participado do planejamento e do assassinato do capitão americano Charles Chandler, em outubro de 1968. Na mesma entrevista a Maklouf, Dulce narrou sua colaboração no levantamento dos hábitos do capitão. Diógenes nunca discutiu esse atentado em público. Contudo, Pedro Lobo de Oliveira, seu colega de VPR, contou aos organizadores do livro "Esquerda Armada no Brasil", premiado em Cuba em 1973, que eram três as pessoas que estavam no carro do qual partiram os assassinos do capitão: ele, que ficou ao volante, e mais dois, um com um revólver e outro com uma metralhadora. Pedro Lobo não os nomeou. Informou que a dupla só foi identificada quando um militante da VPR que "sabia quais os companheiros que haviam participado" contou o caso à polícia, na prisão. Esse "delator", Hermes Camargo, tornou-se um colaborador do regime. Anos mais tarde ele repetiu o dois nomes numa entrevista a "O Estado de S. Paulo": os atiradores foram Diógenes Oliveira, o "Luís", e Marco Antonio Brás de Carvalho, o "Marquito", morto meses depois do atentado.
Assim como deve-se dosar o crédito às confissões de Sérgio Ferro e deve-se duvidar dos depoimentos de pessoas presas, é necessário registrar que a narrativa de Diógenes, preso, é semelhante à de Pedro Lobo, solto. Diógenes reconheceu ter sido um dos autores dos disparos.
Orlando Lovecchio, que teve a perna esquerda amputada abaixo do joelho por conta da explosão da bomba que Sérgio Ferro e seus camaradas puseram no Consulado Americano, recebe R$ 570 mensais da Viúva. Os pais do soldado Mário Kozel conquistaram em 2003 uma pensão de R$ 330, reajustada no ano seguinte para R$ 1.140 mensais. Desde o dia 24 de janeiro, Diógenes ficou em melhor situação. Ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 1.627 mensais (as vítimas, juntas, recebem R$ 1.710), com direito a R$ 400 mil de atrasados. Repetindo: há algo de errado na aritmética das indenizações e numa álgebra que acaba remunerando melhor o terrorista que participou de um atentado do que a família da sentinela assassinada ou o transeunte amputado.

PETROBOATO
A Petrobras está rondando os números e os mapas da busca de uma nova província em alto mar, ao norte do Maranhão. Conjecturas em cima desse tipo de murmúrio são pura perda de tempo, mas quem gosta de achar petróleo suspeita que na área haja algo maior que o campo de Tupi.

AGENDA REAL
O PSDB e o DEM especializaram-se em CPIs e obstruções parlamentares. Escolha deles. A agenda de Nosso Guia é outra. Com sorte, ele pode chegar ao fim do ano anunciando a criação de 2 milhões de novos empregos com carteira assinada. Não será fácil, mas é possível. Numa previsão cautelosa, gerará mais de 1,8 milhão. Para ter uma idéia do tamanho desse número, durante os oito anos dourados de Bill Clinton (1993-2001), a economia americana gerou, na média, 2,8 milhões de empregos anuais para uma população de 280 milhões. A referência vale apenas para mostrar o tamanho do número, pois os novos empregos com carteira assinada de Lula não são a mesma coisa que os postos de trabalho gerados durante o governo de Clinton. Há muitos casos de gente que trabalhava na informalidade e simplesmente passou para o mercado formal.

ME TARZAN
Se um dia alguém achasse uma agenda de Nosso Guia informando que em novembro de 2005 ele ofereceu um churrasco ao presidente americano “Jorge Buch”, isso iria para a conta do diploma-Senai dos companheiros. A agenda de Hillary Clinton informa que, em 20 de novembro de 1999, ela e o marido almoçaram em Florença com cinco chefes de governo europeus e com o presidente “Enrique Cardozo”, do Brasil.

BRUXARIAS
Se o ministro Guido Mantega e o doutor Henrique Meirelles não derem um jeito nos aprendizes de feiticeiro que os assessoram, qualquer dia desses um dos dois amanhece eletrocutado. Ambos poderiam almoçar, em separado, com Antonio Palocci. Ele tem muito a ensinar.

OBAMA E ASHLEY
Ashley Baia, uma jovem branca de 23 anos, entrou para a crônica dos grandes discursos da política americana por conta da comovente referência que Barack Obama fez à sua história. Quando ela tinha nove anos, sua mãe teve câncer, perdeu o emprego e o plano de saúde, indo à bancarrota. A menina decidiu que devia ajudar a mãe e, durante um ano, sustentou que a coisa de que mais gostava era de pão com mostarda e molho inglês. Era a comida mais barata que podia pedir. Hoje, Ashley estuda direito e é voluntária da campanha de Obama na Carolina do Sul, um Estado onde ainda se hasteia a bandeira da secessão sulista. (Ele ganhou a primária do lugar.)
Durante a campanha, Ashley fazia rápidos discursos no circuito dos cabeleireiros de mulheres negras na cidade de Florence. Num domingo de Páscoa, ler o discurso de Obama é chocolate para a alma. Em português, pode ser achado passando-se no Google "Ashley com certeza poderia ter feito uma escolha diferente". Ele está no sítio da Folha Online.

TIRO NO BOLSO
Alguém precisa levantar os custos da CPI dos Cartões Corporativos. Desde investimento em deputados/hora até despesas com equipes e material de apoio, passagens aéreas e hospedagens. A CPI arrisca custar mais caro que as irregularidades.


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