São Paulo, terça, 23 de março de 1999
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CHOQUE ENTRE PODERES
Legislativo quer tutelar Judiciário, afirma Carlos Velloso
Para Supremo, CPI provoca risco de desobediência civil

Ichiro Guerra/Folha Imagem
O ministro Carlos Velloso, futuro presidente do STF, em entrevista


FLÁVIA DE LEON
da Sucursal de Brasília

O futuro presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Carlos Velloso, disse que a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar casos de corrupção e nepotismo no Judiciário pode levar "descrédito" às decisões de juízes e tribunais e causar "desobediência civil".
"As pessoas precisam do Judiciário para resolver os seus conflitos. Se o Judiciário ficar desacreditado, podem ocorrer, inclusive, casos de desobediência civil", disse ele ontem em entrevista à Folha.
Ele afirmou ainda que a proposta de criação de uma CPI, feita pelo presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), "no fundo reflete o desejo de um Poder tutelar o outro Poder".
Velloso, que assumirá a presidência do Supremo em maio e estará à frente do tribunal no próximo biênio, defendeu que o Judiciário seja reformado e fez um apelo a ACM para que os dois Poderes, Legislativo e Judiciário, procurem juntos uma saída para os "verdadeiros problemas" da Justiça.
Para o ministro, a "maior mazela" do Judiciário é a lentidão. Ele citou como principais causas da morosidade da Justiça a "explosão de processos" decorrente da Constituição de 1988, que "assegurou novos direitos e facilitou o ingresso de recursos ao Judiciário", e as possibilidades de recurso às decisões de juízes e de tribunais.
Além disso, afirmou que há poucos juízes no país. Enquanto na Alemanha a proporção é de 3.000 habitantes para cada juiz, e a média mundial é de 7.000 habitantes por juiz, no Brasil para cada grupo de 30 mil pessoas há um único juiz.
Para resolver esse problema, Velloso defende cursos de especialização em magistratura para bacharéis e doutores em direito e a melhoria dos salários. "Há juízes da primeira instância passando necessidades", disse.
Procurado pela Folha, o senador ACM não foi localizado. À noite, segundo a sua assessoria, ele estava viajando de São Paulo para Brasília. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual a sua opinião sobre a abertura de uma CPI para investigar o Judiciário?
Carlos Velloso -
O Poder Judiciário precisa de reformas, e os juízes são os primeiros a fazer essa afirmativa. Reformas que deverão ser feitas a partir da análise das necessidades do Judiciário. É preciso verificar qual o problema que constitui a mazela do Judiciário. Pesquisas de opinião têm indicado que o problema básico é a lentidão, que pode levar à ineficácia de prestação jurisdicional.
Então temos de estabelecer as causas e equacionar as soluções. Os problemas do Judiciário são estruturais, não pontuais. E, nesse caso, uma CPI não seria capaz de equacionar soluções. Uma CPI desse tipo, generalizando acusações contra juízes, simplesmente expõe o Judiciário à execração pública, levando o descrédito às suas decisões. E isso não é bom para a nação. As pessoas precisam do Judiciário para resolver os seus conflitos. Se o Judiciário ficar desacreditado, podem ocorrer, inclusive, casos de desobediência civil. Como bem disse o editorial da Folha, a proposta é extemporânea. No fundo ela reflete o desejo de um Poder tutelar o outro Poder.
Quero fazer um apelo ao senador Antonio Carlos Magalhães, presidente do Congresso: para que ele reflita quais são os problemas da Justiça brasileira para que caminhemos juntos, se for o caso, para darmos solução ao angustiante problema da Justiça que é a lentidão.
Folha - E os casos de nepotismo e corrupção falados pelo senador?
Velloso -
Se está se falando em nepotismo, em corrupção e em vagabundagem no Judiciário, vamos curar esses males. Cumpre remeter à autoridade competente, às corregedorias e ao Ministério Público, as denúncias. Tenho certeza de que, se o STF tiver em mãos acusações sérias contra magistrados, encaminhará a quem de direito. Uma CPI enfraquece e desmoraliza instituições que devemos lutar para fortalecer.
Folha - O advogado Dalmo Dallari classificou as afirmações de ACM como "levianas e irresponsáveis".
Velloso -
Prefiro acreditar que o senador está agindo com idealismo, pensando em melhorar o Poder Judiciário. E é por isso mesmo que novamente dirijo a ele um apelo: por que não agirmos em conjunto e procurarmos as soluções para os verdadeiros problemas do Judiciário?


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